Eduardo CesarO livro A espiral da morte – Como a humanidade alterou a máquina do clima é um relato dinâmico, quase pessoal, de como um jornalista que cobre a área científica vivenciou, ao longo dos últimos anos, a evolução da ciência do clima em conjunto com suas observações em nosso planeta. O jornalista Claudio Angelo conversou com políticos, moradores de zonas críticas, cientistas, ativistas ambientais e negacionistas das mudanças climáticas para gerar um amplo panorama de uma das questões mais importantes com que a humanidade já teve que lidar. É muito interessante acompanhar os relatos de viagens a locais estratégicos do ponto de vista de mudanças globais (Antártida, Groenlândia, Ártico etc.) e ver o balanço entre observação local e ciência global. Vale ressaltar a importância, para o avanço dos debates sobre o tema, de um jornalista compartilhar as suas dúvidas com as dos cientistas que ainda não entendem em sua totalidade a complexidade do sistema climático global.
O resultado dessa epopeia é um trabalho de fôlego, mas fácil e divertido de ler. Claudio Angelo discute não só o impacto de nossa sociedade no planeta, mas também as implicações sociais, geo-políticas, culturais e econômicas. As diferentes escalas temporais e espaciais são abordadas com o cuidado necessário. O autor convida o leitor a refletir sobre questões importantes relacionadas ao derretimento acelerado de geleiras observado na Groenlândia e ao degelo no oceano Ártico, e como esses eventos afetam as populações. Também aborda as possibilidades para sair dessa armadilha que a estrutura socioeconômica que mantém a sociedade de hoje nos impôs.
Em sua primeira componente (chamada de “Norte”), o autor narra em detalhes as fortes alterações no ecossistema Ártico e como isso impacta seus habitantes remotos. O relato do que acontece na Groenlândia e em Svalbard (Noruega) é fascinante. Questões científicas complexas, como a alteração do albedo de superfície e os hidratos de metano, são explicadas didaticamente. A exploração de petróleo no Ártico com seus riscos inerentes ao meio ambiente é destacada.
A componente “Sul” explora as questões associadas ao meio ambiente antártico, em particular na estação brasileira Comandante Ferraz, visitada pelo autor em 2001 e 2014. Discussões interessantes tanto sobre o “buraco de ozônio” na Antártida quanto sobre os pinguins colocam as fragilidades do meio físico e biológico naquela região. O forte aquecimento de 3 graus observado na península Antártica desde 1950 é testemunho da rapidez e força com que as mudanças globais chegaram àquele ambiente. O clima de nosso planeta é totalmente integrado e isso transparece na discussão sobre o efeito da Antártida no clima brasileiro, especialmente nas regiões Sul e Sudeste.
O autor diz que um dos objetivos do livro é explicar como chegamos a essa situação, mas é exatamente este tópico que, acredito, poderia ter sido mais explorado. Os detalhados relatos de impactos não discutem com profundidade as reais razões pelas quais o planeta está passando por esse sufoco ambiental. A exploração inesgotável dos recursos naturais está sufocando rapidamente a vida na Terra. A busca pelo lucro sem limites coloca nosso planeta em risco e a questão fundamental é saber como sairemos dessa situação, em que, além do lucro, a sustentabilidade a longo prazo também seja uma variável a ser integrada ao sistema.
Claro que o livro não chega a “soluções”, pois elas ainda não existem, embora a COP-21, que selou o Acordo de Paris, aponte para o caminho de reduzir fortemente as emissões de gases de efeito estufa com compromissos voluntários dos países. O livro traz críticas importantes: “O avanço do Acordo de Paris é ele existir, independentemente de ser bom ou ruim. Ele é ruim, na verdade, porque deixa tudo nas mãos dos países. Mas é um avanço político e geopolítico significativo”. Esta crítica sobre a questão da governança planetária é certamente o problema principal do Acordo de Paris e um enorme desafio para as próximas décadas. Todos vivemos no mesmo planeta, não em países isolados uns dos outros. Portanto, um sistema de governança global terá que ser implantado, se quisermos um planeta com clima estável ao longo das próximas décadas e séculos.
Paulo Artaxo é professor titular e pesquisador do Instituto de Física da USP.
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