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Saúde

Frente de combate à tuberculose

Rede-TB reúne 170 especialistas na busca de novas vacinas, medicamentos etestes para identificar a doença

GABRIELLA ZAUITHLopes Silva pesquisa, há 11 anos, a relação entre o bacilo e o seu hospedeiroGABRIELLA ZAUITH

A tuberculose ainda é um grave problema de saúde pública em todo o mundo. Durante décadas, acreditou-se que a doença estivesse sob controle e a maioria dos países acabou por reduzir os investimentos em políticas públicas de combate ao bacilo. A tuberculose, no entanto, crescia em várias regiões, junto com as taxas de envelhecimento da população e a disseminação da Aids, expandindo-se com os movimentos migratórios, a ponto de, em 1993, ser considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como emergência global. Hoje, estima-se que algo em torno de 2 bilhões de pessoas hospedem o bacilo Mycobacterium tuberculosis nas células. A cada ano, 6,8 milhões de indivíduos desenvolvem a doença e 3 milhões morrem. A situação é particularmente grave em 22 países que concentram 80% dos casos de tuberculose do planeta.

E o Brasil está entre eles, na 13ª posição, com um total de 50 milhões de infectados. Ou seja, quase um terço da população hospeda o bacilo sem, no entanto, desenvolver a doença. A incidência da tuberculose no país é de 129 mil casos por ano, dos quais apenas 90 mil são notificados, e um coeficiente de mortalidade de 3,5 por 100 mil. Cerca de 80% das vítimas da tuberculose têm entre 15 e 20 anos. A única arma contra a doença – cuja eficiência, para muitos, é duvidosa – ainda é o velho BCG (Bacilo Calmette-Guérin), uma vacina viva baseada no Mycobacterium bovinus atenuado para uso humano, desenvolvida em 1921, cujo nível de proteção varia de 0 a 75%.

Hoje, o primeiro grande desafio dos pesquisadores é desenvolver formas de imunização mais seguras contra a doença. Esforços nesse sentido se multiplicam por todo o mundo: estão em fase de teste pelo menos 170 vacinas, a maioria delas gênicas ou de DNA, consideradas de terceira geração, entre elas, a que esta sendo desenvolvida pelo Centro de Pesquisa em Tuberculose da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-SP), da Universidade de São Paulo (USP), com o apoio da FAPESP. O segundo desafio é encontrar novas terapêuticas para tratar indivíduos que desenvolveram a tuberculose, já que o tratamento atual – um coquetel formado por seis drogas tóxicas – dura seis meses e registra índice de desistência de 30%. A Organização Mundial de Saúde (OMS) desejaria que esse período fosse encurtado para dois meses.

Novos diagnósticos
Essas duas tarefas mobilizam comunidades de pesquisadores em todo o mundo. No Brasil, acaba de ser formada a Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose – Rede-TB, coordenada por Célio Lopes Silva, do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP. A Rede é formada por 170 pesquisadores e 47 institutos de pesquisas em todo o país, incluindo-se aí as secretarias de Saúde de nove Estados brasileiros. O seu objetivo é reunir o conhecimento científico, as experiências de pesquisas e os produtos desenvolvidos por grupos de trabalho em todo o país na busca de novas vacinas, novos medicamentos e testes para a identificação da doença.

O diagnóstico da tuberculose, por exemplo, há 50 anos é baseado na baciloscopia direta do escarro e apresenta sensibilidade em torno de 50%. O cultivo do bacilo no meio apresenta maior sensibilidade, mas os resultados só saem depois de quatro a seis semanas, retardando o início do tratamento e facilitando a transmissão do bacilo. “Os avanços técnicos nas últimas décadas deram origem a vários testes promissores, mas houve pouco progresso no entendimento de como operacionalizar tais técnicas”, observa Lopes Silva.

Biologia do bacilo
Na busca de prevenção efetiva e da cura da doença a troca de informações é uma ferramenta estratégica. “A Rede-TB reúne pesquisadores preparados para realizar estudos epidemiológicos e clínicos operacionais, usando tecnologia pós-genoma, e para desenvolver pesquisas em áreas básicas direcionadas ao entendimento da biologia do bacilo e imunopatologia da tuberculose. Temos profissionais qualificados e com competência para realizar não só a pesquisa básica, mas também para fazer ensaios clínicos, testes em humanos, desenvolver produtos, fabricá-los e colocá-los no mercado”, garante o pesquisador.

