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Engenharia Aeronáutica

Impacto em vôo

Estudo ajuda a prever limite de resistência da fuselagem dos aviões a choques com objetos estranhos

MIGUEL BOYAYANTeste na USP: impacto de esfera metálica contra placa de alumínio aeronáuticoMIGUEL BOYAYAN

Em 2005, o Ministério da Aeronáutica contabilizou 480 incidentes envolvendo a colisão de aves com aviões no país, principalmente durante o pouso ou a decolagem. O problema, aliás,  atinge todo o planeta,  até porque aumentou a população de aves em muitos países conforme demonstram alguns estudos – um fator positivo para o ambiente, mas que traz preocupações para os fabricantes, como é o caso da brasileira Embraer. A empresa acaba de adotar um avançado sistema de análise de estruturas de aeronaves desenvolvido nos laboratórios da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). O sistema é composto por um modelo matemático que verifica o limite de resistência dos materiais utilizados na fabricação da fuselagem e das asas dos jatos, além de prever quando ocorrerá ruptura em razão do choque com objetos estranhos.

Impactos indesejáveis marcaram um dos mais célebres aviões de todos os tempos, o legendário supersônico anglo-francês Concorde, que teve um fim melancólico. No dia 25 de julho de 2000, segundos depois de decolar do aeroporto Roissy-Charles de Gaulle, nos arredores de Paris, incendiou-se e desabou do céu, matando todos os 109 passageiros e tripulantes a bordo e mais quatro pessoas em terra. O acidente abreviou a carreira da aeronave, que acabou aposentada três anos depois. A tragédia foi causada por uma série de acontecimentos fatais. Na hora da decolagem, o pneu do avião se rompeu ao passar sobre uma peça metálica solta na pista, que havia se desprendido de outro avião. Pedaços de borracha do pneu foram lançados contra a asa, perfuraram o tanque de combustível e levaram à explosão do jato.

Embora nem todos os acidentes provocados pela colisão de objetos estranhos, como pedaços de metal, borracha, pedras, granizo ou aves, resultem na queda da aeronave, como aconteceu com o Concorde, esses eventos sempre trazem perigo e são mais comuns do que se possa pensar. “A ruptura desses materiais é muito difícil de ser prevista pela complexidade do fenômeno, já que ele envolve muitas variáveis, como as propriedades do material usado na fabricação do avião, o tamanho e o formato do objeto impactante, a velocidade e o ângulo da colisão, entre outros”, explica o engenheiro mecânico Marcílio Alves, professor da USP, que esteve à frente do projeto.

“As informações fornecidas por nosso modelo matemático serão essenciais na melhoria do desenvolvimento dos aviões da fabricante brasileira, uma vez que revelarão dados sobre a resistência dos materiais utilizados em suas aeronaves”, afirma Alves, que também é coordenador do Grupo de Mecânica dos Sólidos e Impacto em Estruturas do Departamento de Engenharia Mecatrônica e de Sistemas Mecânicos da Poli. O modelo matemático foi transformado num código computacional e acoplado a um programa comercial de análise estrutural utilizado pela fabricante. A expectativa é que ele comece a ser usado ainda este ano.

A idéia de desenvolver a ferramenta partiu da própria Embraer. “Nosso primeiro contato com a empresa aconteceu em 2000. Dois anos depois, iniciamos o trabalho e, para isso, contamos com financiamento da FAPESP por meio do programa Parceria para Inovação em Ciência e Tecnologia Aeroespacial (Picta)”, revela o pesquisador. O Picta é destinado a projetos do setor aeroespacial e faz parte do programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite), destinado ao financiamento de projetos conjuntos entre universidades, institutos de pesquisa e empresas. Segundo Alves, a Embraer já contava com um processo de análise de falha por impacto, porém mais simples e limitado.

MARCÍLIO ALVES / USPSistema simula colisões de esfera de metal na estrutura da aeronaveMARCÍLIO ALVES / USP

“Quando nos procurou, uma das preocupações da companhia era reduzir o número de testes experimentais de impactos de aves (aves de criação de tamanho e peso semelhantes a urubus, por exemplo) e materiais rígidos em seus aviões, substituindo-os por simulações numéricas. Com a nossa ferramenta, será possível eliminar alguns ensaios, principalmente os da fase de desenvolvimento de novas aeronaves”. Esses testes de impacto são uma exigência de órgãos certificadores de aeronaves.

Um aspecto importante do projeto foi o trabalho de caracterização das ligas de alumínio empregadas na fabricação da fuselagem e das asas dos aviões. O material foi ensaiado em condições estáticas e dinâmicas, quando são medidos o comportamento da fuselagem em situações de impacto em vôo ou sob temperaturas que variaram de 70 graus Celsius negativos a 150 positivos. Os testes dinâmicos submetem os materiais a rápidas mudanças de formato que ocorrem de forma similar, com durações de microssegundos, nos pequenos choques aéreos. Essa caracterização é importante porque revela informações sobre a resistência dos materiais e dá indícios sobre seus parâmetros de deformação e ruptura. “O conhecimento das propriedades dinâmicas do material é fundamental para a análise de estruturas sob cargas de impacto”, ressalta o engenheiro. Para a realização desses ensaios, os pesquisadores precisaram desenvolver equipamentos específicos para testes dinâmicos, sem similares no Brasil.

Canhão para testes
Outro aparelho projetado e construído durante o programa foi um lançador de projéteis, também conhecido como canhão de gás (do inglês gas gun). Sua função é lançar pequenos objetos, como esferas de aço e pedaços de borracha, a velocidades compatíveis com a de um avião em situações de impacto com aves – entre 100 e 600 quilômetros por hora (km/h) – contra estruturas aeronáuticas, como chapas metálicas da fuselagem, simulando a colisão do avião com um objeto. O aparelho é formado por um cilindro de gás comprimido, um tubo de 6 metros de extensão e largura de 50 a 100 milímetros e um dispositivo de fixação para colocação do material que será impactado pelo projétil. Medidores infravermelhos de velocidade e de microdeslocamentos a laser mensuram a velocidade do objeto lançado e a deformação sofrida pela estrutura. “Esses testes são importantes para validar o nosso modelo matemático. Com eles fazemos uma comparação da teoria com a prática”, explica Alves.

Nos três anos que durou o projeto, encerrado em julho, a equipe, formada também pelos professores Larissa Driemeier e Sérgio Proença, da Escola de Engenharia de São Carlos da USP, e o doutorando Giancarlo Barbosa Micheli, da Poli, além do engenheiro Carlos Eduardo Chaves, da Embraer, contou com a colaboração de pesquisadores estrangeiros do Instituto de Mecânica da Academia de Ciências da Bulgária, do Centro de Pesquisas em Impacto da Universidade de Liverpool, da Inglaterra, e da Universidade de Dortmund, na Alemanha. “A cooperação internacional foi essencial para a realização do projeto”, diz Alves. “Além disso, com o conhecimento adquirido pelo grupo da Poli nos últimos dez anos, oferecemos treinamento para 25 engenheiros da Embraer sobre impactos em estruturas aeronáuticas”.

O projeto
Comportamento de materiais e estruturas aeronáuticas sujeitas a impacto (nº 02/11313-5); Modalidade Parceria para Inovação em Ciência e Tecnologia Aeroespacial (Picta) e Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Coordenador Marcílio Alves – USP; Investimentos R$ 367.896,00 (FAPESP) e R$ 210.000,00 (Embraer)

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