Há cerca de 252 milhões de anos, 90% das formas de vida da Terra extinguiram-se. Causada provavelmente por um aumento exagerado do efeito estufa devido a erupções vulcânicas, a catástrofe foi a maior das cinco extinções em massa conhecidas e marcou o fim do período Permiano e da era Paleozóica e o início da era Mesozóica e do período Triássico. Um crânio e quatro vértebras cervicais fossilizadas de uma nova espécie de réptil que surgiu logo depois do cataclismo e viveu cerca de 250 milhões de anos atrás foram encontrados no início do ano passado no oeste do Rio Grande do Sul por paleontólogos da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e hoje (11/03) são descritos em detalhes em um artigo publicado na revista Scientific Reports. Batizada de Teyujagua paradoxa (em guarani, a palavra teyujagua significa lagarto feroz), a espécie era uma forma de vida com características intermediárias entre os répteis mais primitivos e os arcossauriformes, grupo bastante diversificado e de origem misteriosa do qual descendem os extintos dinossauros e pterossauros e as linhagens atuais de crocodilos, jacarés e aves.
A análise das características anatômicas do material, em especial do bem conservado crânio de 11,5 centímetros de diâmetro, indica que, em termos evolutivos, o Teyujagua paradoxa já apresentava alguns traços que se acreditava terem surgido apenas com os arcossauriformes. A espécie, cuja aparência deveria lembrar à de um pequeno jacaré, tinha dentes curvados e serrilhados (traço típico de carnívoros) e uma abertura na região da mandíbula, duas marcas registradas desse grupo de animais. No entanto, ainda não exibia uma abertura entre os olhos e a narina, outra feição-chave dos arcossauriformes. “O Teyujagua paradoxa estava no meio do caminho entre os répteis mais primitivos e esse grupo”, afirma o paleontólogo Felipe Pinheiro, da Unipampa, principal autor do estudo. “Forma um táxon irmão dos arcossauriformes e pode ser muito importante para entendermos o surgimento de certos traços anatômicos dessa importante linhagem de vertebrados.”
De acordo com os pesquisadores que assinam o estudo, o T. paradoxa deveria medir 1,5 metro de comprimento. Suas narinas se localizavam na parte de cima do focinho, traço típico de seres aquáticos ou semiaquáticos, como os jacarés atuais. Os exemplares da espécie provavelmente habitavam as margens de rios e lagos, onde caçavam anfíbios e pequenos animais parecidos com lagartos.
Répteis primitivos tão antigos e similares ao fóssil gaúcho, encontrado na formação geológica Sanga do Cabral, no município de São Francisco de Assis, são raros. Há alguns poucos registros de vestígios de animais com essas características na África do Sul, China e Rússia. “Mas nenhum desses fósseis tem traços tão primitivos como o Teyujagua e dispõe de um crânio tão bem preservado”, afirma o paleontólogo Cesar Schultz, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), outro autor do artigo. Pesquisadores da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e da Universidade de de Birmingham (Inglaterra) também assinam o paper. No Brasil, o estudo foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Artigo científico
PINHEIRO, F.L. et al. An exceptional fossil skull from South America and the origins of the archosauriform radiation. Scientific Reports, n. 6. 11 mar. 2015.