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Resenhas

O pretérito do futuro

Livro recupera pioneirismo da Geração Arquitetura Nova

Flávio Império, Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro, arquitetos marcantes na década de 1960 por seus pensamentos e práticas, são apresentados em livro que reflete sobre sua produção. A arquiteta Ana Paula Koury, autora do livro, apresenta um trabalho criterioso e equilibrado na aproximação com a polêmica obra do trio, por ela nomeada de Arquitetura Nova.

Paula Koury faz parte de uma geração de estudiosos da arquitetura que não conviveu, no calor da hora, com os debates travados por Ferro, Lefèvre e Império. Essa posição permite um olhar despojado e aberto a novas descobertas, oferecendo uma leitura cuidadosa do percurso profissional desses arquitetos. Destaca o que neles se apresenta como contribuição coletiva, configurando assim uma postura de grupo e também assinala o que, em cada um deles, é peculiar ou próprio. Assim, evita que se perca na busca de unidade o detalhe e riqueza do específico e contempla a incursão dos arquitetos e também artistas em outras áreas, como a pintura e a cenografia, além de destacar sua atuação no ensino de arquitetura.

As quatro décadas que separam o trabalho desses arquitetos da apresentação de sua obra em livro assistiram a várias transformações e viram mudar a própria concepção de arquitetura e sua inserção na sociedade como mobilizadora de cultura e política. A leitura hoje realizada recupera um momento importante de nossa história arquitetônica e o atualiza esclarecendo o presente e suas indagações.

No livro, a polêmica de Ferro, Lefèvre e Império com o mestre Artigas é revista a partir de diversos textos de onde emergem as dúvidas e vicissitudes de um período que ousou refletir sobre suas contradições. Indústria e manufatura, riqueza e carência alimentam uma arquitetura de forte compromisso social, que se distancia das questões puramente arquitetônicas, colocando-se como elemento diferencial na construção do país.

Nos textos de Ferro e Lefèvre delineia-se a proposta da ?poética da economia?, que, interligada à reflexão sobre as condições do canteiro de obras, propõe uma alternativa de desenvolvimento das técnicas de produção arquitetônica. Baseada na economia de meios, essa poética considera as carências do país e a partir daí propõe uma nova linguagem que indica outros caminhos de atuação.

Capítulo particularmente denso é dedicado à análise dos projetos arquitetônicos realizados pelos três arquitetos, às vezes em duplas, outras com outros parceiros, mas que mantém a unidade de princípios presente nas arquiteturas que visam com clareza uma meta e que traçam com precisão um percurso. Arquitetura que fez da simplicidade sua diretriz, acreditando em soluções transformadoras das condições da habitação social e do trabalho no canteiro e apostando na constituição de novos valores na esfera social e política.

O estudo detalhado das edificações recupera o caráter de experimentação proposto pelos arquitetos. As variações sobre o tema da abóbada, como forma econômica e suficiente para abrigar os espaços da habitação, são exploradas nos seus aspectos construtivos e espaciais. A autora particulariza cada uma das soluções e torna legível o processo de investigação e o aprimoramento da proposta arquitetônica formulada por Ferro, Lefèvre e Império.

As reflexões e os questionamentos colocados pelos três arquitetos, e principalmente por Sérgio Ferro, foram duradouros e repercutiram na formação das gerações seguintes. Com este estudo Paula Koury coloca, lado a lado, reflexão política e ação profissional, permitindo um novo olhar sobre a atuação do grupo e sua contribuição para uma arquitetura estreitamente vinculada a uma visão de mundo.

Fernanda Fernandes é arquiteta, doutora em História pela FFLCH/USP e professora do Departamento de História da Arquitetura e Estética do projeto da FAU-USP.

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