A meta desse grupo de trabalho é ambiciosa. “Vamos tentar resolver o problema da tuberculose no Brasil”, ele diz. E justifica: o bacilo da tuberculose mata mais que qualquer outro agente infeccioso e os óbitos representam 25% de toda a mortalidade evitável nos países em desenvolvimento. Junto com o HIV, forma uma espécie de “dueto letal”, já que um acelera a progressão do outro. “A tuberculose é a principal causa de morte em pessoas com HIV positivo”, afirma Lopes Silva. Além disso, a alta incidência de abandono do tratamento torna o bacilo resistente aos medicamentos. “Infelizmente, não temos opções de outras vacinas e novas drogas.” O custo do tratamento de um caso de tuberculose é de R$ 78,00. Mas no caso da tuberculose multirresistente, pode saltar para R$ 8.500,00, sem levar em conta os custos hospitalares. “A Rede-TB representa um desafio inovador para o desenvolvimento científico e tecnológico nacional e, conseqüentemente, para a saúde pública, com grande alcance social”, prevê.

A partir de abril, a Rede-TB lança umsite para auxiliar na formação de recursos humanos. “Os testes das pesquisas têm de ser coordenados e padronizados, desde a coleta do exame até a caracterização da bactéria”, explica Lopes Silva. No ano passado a Rede-TB passou a integrar, por meio da FMRP-USP, o grupo formado por 17 Institutos do Milênio, um programa do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que tem como objetivo estimular o desenvolvimento de pesquisas multidisciplinares na fronteira do conhecimento. Ao longo de três anos, contará com R$ 6 milhõespara investimentosem pesquisas.

Vacina gênica
A idéia de formar uma rede nacional de pesquisa sobre a tuberculose avançou junto com os estudos sobre a doença no Centro de Pesquisas em Tuberculose da FMRP-USP, coordenado por Lopes da Silva. Ele pesquisa, há 11 anos, a relação entre o bacilo da tuberculose e o seu hospedeiro. Num projeto temático financiado pela FAPESP, desenvolveu uma vacina de DNA com potencial para ser aplicada no controle da tuberculose. A vacina de DNA é baseada num pedaço do código genético do agente causador da doença, no caso o Mycobacterium tuberculosis. Aplicado por meio de injeção intramuscular, provou-se que esse DNA pode criar condições para a produção da proteína antigênica a partir das próprias células dos indivíduos infectados.

Nos estudos iniciais, Lopes Silva introduziu o gene da hsp65, uma proteína antigênica, em dois plasmídeos que têm a qualidade de dirigir a expressão de genes micobacterianos em células de mamíferos. Inoculado em camundongos, o DNA hsp65 estimulou a produção de anticorpos. Os mesmos experimentos foram feitos em cobaias e os resultados foram igualmente satisfatórios. As pesquisas mudaram de rumo na terceira fase da investigação, antes mesmo que a vacina fosse testada em humanos. “No Brasil já temos um terço da população infectada, portanto, era difícil pensar em prevenção.

Decidimos partir para algo mais prático: desenvolver uma vacina que também tivesse propriedades terapêuticas, ou seja, também curasse a doença”, lembra Lopes Silva. Outro aspecto que teve peso no redirecionamento da pesquisa foi o tempo necessário para o teste de uma vacina e de um produto terapêutico. Uma vacina é testada em três fases, por um período superior a 20 anos, e a custos muito elevados. Um produto terapêutico – ainda que acumule a condição de vacina – tem a vantagem de poder ser testado como se fosse uma droga, por um período de um ano antes de ser colocado no mercado como remédio. “Decidimos testar o uso da vacina de DNA no tratamento direto das infecções já estabelecidas, como uma droga antimicobacteriana”, lembra.

Novos testes foram feitos com animais pré-infectados com o Mycobacterium tuberculosis, e os resultados indicaram que a vacina gênica hsp65 prevenia o desenvolvimento da doença, eliminava a infecção e ainda demonstrou ter propriedade de curá-la. Em 2000, Lopes da Silva, a FMRP-USP e a FAPESP patentearam no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) o hsp65 como agente terapêutico gênico.

Efeitos colaterais
As pesquisas continuam. Num novo projeto temático recentemente aprovado pela FAPESP, Lopes Silva e a equipe do Centro de Pesquisa em Tuberculose vão avaliar, ao longo de quatro anos, os efeitos colaterais e, principalmente, a auto-imunidade dos organismos ao hsp65. Também vão escalonar o produto de forma a obter formulações específicas para a apresentação do medicamento para, em seguida, partir para a realização de testes em macacos. O grande problema, neste momento da pesquisa, será encontrar um laboratório com segurança biológica para os testes. “Existe apenas um laboratório com essas características no país, instalado na Fiocruz. Estamos negociando a possibilidade de utilizá-lo. Mas pretendemos montar um laboratório de segurança em nível P3”, adianta.

O projeto
Estudos de novas vacinas e terapia gênica contra tuberculose (nº 00/09663-2); Modalidade Projeto temático; Coordenador Celio Lopes Silva – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP; Investimento R$ 865.918,36 e US$ 846.938,75

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