“Se você não ganhou o prêmio Ig Nobel este ano – e principalmente se ganhou –, mais sorte no próximo ano.” Assim o matemático Marc Abrahams, editor da revista Annals of Improbable Research (Anais da Pesquisa Improvável), encerra a premiação satírica que antecede o Nobel. É piada, claro, como quase tudo o mais na cerimônia. Quase tudo, mas os trabalhos premiados são pesquisa científica séria, apesar de divertirem por características aparentemente absurdas ou escatológicas. “Pesquisa que faz rir e depois pensar” é o lema do prêmio, que, no dia 14 de setembro, realizou sua 33ª cerimônia ainda de forma remota por precaução, devido à Covid-19.
Em Química e Geologia, o geólogo britânico de origem polonesa Jan Zalasiewicz explicou que, há 200 anos, geólogos desprovidos de recursos tecnológicos lambiam rochas para identificá-las. O artigo premiado, publicado em 2017 no Boletim da Associação Paleontológica do Reino Unido, resgata relatos do mineralogista italiano Giovanni Arduino (1714-1795). Ele conseguia reconhecer o sabor de diferentes contextos fossilíferos e associá-los a aspectos geológicos e estratigráficos. “Eles faziam geologia por gosto, e funcionava para eles”, explica Zalasiewicz, que afirma já ter lambido muitas pedras durante expedições de campo apenas para enxergar seus atributos à lupa, principalmente em dias secos: os detalhes de um fóssil umedecido saltam aos olhos.
O prêmio de Literatura foi para pesquisadores da França, do Reino Unido, da Malásia e da Finlândia “por estudar o que as pessoas sentem quando repetem uma única palavra muitas, muitas, muitas, muitas, muitas, muitas, muitas, muitas vezes”. O artigo, que trata do fenômeno “jamais vu”, foi publicado em 2021 na revista Memory e relata uma sensação estranha nos voluntários após escrever uma mesma palavra cerca de 30 vezes.
Na área da Comunicação, pesquisadores da Argentina, Espanha, Colômbia, Chile, China e Estados Unidos foram destacados por “estudar as atividades mentais de pessoas especialistas em falar de trás para frente”. O artigo publicado em 2020 na Scientific Reports examina as assinaturas neurocognitivas no cérebro de quem tem o costume de inverter as sílabas. Na cidade espanhola de La Laguna, é comum dizer nasbue chesno em vez de buenas noches. Na Argentina, país natal de parte dos pesquisadores, existe o lunfardo, em que palavras também são invertidas. O prêmio foi entregue pela economista francesa Esther Duflo, ganhadora do Nobel em 2019, que ressaltou o mesmo sistema no dialeto francês conhecido como verlan.
Em Engenharia Mecânica, um grupo da Índia, China, Malásia e Estados Unidos teve a estranha ideia de “reanimar aranhas mortas para uso como ferramentas mecânicas para segurar”. A biomecânica é uma área que se inspira em animais para encontrar soluções de engenharia. Esse caso, classificado como “necrobótica” no artigo de 2022 na revista Advanced Science, usa o fato de esses invertebrados morrerem com as pernas enroladas para dentro. Desvendada, a propriedade contribui para o desenvolvimento de utensílios tecnológicos.
Também mórbido foi o prêmio de Medicina, concedido a pesquisadoras dos Estados Unidos, Canadá, Irã, Vietnã e Macedônia por examinarem a assimetria no número de pelos dentro das narinas de cadáveres, como descrito em artigo de 2022 na revista International Journal of Dermatology. Elas se preocuparam com o assunto porque os pacientes de alopecia – perda extrema de cabelo – também não têm os pelos nasais, uma das linhas de defesa do organismo contra doenças.
Em Saúde Pública, o Ig Nobel destacou quatro artigos publicados entre 2020 e 2023 sobre o desenvolvimento da Latrina Stanford, que inclui uma série de equipamentos para “monitorar e analisar rapidamente as substâncias que os humanos excretam”. “Nossas privadas podem fazer mais do que nos manter limpos, podem preservar nossa saúde”, disse o urologista sul-coreano Seung-min Park, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, no discurso de agradecimento.
Pesquisadores japoneses venceram em Nutrição por “experimentos que determinam como palitos e canudos eletrificados podem mudar o sabor da comida”, como mostra artigo publicado em 2011 nos anais de um congresso. A ideia é que a aplicação de eletricidade na língua estimula o paladar, o que pode reduzir a necessidade de sal nos alimentos, com benefícios à saúde.
O “estudo metódico do tédio em professores e alunos”, a partir de dois artigos publicados em 2020 e 2022, rendeu o destaque na área de Educação a um grupo de Hong Kong, Reino Unido, Japão, Holanda, Irlanda e Estados Unidos. Aparentemente, a expectativa do tédio em aulas exacerba essa sensação.
Em Psicologia, um estudo norte-americano de 1969 fez um experimento em uma rua de Nova York “para ver quantos passantes param para olhar para cima quando veem desconhecidos olhando para cima”. O artigo foi publicado na revista Journal of Personality and Social Psychology.
Pesquisadores da Espanha, Galicia, Suíça, França e Reino Unido receberam o prêmio de Física “por medir até que ponto a água do mar é misturada pela atividade sexual de anchovas”, como relatado em artigo publicado na Nature Geoscience em 2022. Os movimentos da água por turbulência são importantes para processos marinhos, e o grupo percebeu o impacto do frenesi dos peixes durante uma viagem de pesquisa a bordo de um barco.
Água foi justamente o tema deste ano. Decorados com moléculas H2O de pelúcia, os organizadores da cerimônia pareciam estar em um bote, graças a uma montagem, e anunciavam os tradicionais lançamentos de aviões de papel, a apresentação musical com músicos talentosos e letras cientificamente divertidas, as micropalestras sobre temas complexos e os discursos de aceitação dos prêmios.
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