No período em que a maioria dos institutos históricos e geográficos (IHGs) foram criados, no século XIX, não havia uma instituição destinada a agregar o conhecimento da época, estimular o debate cultural e guardar a história das cidades e estados. Existiam algumas faculdades de medicina e de direito e poucos museus de história natural e academias. Os IHGs reuniam as elites intelectual e comercial que traziam e discutiam notícias do exterior, apresentavam estudos sobre aspectos culturais e científicos e acolhiam acervos pessoais de personalidades públicas. Em 2014, dois desses institutos completam 120 anos: o da Bahia (IGHB), em maio, e o de São Paulo (IHGSP), em novembro. Com a atual diversidade de universidades, entidades de proteção ao patrimônio e centros de memória e divulgação cultural, tornou-se frequente a indagação sobre qual o papel que essas centenárias instituições devem ter no século XXI.
“Os institutos devem responder aos desafios contemporâneos produzindo conhecimento, contribuindo para sua disseminação, constituindo acervos, construindo memórias e identidades e assessorando políticas públicas”, diz Arno Wehling, ex-reitor da Universidade Gama Filho e presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), o primeiro a ser fundado, em 1838, no Rio de Janeiro. “Mas é preciso ter claro nosso perfil: somos instituições acadêmicas diferentes das estritamente profissionais como as universidades.” De acordo com Wehling, o papel central dos 23 institutos estaduais e 52 municipais é receber professores, pesquisadores universitários ou não, ensaístas e colecionadores, além de editar textos científicos, consolidar, inventariar e ampliar os acervos de modo a se constituírem em centros de referência documental.
É preciso cuidar, porém, para não deixar os IHGs engessados, como se estivessem parados no tempo, alerta Consuelo Pondé de Sena, presidente do IGHB. “Na Bahia fazemos tudo o que os outros institutos fazem, mas sempre tentamos ir além, oferecendo cursos e palestras sobre as mais diversas áreas da cultura”, diz. Ela cita um encontro para discutir a história e a destinação do Palácio Episcopal de Salvador e um minicurso sobre Dorival Caymmi para celebrar seu centenário, em 30 de abril. O IGHB – conhecido como “a Casa da Bahia” – é responsável pelas comemorações da data da independência na Bahia, o 2 de julho de 1823. Mesmo com a festejada independência do Brasil em 7 de setembro de 1822, havia ainda partes do país ocupadas por forças lusitanas. A vitória dos baianos sobre os portugueses quase um ano depois ajudou a selar o processo a favor do Brasil.
“Esse aspecto histórico ajuda a trazer uma instituição tradicional para perto da população, que participa das atividades”, explica o advogado e professor Edivaldo Boaventura, sócio do IGHB. O presidente de honra do instituto, o ex-governador Roberto Santos, lembra do rico acervo. “Temos a mais completa coleção de periódicos da nossa terra e o valiosíssimo arquivo consultado por inúmeros pesquisadores que aqui encontram excepcional campo para a preparação de trabalhos acadêmicos originais destinados a múltiplas finalidades”, diz.
A administração pública pode também se beneficiar dos arquivos. No acervo cartográfico é possível conhecer a formação das 417 cidades baianas. Já em 1940, o IGHB sediou uma exposição com 150 mapas. Agora, acrescido de outros mapas digitalizados, o arquivo deverá se tornar disponível on-line.
O congênere paulista do instituto baiano é uma entidade mais formal, sem a mesma vocação popular. O IHGSP sempre ofereceu informações sobre a história da cidade, suas instituições e personagens mais influentes. O engenheiro e escritor Euclides da Cunha, por exemplo, fez no instituto uma leitura pública dos textos que viriam a compor a primeira parte de Os sertões, em 1898.“Somos o principal guardião da memória paulista e contribuímos para esclarecer pontos ainda obscuros da história de São Paulo”, diz a presidente Nelly Candeias.
Um desses pontos tratou do surgimento do bairro paulistano da Lapa. O professor José Carlos de Barros Lima, sócio do IHGSP e proprietário da escola Instituto Santo Ivo, comprovou que o bairro nasceu em 1590 e não em 1745, como se pensava. “Foi pesquisando nos textos de Theodoro Sampaio disponíveis no instituto e nos documentos da então Câmara da Vila de São Paulo que estabeleci a nova data, comprovada por historiadores profissionais”, conta Barros Lima. No momento, o acervo do IHGSP está em processo de recuperação e digitalização no Arquivo Público do Estado de São Paulo.
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