Principalmente na Amazônia, folhas perdem capacidade de fazer fotossíntese
Vegetação que resiste às chamas, como as deste incêndio no Pantanal em setembro de 2020, perde capacidade de fazer fotossíntese
Christiano Antonucci / Secom MT
As árvores que resistem a incêndios de alta intensidade, como os que devastaram o Pantanal em 2020, sofrem uma redução da capacidade de se recuperar, rebrotar e absorver gás carbônico (CO2) da atmosfera.
Com base em informações de satélites sobre queimadas de 2001 a 2019 em todo o país, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em colaboração com especialistas da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), observaram uma redução na capacidade das folhas principalmente de árvores de fazer fotossíntese provocada pelas chamas intensas e frequentes. Essa diminuição foi de 23% nas áreas queimadas frequentemente no sul e sudeste da Amazônia, de 19% no Cerrado e de 16% no Pantanal, em comparação com áreas que nunca queimaram.
Nesse estudo, a atividade fotossintética e a biomassa das folhas em grandes áreas foram avaliadas remotamente por meio do índice de vegetação de diferença normalizada (NDVI), que combina duas faixas de comprimento de onda luminosa (vermelha e infravermelha) do satélite Modis. Quanto menor a atividade fotossintética, maior a dificuldade em produzir novas folhas e mais lenta a recuperação da vegetação após o fogo (ver mapa).
A redução na capacidade das folhas das árvores de absorver CO2, essencial para a fotossíntese, é da mesma proporção. No entanto, no Cerrado, sujeito a incêndios naturais frequentes, a vegetação rasteira se recupera com rapidez, observa a engenheira florestal Giselda Durigan, do Instituto de Pesquisas Ambientais, que não participou do trabalho que levou a essas conclusões.
Rodrigo Cunha
“A redução da taxa de fotossíntese e o consequente estresse fisiológico são maiores na vegetação da Amazônia porque são poucas as espécies resistentes ao fogo, mas ocorre também no Cerrado, cujas plantas estão adaptadas a incêndios de baixa intensidade, embora não aos de alta intensidade”, diz o geólogo Britaldo Soares-Filho, especialista em modelagem ambiental da UFMG, um dos autores do estudo que detalha esses resultados, publicado em março na revista científica Frontiers in Forest and Climate Change. “No Cerrado, o fogo deixa de ser regenerador para ser destruidor, quando se torna mais intenso.”
Entrevista: Ubirajara Oliveira
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A análise de 12,2 mil imagens, realizada pelo biólogo da UFMG Ubirajara Oliveira, indicou que o Pantanal foi o bioma com a maior área queimada (45%), seguido pelo Cerrado (34%), Mata Atlântica (8,2%), Caatinga (5,6%) e Pampa (1,8%). Os chamados incêndios de alto impacto – com maior intensidade, maior frequência e maior área queimada – foram registrados no Pantanal (16,5% da área), no Cerrado (8,8%) e na Amazônia (6,3%), principalmente em remanescentes de vegetação nativa próximas a áreas desmatadas nos últimos 20 anos. De 1º de janeiro a 11 de maio deste ano, o Inpe registrou 10 mil focos de incêndio, praticamente o mesmo número do ano anterior (ver gráfico).
“Os incêndios naturais, causados por raios, são uma pequena fração do total, têm baixa intensidade e ocorrem principalmente no Cerrado, no início da estação chuvosa”, observa Soares. “Na Amazônia, a grande maioria dos incêndios é induzida, após o desmatamento, para retirar a vegetação nativa de áreas que se pretende usar para pastagem ou cultivo agrícola.”
Vinícius Mendonça / Ibama / FlickrPlantas se recuperam e rebrotam com dificuldade após um incêndio na Amazônia como este, em agosto de 2019Vinícius Mendonça / Ibama / Flickr
Soares-Filho coordena o projeto financiado pelo Programa de Investimento em Florestas (FIP ‒ Monitoramento do Cerrado), que indica os riscos de incêndio em sete parques nacionais, um de Minas Gerais e outro de Tocantins, com base em informações diárias do satélite Sentinel. Com apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e do Banco Mundial, o projeto apoiou equipes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) na prevenção e combate a incêndios florestais. “Muitas vezes, os parques nacionais são muito grandes e os brigadistas demoram dias até chegar aos focos dos incêndios”, testemunhou.
Um estudo da UFMG publicado na revista Forest Policy and Economics em junho de 2021 indicou que a prevenção de incêndios, queimando de modo controlado faixas da vegetação para proteger áreas mais sensíveis, reduziu em 12% a área queimada em sete unidades de conservação do Cerrado entre 2012 e 2016. “Esse tipo de manejo do fogo tem um efeito local, não basta”, avalia Soares-Filho. “É indispensável melhorar a fiscalização e combater os incêndios criminosos.”
Rodrigo Cunha
A situação pode piorar. No estudo coordenado pela UFMG, há uma estimativa de que os incêndios de alto impacto devem aumentar 97% na Amazônia, 95% no Cerrado e 74% no Pantanal nos próximos anos.
“As previsões sempre têm limitações, mas a tendência é realmente de aumento na ocorrência de incêndios, no mundo inteiro, como alertado no relatório mais recente do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas], de agosto de 2021”, diz o botânico Giuliano Locosselli, do IPA de São Paulo, que não participou do estudo. “Estamos lutando para reduzir a emissão de CO2, que os incêndios liberam em grande quantidade. Por sua vez, o CO2 aumenta a temperatura e gera mais incêndios, que emitem ainda mais CO2.”
Projeto Transição para sustentabilidade e o nexo água-agricultura-energia: Explorando uma abordagem integradora com casos de estudo nos biomas Cerrado e Caatinga (nº 17/22269-2); Modalidade Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais; Pesquisador responsável Jean Pierre Ometto (Inpe); Investimento R$ 2.983.408,46.
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