Três economistas norte-americanos foram agraciados com o Prêmio Nobel de Economia de 2022 por suas contribuições para a compreensão do funcionamento do sistema bancário e de seu papel em crises financeiras. Ben Bernanke, de 68 anos, ex-presidente do Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos Estados Unidos, durante a crise financeira global que sucedeu a quebra do banco Lehmann Brothers em 2008; Douglas Diamond, de 68 anos, professor da Universidade de Chicago; e Philip Dybvig, de 67 anos, da Universidade de Washington, vão dividir em partes iguais o prêmio de 10 milhões de coroas suecas (o equivalente a R$ 4,8 milhões). “Os laureados forneceram uma base para nossa compreensão moderna de por que os bancos são necessários, também por que são vulneráveis e o que se pode fazer a respeito disso”, explicou John Hassler, do Instituto de Estudos Econômicos Internacionais da Universidade de Estocolmo, que compõe a comissão do prêmio.
As contribuições que renderam o Nobel remontam a estudos científicos publicados há quase quatro décadas. Em janeiro de 1983, Bernanke escreveu um trabalho considerado inovador na época, publicado no periódico American Economic Review, em que explicava como o colapso de bancos pode propagar e ampliar crises financeiras, em vez de ser apenas o resultado delas. As conclusões se baseavam nos efeitos do derretimento das ações da Bolsa de Valores de Nova York de 1929. De acordo com o estudo, as falências bancárias que ocorreram no início da década de 1930 reduziram a eficiência do processo de alocação de crédito – e a menor oferta tornou mais aguda e longa a depressão da economia nos Estados Unidos. “Evidências sugerem que efeitos desse tipo podem ajudar a explicar a extensão e a profundidade incomuns da Grande Depressão”, afirmou Bernanke no trabalho.
No período em que esteve à frente do Banco Central dos Estados Unidos, o economista enfrentou a crise financeira de 2008, buscando evitar que a liquidação do banco norte-americano Lehmann Brothers se alastrasse pelo sistema bancário norte-americano como um todo e tivesse um efeito tão duradouro como o da crise de 1929. Além de dar suporte para os bancos em crise, o Fed baixou as taxas de juros a zero para estimular a atividade econômica.
Diamond e Dybvig escreveram, também em 1983, um artigo no Journal of Political Economy, vinculado à Universidade de Chicago, em que formularam modelos teóricos sobre o funcionamento e as vulnerabilidades do sistema bancário. “Os modelos evidenciam que a economia funciona melhor quando há um intermediário financeiro como os bancos do que se os indivíduos tivessem de emprestar dinheiro diretamente para quem está precisando e que os bancos cumprem um papel importante na sociedade”, explica o economista Márcio Nakane, do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA-USP).
Os bancos são instituições especializadas em captar depósitos de poupadores e canalizar esses recursos para quem quer investir em atividades produtivas, na forma de empréstimos. “Os modelos mostraram como o banco também cumpre um papel de gestor de risco e de transformador dos recursos dos depositantes em um ativo que tem menor liquidez em um prazo longo, que é o empréstimo”, esclarece o economista Bruno de Paula Rocha, do Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do ABC.
Os modelos de Diamond e Dybvig indicam que o funcionamento do sistema bancário se baseia na premissa de que os depositantes vão resgatar seu dinheiro em momentos diferentes, como normalmente acontece, permitindo que ele fique emprestado por um tempo. Mas também mostraram que essa harmonia pode ser quebrada por crises de confiança dos depositantes, associadas a ondas de pânico com a retirada coletiva dos depósitos, que são capazes de levar à insolvência mesmo instituições bancárias sólidas. Um caminho para enfrentar essa vulnerabilidade, proposto no trabalho, consiste em criar uma espécie de seguro para depósitos lastreado pelo governo, que hoje está disseminado nos sistemas financeiros dos países.
“O modelo também serviu de fundamento para os bancos centrais regularem as chamadas reservas fracionárias, que são as frações dos depósitos que não podem ser emprestados, a fim de garantir que parte dos depositantes possa resgatar seu investimento antes dos outros”, explica Rocha. Diamond é autor de um estudo sobre o monitoramento que os bancos fazem das pessoas a quem emprestam dinheiro, mostrando que a falência dessas instituições põe a perder esse conhecimento precioso e, com isso, pode ampliar as consequências da crise.
“Na área de economia bancária, os três laureados são quase unanimidade”, diz Nakane. “O potencial da área para receber um Nobel vinha sendo apontado desde a crise financeira de 2007 e 2008, quando esse setor da economia recebeu muita atenção. Os trabalhos dos três vencedores do Nobel serviram de fundamentação para o enfrentamento da crise, embora tenham naturezas distintas. Enquanto Diamond e Dybvig desenvolveram modelos teóricos, o trabalho de Bernanke é aplicado no sentido de que ele estudou o papel das falências dos bancos na profundidade da depressão dos anos 1930.” Na avaliação de Rocha, “o estudo de Bernanke aborda o entendimento microeconômico de como o setor bancário atua na intermediação de recursos mostrando como isso pode ter consequências em um nível macroeconômico”.
Nakane afirma que os trabalhos do trio vencedor do Nobel são estudos “de primeira geração” sobre crises bancárias. “Posteriormente, houve uma evolução dessa literatura, em particular para estudar o que aconteceu na grande crise de 2007 e 2008”, afirma. Ele observa que, na Grande Depressão, a origem da corrida financeira foi a desconfiança dos depositantes no sistema bancário. “Já na crise de 2008 a origem estava dentro do sistema bancário, com a alavancagem exagerada de empréstimos hipotecários, e não fora dele. De todo modo, a receita para conter os danos era a mesma: impedir que a crise se alastrasse. Os bancos centrais começaram a atuar no sentido de prover recursos para que o sistema bancário resolvesse seus problemas de caixa”, explica.
O Nobel de Economia é concedido desde 1968, quando o Banco Central da Suécia (Riksbank) comemorou seu tricentenário. Na ocasião, lançou uma honraria no campo da economia em memória a Alfred Nobel, colocando à disposição da Fundação Nobel uma soma anual equivalente ao montante dos demais prêmios, que são concedidos desde 1901.
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