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Física

Gravidade também atrai antimatéria

Efeito da força gravitacional nas antipartículas é igual ao exercido nas partículas

Ilustração de armadilha magnética que aprisiona átomos de anti-hidrogênio

Chukman So / CERN

Dois corpos com massa se atraem. É o que diz a gravidade, a mais fraca das quatro forças funda-mentais da natureza. E se um dos objetos for feito de antimatéria em vez de matéria? Nada muda. A força gravitacional exerce igualmente sua influência. Os resultados de um experimento internacional, com participação de brasileiros, feito na Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern), localizada nos arre-dores de Genebra (Suíça), confirmaram esse princípio.

Quando liberados do esquema magnético que os confinava no interior de uma armadilha vertical com meio metro de altura, átomos de anti-hidrogênio entraram em queda livre em direção à Terra da mesma forma que ocorre com átomos de hidrogênio. A antimatéria não “caiu para cima” devido ao efeito de uma suposta antigravidade, como se chegou a especular no passado.

“Na física, só se conhece realmente algo por meio de sua observação”, disse, em comunicado de imprensa, o físico norte-americano Jeffrey Hangst, da Universidade Aarhus, da Dinamarca, porta-voz da colaboração internacional Antihydrogen Laser Physics Apparatus (Alpha), um dos grandes experimentos do Cern, que conduziu o trabalho com átomos de anti-hidrogênio. “Esse é o primeiro experimento direto a observar um efeito gravitacional no movimento da antimatéria.”

Os resultados do trabalho foram publicados em um artigo na revista científica Nature em 27 de setembro. “É muito difícil isolar e medir a ação da gravidade sobre essas partículas”, comenta o físico Cláudio Lenz, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos autores do trabalho e coordenador da participação brasileira no Alpha. “Qualquer campo magnético não controlado tem efeito maior sobre elas do que a gravidade e pode interferir na medição.” Outros três brasileiros estão na lista dos 70 pesquisadores que assinam o paper. A participação do país na colaboração é financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

Proposta por Lenz em 1997, a concepção original do experimento é relativamente simples de entender. Sua realização, porém, é complexa. Os pesquisadores da colaboração Alpha criaram e armazenaram átomos de anti-hidrogênio dentro de um ambiente rigidamente controlado com o intuito de determinar a influência isolada da gravidade sobre a antimatéria.

No interior de uma armadilha magnética, uma estrutura cilíndrica posicionada na vertical, cerca de mil átomos de anti-hidrogênio foram mantidos em condições de vácuo extremo a temperaturas baixíssimas, da ordem de 4 Kelvin (- 269 graus Celsius). Praticamente congelados, os antiátomos apresentavam energia cinética, do movimento, pequena, mas não desprezível. Para garantir que as partículas de antimatéria não fugissem antes do momento desejado, dois campos magnéticos idênticos, um na parte superior da armadilha e outro na inferior, foram aplicados sobre os antiátomos e funcionavam como barreiras.

“Em seguida, reduzimos lentamente esses campos magnéticos e deixamos os átomos de hidrogênio escapar”, explica Lenz. Os que subiram foram registrados por um detector no topo da armadilha. Os que desceram foram captados por outro detector na parte inferior do recipiente cilíndrico. Esse procedimento foi repetido muitas vezes, com amostras de aproximadamente mil antiátomos.

Maximilien Brice / Alpha colaboraçãoRegistro do processo de aniquilação de átomos soltos de anti-hidrogênio na superfície interna de armadilha magnéticaMaximilien Brice / Alpha colaboração

No final de todas as rodadas, o experimento concluiu que cerca de 80% dos átomos de anti-hidrogênio desceram, ou seja, entraram em queda livre. Se submetidos à mesma situação, átomos de hidrogênio apresentariam comportamento idêntico, em uma proporção similar, em razão da ação da gravidade.

É esperado que uma parcela dos átomos e antiátomos suba ao invés de descer, devido à presença de energia cinética. A margem de erro dos dados finais do estudo é relativamente alta, de até 29%. No entanto, segundo os pesquisadores, os resultados indicam que a ação da gravidade sobre a antimatéria é compatível com a exercida sobre a matéria e eliminam a possibilidade de haver antigravidade.

A influência da gravidade sobre qualquer tipo de matéria foi prevista por Albert Einstein (1879-1955). “O resultado desse novo experimento é importante porque confirma o princípio de equivalência, um dos pilares da teoria da relatividade geral, segundo o qual todas as formas de energia, seja matéria ou antimatéria, sofrem o efeito da gravitação do mesmo jeito”, explica George Matsas, do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT-Unesp), que não participou do trabalho feito no LHC.

Embora o conceito em si do que viria a ser considerado antimatéria tenha começado a surgir depois da formulação da relatividade geral, com os trabalhos do físico teórico inglês Paul Dirac (1902-1984) a partir de 1928, a visão predominante sempre considerou que o princípio da equivalência, uma das leis fundamentais da física, aplicava-se às antipartículas. Havia indícios disso, mas faltava um dado mais preciso como o fornecido agora pela colaboração internacional.

O experimento no Cern trabalhou com o anti-hidrogênio porque esse é o tipo de átomo de antimatéria mais simples que existe e o mais fácil de ser produzido, armazenado e manipulado em laboratório. Segundo o modelo-padrão da física, cada partícula tem uma antipartícula correspondente de igual massa e energia, mas com carga elétrica invertida. O mesmo ocorre com átomos e antiátomos de um elemento.

A exemplo do átomo de hidrogênio, formado por um elétron (de carga negativa) e um próton (positivo), o de anti-hidrogênio é composto por um pósitron (a contraparte do elétron, mas com carga positiva) e um antipróton (o equivalente negativo do próton). O Big Bang, a explosão primordial que teria originado o Universo há 13,8 bilhões de anos, deve ter produzido a mesma quantidade de matéria e antimatéria, que são geradas simultaneamente. Quando um átomo encontra seu antiátomo, eles se aniquilam. Deixam de existir.

No entanto, isso não ocorreu de forma perfeita ao longo da evolução do Universo. Por motivos desconhecidos, talvez tenham sido criadas mais partículas do que antipartículas e essa parcela em excesso de matéria acabou não sendo aniquilada. Essa questão é denominada assimetria matéria/antimatéria pelos cosmologistas.

“Evitar o aniquilamento do anti-hidrogênio dentro da armadilha magnética foi um dos maiores desafios que enfrentamos no experimento”, conta o físico Rodrigo Sacramento, da UFRJ, outro autor do estudo produzido pela colaboração Alpha. “Não podíamos deixar que os antiátomos entrassem em contato com átomos de hidrogênio senão eles seriam extintos. Por isso, precisamos de um ambiente com um vácuo muito controlado.” A colaboração Alpha espera aprimorar seus resultados em novas versões do experimento que permitam reduzir sua margem de erro.

Artigo científico
ANDERSON, E.K. et al. Observation of the effect of gravity on the motion of antimatter. Nature. 27 set. 2023.

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