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Ciência atmosférica

Gás da floresta amazônica e tempestades de raios aceleram formação de nuvens

Árvores emitem isopreno que, a altitudes elevadas, reage com outras moléculas e aumenta em 100 vezes a produção de núcleos de condensação, as sementes das chuvas

Nuvens sobre a bacia amazônica, vista do avião Halo

Philip Holzbeck/MPI for Chemistry

Dois artigos publicados na revista Nature desta semana mostram em detalhes a sequência de interações físico-químicas que permite a formação de enormes quantidades de partículas de aerossóis na alta atmosfera da Amazônia, a altitudes entre 10 e 15 quilômetros (km). Essas partículas são transportadas para diversas partes do globo em razão da circulação atmosférica e têm um papel importante na gênese dos núcleos de condensação das nuvens, o embrião das gotas de chuva, e também em outros parâmetros climáticos.

Há 20 anos, os pesquisadores tomaram conhecimento da existência de concentrações de aerossóis na alta atmosfera da Amazônia que eram 160 vezes maiores do que as medidas perto da superfície. No entanto, não havia uma explicação consistente para o fenômeno até a publicação dos novos trabalhos, feitos por grupos internacionais com a participação de brasileiros. “Agora, resolvemos esse mistério e mostramos que um composto orgânico liberado pela própria floresta, o isopreno, inicia o processo de formação desses aerossóis”, diz o físico Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), coautor de um dos estudos que receberam destaque de capa na Nature.

Um dos artigos se baseia em dados de processos químicos obtidos em sobrevoos sobre a Amazônia com o avião Halo do Centro Aeroespacial Alemão (DLR), entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023. As atividades fizeram parte do projeto Chemistry of the Atmosphere: Field Experiment in Brazil (Cafe-Brazil). “Realizamos 136 horas de voo e percorremos 89 mil km sobre a Amazônia”, conta o meteorologista Luiz Augusto Machado, do IFUSP e colaborador do Max Planck, que supervisionou todos os voos e participou de alguns.

Dirk Dienhart/Instituto Max Planck de QuímicaAvião alemão Halo decola na Amazônia para registrar dados de química atmosféricaDirk Dienhart/Instituto Max Planck de Química

O segundo trabalho, que usou os dados fornecidos pelo experimento Cafe-Brazil, foi feito nas dependências da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (CERN), na Suíça, na câmara Cloud (Cosmics Leaving Outdoor Droplets). Esse aparelho reproduz as condições e os processos que ocorrem na atmosfera. “O Cloud é um cilindro de aço inoxidável de 3 metros de altura, que é suprido de ar ultralimpo com as mesmas proporções de nitrogênio e oxigênio que temos na atmosfera”, conta a meteorologista brasileira Gabriela Unfer, que faz doutorado no Instituto Leibniz de Pesquisa na Troposfera, em Leipzig, na Alemanha. Unfer é a única brasileira que assina os dois artigos sobre os aerossóis de alta altitude.

Um aspecto surpreendente dos estudos é que os aerossóis formados ente 10 e 15 km de altitude devem sua existência a processos que se iniciam no meio da floresta tropical. Em momentos de estresse térmico, as folhas das árvores da Amazônia emitem isopreno, um composto volátil orgânico incolor, com um levíssimo aroma que pode remeter a borracha ou petróleo. A liberação dessa molécula gasosa, expelida como uma espécie de transpiração da vegetação, é um mecanismo evolutivo que auxilia as plantas, em especial a dos trópicos, a se proteger dos efeitos negativos dos picos de calor. Perto da superfície, na baixa atmosfera, o isopreno dura minutos ou poucas horas. Durante o dia, sob a luz solar, ele se degrada rapidamente ao reagir com outros compostos.

Entrevista: Luiz Augusto Machado
00:00 / 13:59

Mas as moléculas de isopreno emitidas depois do pôr do sol pelas árvores da Amazônia escapam desse fim precoce e são transportadas à alta atmosfera pela ação de tempestades noturnas. A cerca de 15 km de altitude, onde a temperatura é inferior a -30 graus Celsius (ºC), o isopreno não se degrada como ocorre perto da superfície e reage com outros compostos. A produção noturna de raios durante as tempestades faz com que o isopreno se ligue a moléculas de óxidos de nitrogênio e forme rapidamente uma enorme quantidade de partículas de aerossol de alguns nanômetros. “Na alta atmosfera, o isopreno acelera em 100 vezes a velocidade de formação de aerossóis”, comenta Machado.

É provável que esse mesmo mecanismo de formação de aerossóis em altitudes elevadas também ocorra em outras partes do globo, sobretudo sobre as florestas tropicais do Congo, na África, e no Sudeste Asiático. O isopreno é o principal composto volátil emitido pelas plantas. Cerca de 600 milhões de toneladas são liberadas para a atmosfera anualmente. “A floresta amazônica sozinha é responsável por mais de um quarto dessas emissões”, estima, em comunicado de imprensa, o meteorologista Joachim Curtius, da Universidade de Frankfurt, principal autor do estudo com os dados de experimento de campo Cafe-Brazil.

Projetos
1. Interações entre gases traços, aerossóis e nuvens na Amazônia: da emissão de bioaerossóis aos impactos em larga escala (nº 23/04358-9); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Paulo Artaxo; Investimento R$ 4.109.920,65
2. Correlacionando o nível de organização de campos de nuvens convectivas aos ciclos hidrológico e de aerossóis na Amazônia (CLOUDORG) (nº 22/13257-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Jovens Pesquisadores; Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais ( PFPMCG); Acordo Instituto Serrapilheira; Pesquisador responsável Micael Amore Cecchini (USP); Investimento R$ 1.471.125,05
3. Interações entre aerossóis e eventos de tempo na Amazônia (nº 21/03547-7); Modalidade Bolsa de Mestrado; Pesquisador responsável Luiz Augusto Toledo Machado (USP); Beneficiário Gabriela Unfer; Investimento R$ 73.911,67

Artigos científicos
CURTIUS, J. et al. Isoprene nitrates drive new particle formation in Amazon’s upper troposphere. Nature. 4 dez. 2024
SHEN, J. et al. New particle formation from isoprene under upper-tropospheric conditions. Nature. 4 dez. 2024

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