EDUARDO CESARAs três espécies brasileiras de Podocarpus estão entre as raras coníferas nativas do país – as outras são as araucárias. São mais conhecidas por paisagistas, que em geral as usam em projetos de jardinagem. Mas não só. A bióloga francesa Marie-Pierre Ledru vê nos grãos de pólen fossilizados do podocarpo registros preciosos das mudanças climáticas do Quaternário, o período geológico iniciado há 1,8 milhão de anos. Para essa pesquisadora do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD, na sigla em francês), o pólen fóssil do podocarpo mostra que o Nordeste brasileiro, hoje árido, há 15 mil anos era úmido e abrigava uma floresta verdejante como a Mata Atlântica que recobre algumas áreas do Sudeste. Também indica regiões onde certos tipos de vegetação resistiram a flutuações climáticas do passado e, quem sabe, sobrevivam às próximas se forem conservadas.
Marie-Pierre chegou à Mata Atlântica pela Amazônia. “As coníferas do gênero Podocarpus estão no centro das discussões sobre a extensão, a biodiversidade e a composição florística da Floresta Amazônica durante a última glaciação, há cerca de 20 mil anos”, conta. Quando veio ao Brasil em 1998, como professora visitante no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP), ela pretendia testar a hipótese de que no mais recente período de intenso resfriamento do planeta algumas espécies de plantas das matas andinas teriam se refugiado na Amazônia, contribuindo para a formação de sua flora. “Mas durante os cinco anos que passei no Brasil percebi que havia espécies de Podocarpus a leste da Amazônia que poderiam ter ‘entrado’ nesse ecossistema.”
Ao analisar amostras de pólen de seis localidades da Mata Atlântica – do lago do Caço, no Maranhão, a Cambará do Sul, no Rio Grande do Sul –, Marie-Pierre demonstrou que há 15 mil anos os podocarpos já estavam no Nordeste e por ali se espalharam por quase 500 anos. Também constatou que essas plantas estavam na cratera de Colônia, no estado de São Paulo, há 130 mil anos, segundo artigo publicado em 2007 na Diversity and Distributions.
Mais do que reconstituir a flora brasileira da época, essas descobertas ajudam a traçar mapas climáticos do país em diversos momentos. “Pólens de Podocarpus são bons marcadores paleoclimáticos”, afirma o botânico Gregório Ceccantini, da USP. “Eles são relativamente raros e não são transportados por longas distâncias, por isso tanto sua presença como sua ausência têm significado preciso.” Ceccantini explica que é comum o pólen de outras plantas ser carregado pelo vento e se depositar a milhares de quilômetros de onde a espécie realmente existe. Não é o caso do podocarpo. Seu pólen fóssil só é encontrado onde houve condições adequadas para a vida da planta: clima ou solo permanentemente úmidos.
Obter amostras de pólen, no entanto, não é uma tarefa banal. Na área a ser analisada, os pesquisadores apóiam no solo uma das extremidades de um cano de alumínio de 10 centímetros de diâmetro, suspenso por um tripé de 5 metros de altura. Em seguida, um motor faz vibrar o cano, onde todos se penduram para enterrá-lo no chão. Quando puxam de volta, o cano traz um cilindro de sedimento – o testemunho –, que será cortado em fatias com 2 a 5 centímetros de espessura a serem vasculhadas em busca de grãos de pólen. Datadas pela técnica de carbono-14, essas fatias permitem estimar quando certo grupo de plantas viveu naquele local – as camadas mais profundas de sedimento são mais antigas porque foram depositadas há mais tempo. Como é difícil obter testemunhos com mais de 7 metros de comprimento com esse método, a viagem dos pesquisadores no tempo costuma ser limitada.
Por ser tão difícil de encontrar, o pólen fóssil fornece informações fragmentadas, que não permitem uma visão mais abrangente da distribuição do podocarpo. É como olhar pontos de uma floresta com uma lupa sem observar o entorno. Outra limitação é que, a partir dos grãos de pólen, não é possível distinguir as três espécies de podocarpo (P. sellowii, P. lambertii e P. brasiliensis). Cada uma tem necessidades ecológicas distintas, que ajudam a reconstruir o clima do passado. A primeira exige muita umidade, enquanto a segunda precisa também de temperaturas mais frescas.
Marie-Pierre percebeu então que era preciso recorrer à genética para desvendar a história dos podocarpos brasileiros e procurou o casal de botânicos da USP Maria Luiza e Antonio Salatino. Com a ajuda de Fábio Pinheiro, eles extraíram material genético (DNA) de plantas de 26 localidades do país e concluíram que, provavelmente antes da elevação da cordilheira dos Andes, os podocarpos se espalhavam de modo contínuo por toda a América do Sul, uma vez que as espécies encontradas hoje no Chile, na Bolívia e na Argentina são geneticamente semelhantes às brasileiras. Depois ciclos de glaciação alternados com períodos mais quentes fragmentaram essa vasta floresta de podocarpos em populações menores. Em períodos frios e úmidos a distribuição se expandia. Nas épocas mais quentes e secas, como a atual, os podocarpos se concentravam nos refúgios, regiões menores que permitiam a subsistência de organismos com as mesmas necessidades ecológicas. Análises com marcadores de DNA sugerem ainda que os podocarpos existentes no país surgiram no Sudeste. De lá, eles se expandiram entre 29 mil e 21 mil anos atrás para a Região Sul e entre 16 mil e 15 mil anos atrás para o Nordeste.
Esses resultados também levaram Maria Luiza e Salatino a contestar a existência de três espécies brasileiras. Eles mostraram claramente que Podocarpus brasiliensis, restrita a uma única vereda em Goiás, não se distingue de P. sellowii. “Os marcadores moleculares indicam a existência na América do Sul de dois grupos de Podocarpus: um formado por P. lambertii e P. parlatorei, este encontrado na Argentina e na Bolívia; e outro contendo P. selowii, P. brasiliensis e P. saligna, do Chile”, diz Salatino. Ele e Maria Luiza pretendem ampliar os estudos, incluindo amostras da Amazônia e outras análises moleculares. A equipe espera que o resgate da história evolutiva dos podocarpos ajude a prever o efeito das mudanças climáticas sobre essas plantas e a traçar metas de conservação que ajudem outras espécies a sobreviver aos ciclos de flutuação climática. “Preservar esses refúgios é importante para favorecer uma expansão da mata a partir deles”, conclui Marie-Pierre.
O Projeto
Distribuição de coníferas brasileiras e detecção de polimorfismos genéticos através de AFLP (nº 01/07070-7); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Pesquisa; Coordenadora Maria Luiza Faria Salatino – USP; Investimento R$ 38.080,35 (FAPESP)