Moléculas capazes de desligar genes e reduzir a expressão de proteínas, os microRNAs parecem estar diretamente envolvidos no controle da diferenciação das células do tecido adiposo marrom. Esse é um tipo benéfico de gordura usado pelo organismo para gastar energia de modo a produzir calor e manter o corpo aquecido em períodos frios. A conclusão é de um grupo internacional de pesquisadores, entre eles biólogos moleculares da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em um estudo publicado em fevereiro na revista Nature Cell Biology, eles verificaram que o tecido adiposo marrom de camundongos obesos apresentava baixos níveis de um tipo específico de microRNA, chamado miR328, responsável pela supressão da proteína Bace1. Essa proteína, quando expressa em grandes quantidades, impede a formação de células adiposas características do tecido adiposo marrom.
No estudo, os pesquisadores usaram um inibidor farmacológico em camundongos obesos para tentar controlar os níveis de Bace1 no tecido adiposo marrom. O inibidor mostrou-se eficaz no controle dos níveis dessa proteína, aliviando as complicações metabólicas e reativando a função de adipócitos (células adiposas) do tecido marrom. “Os animais que receberam esse tratamento tinham uma gordura marrom mais ativa e um metabolismo da glicose mais eficiente”, diz o biólogo Marcelo Alves Mori, professor do Departamento de Biofísica da Unifesp e um dos autores do trabalho.
O corpo humano é composto por pelo menos dois tipos de gordura. A mais comum é o tecido adiposo branco, um tipo perigoso que se acumula ao redor das vísceras e debaixo da pele, podendo causar obesidade e desencadear complicações metabólicas, como o diabetes tipo 2. A outra é o tecido adiposo marrom, que regula a produção de calor e, consequentemente, a temperatura corporal. Há algum tempo se sabe que pessoas obesas têm mais tecido adiposo branco e menos do marrom. Em estudos anteriores, a mesma equipe já havia analisado o papel dos microRNAs na formação de células de gordura e na função dos dois tipos de tecido adiposo. Eles verificaram que, com o envelhecimento, o processamento de microRNA no tecido adiposo cai devido à diminuição dos níveis de Dicer, uma enzima crítica na expressão de microRNAs.
Agora, no estudo publicado na Nature Cell Biology, os pesquisadores analisaram centenas de microRNAs no tecido adiposo marrom de camundongos com obesidade induzida e detectaram baixos níveis de miR328, responsável pela supressão da proteína Bace1. “Os resultados sugerem que o aumento anormal dos níveis de Bace1 no tecido adiposo marrom pode ser a causa de complicações metabólicas em animais obesos”, diz Mori. Coincidentemente, o aumento dos níveis de Bace1 também está associado a uma possível causa de Alzheimer, de modo que há algum tempo as empresas farmacêuticas têm se debruçado sobre o desenvolvimento de inibidores dessa proteína.
Mori e seus colegas pretendem agora tentar modificar as funções da enzima Dicer para regular melhor a expressão de microRNAs inibidores da Bace1. O uso de inibidores farmacológicos no controle dos níveis de Dicer ou Bace1 no tecido adiposo marrom pode ampliar as perspectivas de terapias mais efetivas para o diabetes e outras doenças metabólicas.
Projeto
Identificação de mecanismos responsáveis pelos efeitos benéficos da restrição calórica (nº 2010/52557-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Apoio a Jovens Pesquisadores; Pesquisador responsável Marcelo Alves da Silva Mori (Unifesp); Investimento R$ 1.466.071,80.
Artigo científico
KORNFELD, Jan-Wilhelm et al. Dicer1–miR-328–Bace1 signalling controls brown adipose tissue differentiation and function. Nature Cell Biology. fev. 2016.