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Tecnologia

Fórmula para crescer

Empresa formada por pesquisadores vai produzir hormônio do crescimento no Brasil

Ponha-se no lugar de membro de uma família com uma criança com deficiência de hormônio do crescimento (GH). Ela vai precisar de doses diárias do produto por anos a fio. Cada dose do medicamento, todo importado, custa entre R$ 50 e R$ 80. Se a criança está sob tratamento no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), o governo do Estado banca a despesa. Mas, se não estiver? E o que isso significa para os cofres públicos? Além disso, o hormônio não é usado só em distúrbios de crescimento e com ameaça de nanismo. Ele é recomendado para pacientes de Aids, por exemplo, ou para a recuperação de queimados, por estimular a recuperação dos tecidos. Calculou a despesa?

Existe agora, porém, a possibilidade de que esses custos sejam reduzidos, com o início da produção do hormônio, por meio da engenharia genética, no próprio Brasil. Se tudo der certo, uma nova empresa, a Hormogen Biotecnologia, começará a fabricar, no primeiro semestre do próximo ano, o medicamento em escala piloto. “Vamos produzir com custos mais baixos que os praticados pelas multinacionais”, afirma o pesquisador Paolo Bartolini, chefe do Departamento de Bioengenharia do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), coordenador do projeto de produção e comercialização do medicamento.

Para isso, o IPEN e a Hormogen, cujos principais acionistas são os próprios pesquisadores envolvidos na investigação, já assinaram um convênio. O projeto, por sua vez, chamado Otimização dos Rendimentos de Expressão Bacteriana, Fermentação e Purificação do Hormônio de Crescimento Humano Recombinante, Visando Viabilizar sua Produção e Comercialização, foi incluído no Programa de Inovação Tecnológica em Pequena Empresa (PIPE), apoiado pela FAPESP. Saíram das verbas da Fundação cerca de R$ 250 mil para torná-lo possível.

Pico na puberdade
O hormônio do crescimento (a sigla, GH ou hGH, vem das iniciais do nome em inglês, Human Growth Hormone) já foi, inclusive, muito mais caro. Até a década de 1970, a única maneira de consegui-lo era extraí-lo da glândula hipófise de cadáveres de seres humanos. Só a partir de 1979 começou a ser produzido, nos Estados Unidos, por meio da modificaçãodo patrimônio genético de bactérias. Atualmente, todo o hormônio usado no Brasil é importado. As principais marcas, com os fabricantes entre parênteses, são Genotropin (Pharmacia Upjohn), Humatrope (Eli Lilly), Norditropin (Novo Nordisk) e Saizen (Serono).

O hormônio é secretado pela glândula hipófise durante toda a vida, mas tem seu pico de produção na fase da puberdade. “Depois,a produção vai caindo gradativamente”, explica a médica endocrinologista Berenice Bilharinho de Mendonça, livre-docente da especialidade na USP. A principal função desse hormônio é a de estimular a divisão das células, permitindo, assim, o aumento dos tecidos. Não se sabe exatamente quantas pessoas têm deficiência na produção do hormônio no Brasil. Mas, se for seguido o padrão internacional, de uma pessoa em cada grupo de entre 10 mil e 15 mil nascidos, teremos algo em torno de 15 mil pacientes.

O número de usuá-rios em potencial, porém, não pára por aí. Nem sem-pre a deficiência na produção do hormônio tem causa genética. Ela pode ser conseqüência de outros fatores, como tumores na região da hipófise, um traumatismo craniano ou efeitos da radioterapia. Além disso, sua aplicação terapêutica não é útil apenas em crianças em risco de nanismo. Ela é recomendada em vários casos, como transplantes de rins e situações graves de debilitação, como pacientes de Aids, tratamentos pós-cirúrgicos e queimaduras graves.Nos últimos anos, ainda, aplicações do hormônio vêm sendo usadas em pessoas idosas, nas quais agiria como uma espécie de elixir da juventude. Esse tipo de tratamento, porém, não tem comprovação científica.

