O fóssil de um pequeno cogumelo foi capaz de resistir à ação de milhões de anos até ser encontrado por pesquisadores norte-americanos na bacia do Araripe, depósito de rochas formadas por sedimentos localizado na divisa dos estados do Ceará, Piauí e Pernambuco. A descoberta se deu ao acaso, enquanto o paleontólogo Sam Heads, do Instituto de Pesquisa em História Natural da Universidade de Illinois, Estados Unidos, digitalizava uma coleção de fósseis encontrados nessa região do Brasil, conhecida por ser uma das poucas no mundo a abrigar uma grande variedade de fósseis muito bem preservados de organismos pré-históricos. Até onde se sabe, esse é o fóssil de cogumelo mais antigo do mundo, o primeiro do período Cretáceo, com 115 milhões de anos. Antes dele, o mais antigo havia sido encontrado em âmbar —resina fossilizada de árvores— no Sudeste asiático, datado de cerca de 99 milhões.
Para a paleontóloga Mírian Pacheco, do Departamento de Biologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus de Sorocaba, que não participou da pesquisa, é surpreendente um cogumelo conseguir resistir à ação do tempo dessa maneira. “Esses fungos são formas de vida efêmeras e de baixo potencial de fossilização, preservando-se apenas em condições excepcionais, como as verificadas na bacia do Araripe”, diz ela (ver Pesquisa FAPESP nº 255). “Trata-se de um achado raro e muito importante para a reconstituição paleoambiental.” O fungo foi batizado de Gondwanagaricites magnificus pelos pesquisadores norte-americanos, que estimam que o cogumelo tenha habitado o Nordeste brasileiro no contexto do Gondwana, o supercontinente formado há cerca de 200 milhões de anos e que agrupava América do Sul, África, Madagascar, Índia, Oceania e a Antártida. O fungo tem cerca de 5 centímetros de altura e cor marrom alaranjada.
Podcast: Mírian Pacheco
A hipótese da equipe de Sam Heads é que o cogumelo deve ter caído em um rio e sido levado a uma lagoa salina, onde foi envolto por camadas estratificadas de água salgada até ser coberto por sedimentos finos. Com o tempo, o organismo foi mineralizado, e seus tecidos aos poucos substituídos por pirita, mineral composto basicamente por ferro e enxofre, conforme descreveram em um artigo publicado na revista PLOS ONE no dia 7 de junho. No entanto, análises mais rigorosas da composição química e mineral do fóssil ainda são necessárias para validar essa hipótese. Seja como for, destaca o geólogo Gabriel Osés, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais da UFSCar, campus São Carlos, o achado amplia as perspectivas de pesquisas sobre a forma como esses fósseis se preservam. “O estudo contribui para calibrar a evolução das relações de parentescos ente os fungos ao longo do tempo geológico”, afirma.
Os fungos estão entre os organismos mais diversos deste planeta e apresentam um papel chave na biosfera e, consequentemente, fazem parte dos processos que explicam as origens da diversificação biológica entre organismos macroscópicos. Eles são capazes de decompor a matéria orgânica, participando ativamente na ciclagem de nutrientes, crucial na estrutura dos ecossistemas. As evidências científicas coletadas e analisadas até agora sugerem que, ecologicamente, os fungos tenham tido um papel muito importante no estabelecimento e na diversificação das plantas em ambientes terrestres. Desse modo, é possível que o fóssil apresentado no estudo na PLOS ONE ajude a explicar como se deu a transição das plantas do ambiente aquático para o terrestre, ainda que esses organismos pertençam a reinos distintos.
Artigo científico
HEADS, Sam W. et al. The oldest fossil mushroom. PLOS ONE. 7 jun. 2017.