Um grupo internacional de pesquisadores deu um passo para, no futuro, obter variedades de amendoins resistentes a fungos que causam doenças e comprometem a qualidade da planta. Eles concluíram o sequenciamento do genoma de duas espécies silvestres ancestrais, parentes próximas do amendoim hoje cultivado nos cerca de 24 milhões de hectares espalhados pelo mundo. O amendoim consumido atualmente é resultado de um cruzamento entre a Arachis duranensis e a Arachis ipaensis, ocorrido naturalmente há cerca de 10 mil anos, possivelmente no norte da Argentina. Por ser fruto do cruzamento de duas espécies distintas, o amendoim comercial tem dois genomas, chamados subgenomas A e B – cada célula dessa espécie abriga quatro cópias de cada cromossomo, em vez das duas habituais, ou seja, é uma espécie tetraploide. Esses subgenomas são bastante semelhantes entre si, o que dificulta o mapeamento de cada um deles separadamente.
Em um estudo publicado nesta segunda-feira, 22, na revista Nature Genetics, os pesquisadores, entre eles o botânico inglês David John Bertioli, professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB), resolveram o problema sequenciando o genoma das duas espécies silvestres, coletadas há décadas por botânicos nas encostas dos Andes, na Bolívia e na Argentina. Cada um dos dois genomas tem mais de 1 bilhão de pares de bases — o genoma humano, para se ter uma ideia, tem 3 bilhões de pares. No estudo, os pesquisadores analisaram as similaridades entre os DNAs das espécies silvestres e o do amendoim cultivado (híbrido). Fazendo isso, conseguiram inferir a estrutura do genoma do amendoim cultivado. “Isso nos fornece dados moleculares importante do amendoim que poderá nos ajudar a produzir variedades tolerantes à seca, resistentes a doenças, mais produtivas e que demandam menos defensivos para sua produção”, diz Bertioli.
Os pesquisadores identificaram regiões genômicas que conferem resistências contra doenças e pragas, como ferrugem e nematoide da galha. A primeira causa pontos amarelados visíveis na superfície dos folíolos causados por fungos e que podem dizimar até 70% da produção; o segundo é um verme que se instala nas raízes das plantas e reduz a absorção e o transporte de água e de nutrientes para ela, comprometendo ou até mesmo inviabilizando a cultura.
O que realmente chamou a atenção é que o genoma da outra espécie silvestre, A. ipaensis, apresentou-se como um tipo de relíquia viva, praticamente idêntico ao subgenoma B do amendoim moderno. A comparação entre as sequências de DNA silvestre e do subgenoma B do amendoim cultivado indicou que elas são 99,96% idênticas, uma semelhança sem precedentes. “É quase como se o DNA tivesse sido amostrado da mesma planta que deu origem ao amendoim cultivado, mantida em um jardim pré-histórico”, comenta. Segundo Bertioli, os genomas das duas espécies parentais proporcionam excelentes modelos para o estudo do genoma do amendoim cultivado, A. duranensis servindo como um modelo para o subgenoma A, e A. ipaensis, para o subgenoma B.
O estudo faz parte de um projeto mais amplo, chamado Peanut Genome Initiative, envolvendo pesquisadores de Estados Unidos, China, Índia, Israel e Brasil, com o objetivo de sequenciar o genoma do amendoim, caracterizar sua variação genética e fenotípica e seus parentes silvestres, ou mesmo desenvolver ferramentas genômicas para a obtenção de variedades melhoradas. Além da alimentação, o amendoim é uma fonte potencial para a produção de biodiesel – algumas variedades chegam a produzir até 50% de óleo para a mesma. O sequenciamento do genoma das espécies silvestres, e sua comparação com os subgenomas do amendoim que conhecemos, foi o primeiro passo do projeto. Os pesquisadores agora pretendem sequenciar o genoma completo do amendoim cultivado.
Artigo científico
BERTIOLI, D. J. et al. The genome sequences of Arachis duranensis and Arachis ipaensis, the diploid ancestors of cultivated peanut. Nature Genetics. fev. 2016.