“O hormônio acelera a recuperação das células perdidas, favorecendo a construção dos tecidos e a síntese protéica”, informa a professora Berenice. O hormônio é injetado no corpo do paciente. No caso de crianças com problemas de nanismo, a dose básica é de um décimo de uma unidade internacional por quilo de peso. Assim, uma criança com 20 quilos vai precisar de duas unidades internacionais de GH por dia.

Processo complicado
Não se chega, porém, ao estágio de produção do hormônio por engenharia genética de um momento para o outro. Bartolini, por exemplo, trabalha com a produção e caracterização de hormônios há mais de 20 anos. Ele aprendeu a técnica de clonar o gene do GH em 1988, quando fazia estudos de pós-doutorado na Itália. De volta ao Brasil, continuou suas pesquisas. Há cerca de cinco anos, a equipe do IPEN sentiu que já dominava completamente as técnicas para a obtenção do hormônio. Só isso já é um passo a ser comemorado. O grupo detém o que Bartolini classifica de “um know-how importantíssimo”, que pode, no futuro, ser aplicado na obtenção de outros medicamentos.

O processo para a obtenção do hormônio do crescimento não é simples. Começa com a introdução e o controle do gene humano numa bactéria modificada. A mais usada é aEscherichia coli . Durante a fase de fermentação, a bactéria reproduz-se rapidamente e passa a produzir o GH. A multiplicação é tão rápida que uma bactéria pode dar origem a bilhões no tempo de apenas dez horas. Passa-se, então, a um processo de centrifugação das bactérias, com o qual se obtém um extrato cru de proteínas.

Começa uma longa etapa de purificação, com o objetivo de obter o hormônio e separar os contaminantes. A etapa tem muitos estágios, como cromatografias e precipitações. “Só no fim conseguimos separar a proteína que nos interessa”, diz Bartolini. Com a proximidade do início da produção em escala piloto, ainda, as preocupações dos pesquisadores estãoem outros campos, incluindo o aspecto econômico do processo. “Para colocar o produto no mercado em condições de competitividade, é preciso otimizar os rendimentos da pesquisa, tanto na obtenção de vetores de expressão mais eficientes como no processo de fermentação em bioreator, aumentando a quantidade e a produtividade por bactéria”, afirma Bartolini.

Potencial de negócios
Para começar a produzir o hormônio, ainda em escala piloto, os pesquisadores aguardam agora a chegada de equipamentos importados, o que deve ocorrer no prazo de seis meses. Se não houver imprevistos, calcula o administrador da Hormogen, Antônio Eduardo de Freitas Nicodemo, a produção começa no primeiro semestre do ano 2000. Com a planta piloto em funcionamento, os pesquisadores saem em busca de parceiros para dar início à produção industrial. “Já estamos estudando as melhores parcerias e continuamos abertos a propostas”, afirma Nicodemo.

Por enquanto, a Hormogen, que foi organizada especificamente para a produção do GH e tem como principais cotistas os pesquisadores do IPEN, com 70% do capital, passa por uma fase de adequação ao espaço que vai ocupar. Trata-se de um salão com cerca de 50 metros quadrados, situado no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec) da USP, na Cidade Universitária. O Cietec, organização destinada a apoiar empresas emergentes na área tecnológica, fornece a infra-estrutura. Quanto às possibilidades de desenvolvimento, não são pequenas. “Temos um mercado potencial para o hGH biossintético superior a 300 mil doses por ano e ele está em expansão contínua”, sublinha o administrador Nicodemo.

Perfil
O professor Paolo Bartolini, de 54 anos, é chefe do Departamento de Bioengenharia do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN). Nascido na Itália, formou-se em Química pela Universidade de Pávia. Doutorou-se em Biologia Molecular pela antiga Escola Paulista de Medicina, hoje Universidade Federal de São Paulo. Tem dois pós-doutorados, um de Bioquímica de Proteínas, nos Estados Unidos, e outro de Engenharia Genética, na Itália.

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