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Darcy Fontoura de Almeida

Genomas: projetos, realizações e sonhos

Etapa cumprida traz perspectivas entusiasmantes

Ainda me encontro, como de certo muitos outros pesquisadores Brasil afora, sob o benfazejo efeito da dominação, pela comunidade científica sediada em São Paulo, da moderna tecnologia de seqüenciamento de genomas. Dito assim, parece pouco. É preciso dizer algo mais. De acordo com uma regra que talvez possa ser considerada como intrínseca à evolução da atividade científica, a aquisição de conhecimento, se por um lado reduz alguma perplexidade ou resolve algum problema, por outro lado acarreta a formulação de inúmeras indagações e novos problemas. Portanto, a etapa cumprida é, ao mesmo tempo, o fim e o início. No caso, tanto um quanto o outro trazem perspectivas entusiasmantes.

Para chegar ao fim, que era o seqüenciamento completo do genoma da Xylella fastidiosa, bactéria fitopatógena que provoca a clorose de cítricos, foi necessário construir estruturas que trouxeram impactos muito positivos para o futuro da pesquisa no país. Vale a pena mencionar dados que ajudaram na rota para o sucesso: coordenação competente e determinada, indispensável para o recrutamento de dezenas de laboratórios, de várias especialidades e de vários centros de pesquisa; aquisição de equipamentos modernos e habilitação dos participantes, por treinamento especializado; apoio institucional decidido, vale dizer, confiante; por último, mas de valor crucial, pessoal jovem. Dadas as premissas, o resultado não surpreende: produção de competitividade internacional.

Atingido o fim, está dominada uma tecnologia específica, essencial para o progresso na área, mas que por si só não oferece respostas. De certo pululam as novas indagações, para novos inícios. E também novas formas de pensar. A mais óbvia é a abordagem, de uma só vez, do genoma completo, o que requer a generalização das perguntas, ou seja, a sua apresentação em nível hierárquico superior. Não mais se indagará de um gene, com seu produto e sua função, mas de regulons inteiros, de constelações de genes, dos labirintos de funcionalidade que bem se assemelham aos mapas das vias do metabolismo intermediário, até ante ontem grudados às paredes de nossos laboratórios.

As palavras de ordem passam a serchips de DNA, micro-arrays , uma nova disciplina que em nossa língua nem nome tem ainda, genomics. Contudo, acredito que, um pouco mais adiante, deverá ocorrer um retorno à participação individual deste ou daquele gene, como chave para a saída do labirinto, ou então para a intervenção programada, como, por exemplo, em sítios particulares das rotas geradoras de virulência, e outras situações com as quais não sonhamos. Vou mais além, e não duvido da necessidade, em breve, de se aplicar abordagens similares às que hoje se aplicam aos genes codificantes de proteínas e RNAs estáveis, para o estudo,mutatis mutandis , de regiões reguladoras, da interação DNA-proteína, enfim, de questões que surgirão quando cair na rotina o atual fogo do genoma completo. Mas não me assusto. Quem até aqui chegou, até lá deverá chegar.

É difícil terminar sem mencionar o outro sentimento que acompanha minha alegria pela realização do projeto Xylella em São Paulo. Lamento, e muito, que não possamos hoje festejar a instituição de programas semelhantes em escala federal. Dá até para imaginar, aqui comigo mesmo, bem caladinho, como seria bom, na época dos transgênicos, se pudéssemos transmutar a Fapesp numa FAPFEB, Fundação de Amparo à Pesquisa da Federação dos Estados Brasileiros, ou coisa que o valha…

Darcy Fontoura de Almeida é membro titular da Academia Brasileira de Ciências

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