Teórico da educação matemática e pioneiro na área da etnomatemática, campo de estudos que analisa a aplicação do conhecimento matemático em diferentes universos culturais, Ubiratan D’Ambrosio morreu no dia 12 de maio, aos 88 anos, em São Paulo. Era professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e docente do Programa de Pós-graduação em Educação Matemática do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro. Deixa a mulher, Maria José, um filho, quatro netas e duas bisnetas.
Paulistano, D’Ambrosio graduou-se em matemática pela Universidade de São Paulo (USP) em 1955. Defendeu o doutorado em matemática pura, em 1963, na mesma universidade. Também foi professor na Escola de Engenharia de São Carlos, na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro. Ao longo de sua trajetória profissional, lecionou no Programa de História da Ciência da PUC-SP, no Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da USP e foi professor visitante no Programa Sênior da Universidade Regional de Blumenau (Furb).
Em estágio de pós-doutorado, em 1964, trabalhou como pesquisador associado na Universidade Brown e foi professor da Universidade Estadual de Nova York, em Buffalo, ambas nos Estados Unidos. Sua intenção era permanecer naquele país por um breve período, mas o golpe militar manteve-o afastado do Brasil até 1971, ano em que ingressou na Unicamp como diretor do Instituto de Matemática, Estatística e Ciência da Computação (Imecc). Permaneceu no cargo até 1980.
Paulo Ruffino, atual diretor do Imecc, lembra que como dirigente do instituto, D’Ambrosio se preocupava em criar ações para internacionalizá-lo, algo pouco comum na época. “Ele organizou eventos e contratou professores estrangeiros, sendo que vários permaneceram no país e se naturalizaram brasileiros”, observa. D’Ambrosio teve também participação na criação do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE) da Unicamp.
Com o antropólogo e filósofo francês Edgar Morin e o físico teórico romeno Bassarab Nicolescu, fundou o Centre International de Recherches et Études Transdisciplinaires (Ciret), associação sediada em Paris que desenvolve pesquisas com abordagens científicas e culturais transdisciplinares. Com a proposta de formar doutores em matemática, foi professor visitante da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no programa de pós-graduação do Centre Pédagogique Supérieur de Bamako, na República do Mali. Em 1974, elaborou um programa similar para instituições da América Latina e Caribe.
Na Unicamp, além da participação no Imecc e CLE, D’Ambrosio criou em 1976 o Laboratório Interdisciplinar para Melhoria do Ensino e Currículo (Limec), um estúdio de televisão onde era oferecido um curso de geometria analítica e álgebra linear, disciplinas em que os alunos do Imecc apresentavam altos índices de reprovação. Mais tarde, o Limec ampliou seu trabalho para outras unidades da instituição e serviu de base à criação da TV Unicamp. Também na instituição, fundou o programa de mestrado transdisciplinar Ensino de Ciências e Matemática, financiado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que funcionou entre 1975 e 1978. Além de lecionar, ocupou cargos de gestão, como o de pró-reitor de Desenvolvimento Universitário, entre 1986 e 1990. Tornou-se professor emérito em 1995.
Interessado em história, sociologia e educação, em meados dos anos 1970 D’Ambrosio criou o Movimento de Etnomatemática, que em 1985 se transformou no Grupo de Estudo Internacional sobre Etnomatemática. Definido por ele próprio como a área que se dedica a estudar “diferentes formas de matemática que são próprias de grupos culturais”, essa linha de trabalho propõe reflexões críticas sobre o ensino tradicional da disciplina, baseado em modelos europeus, criando metodologias adaptadas a contextos como o africano e o indígena.
O matemático Sérgio Roberto Nobre, da Unesp, explica que, além de precursor, D’Ambrosio acabou se tornando referência internacional na área. “Em regiões com populações indígenas como África, América Latina, Caribe e Nova Zelândia, ele chamou a atenção para a necessidade de se desenvolverem vertentes de ensino matemático não eurocêntricas, que privilegiassem os conhecimentos e os usos que povos nativos e populações de periferias urbanas fazem da disciplina”, enfatiza.
Nobre destaca o compromisso do pesquisador com o ensino da matemática e história da ciência. “Ele foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de História da Ciência e criou a Sociedade Brasileira de História da Matemática, onde atuou como primeiro presidente. Em 2001, recebeu o Prêmio Kenneth O. May da Comissão Internacional de História da Matemática, o mais relevante em se tratando do reconhecimento de trajetórias de pesquisa em história da matemática”, comenta. Quatro anos depois, o matemático foi agraciado com a medalha Felix Klein da Comissão Internacional de Instrução Matemática, em reconhecimento à sua trajetória na área de educação matemática. “O campo de pesquisa em história da matemática começou a se profissionalizar no Brasil a partir da década de 1990, como resultado dos trabalhos iniciados e incentivados por D’Ambrosio”, observa Nobre.
Nobre recorda o primeiro contato que eles tiveram, em 1978. “Eu queria participar de um congresso internacional que ocorreria na Unicamp, mas a taxa de inscrição era inacessível à minha condição de estudante de graduação. D’Ambrosio, à época diretor do Imecc, isentou-me do pagamento, incentivando minha presença no evento”, conta. “Desde então, me envolvi com a história e o ensino de matemática e acompanhei todo seu percurso acadêmico”, finaliza.
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