O Instituto do Coração (Incor), da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), está ampliando suas áreas de pesquisa. Os laboratórios de Genética e Cardiologia Molecular, Imunologia e Biologia Vascular já estão operando, desde o início deste ano, nos dois últimos andares do novo prédio do Incor, numa área total de 2.400 metros quadrados. O laboratório de Bioengenharia vai ocupar, em breve, uma área de 1.800 m2 no mesmo prédio.
O Incor investe, anualmente, cerca de R$ 15 milhões em pesquisa, sem considerar os gastos com infra-estrutura, que, no caso dos novos laboratórios, somaram algo em torno de R$ 4 milhões. “Um hospital universitário não pode só prestar assistência médica. Tem obrigação de desenvolver a pesquisa aplicada em benefício dos próprios pacientes”, justifica o diretor do instituto, José Antonio Ramires.
Desde o início da década de 80, o Instituto do Coração desenvolve pesquisas de ponta voltadas para doença cardiovasculares. No início, as principais áreas de investigação eram as de bioengenharia e imunologia, em razão das necessidades de aprimoramento das tecnologias de transplantes. “Hoje a pesquisa é ampla. A genética molecular, com seus aplicativos em cardiologia, é um instrumento do nosso dia-a-dia”, afirma Ramires. Seus laboratórios estão realizando, por exemplo, o mapeamento dos genes responsáveis pela hipertensão arterial, desenvolvendo uma vacina contra a febre reumática e, ainda, estudando a enzima responsável pelo estresse vascular.
O Incor atende 250 mil pacientes anualmente e é considerado o maior hospital da América Latina. Realiza uma média de 3.800 cirurgias e 11 mil cateterismos por ano. As áreas originais ocupadas pelos laboratórios tornaram-se incompatíveis com as novas demandas da pesquisa, e o projeto de construção do novo prédio, inaugurado em agosto de 2000, foi redimensionado de forma a permitir a ampliação da investigação científica.
O Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular, por exemplo, deixou um pequeno espaço no Hemocentro para ocupar todo o 10º andar do prédio novo. De acordo com o diretor do Incor, o Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular foi projetado para atender às necessidades de desenvolvimento de terapêutica genética nos próximos 15 anos.
O projeto arquitetônico inspirou-se no modelo utilizado por laboratórios da Universidade Harvard, em Boston: as salas dos pesquisadores principais, administração, salas de reuniões e estações de trabalho estão dispostas em torno de áreas de uso comum, onde estão localizados os seqüenciadores de genes, setor de bacteriologia, material radioativo, entre outros, e um grande laboratório de pesquisa. Na entrada deste laboratório, foi construída uma área, batizada de “hall das idéias”, equipada com lousa e banquetas estampadas com motivos que imitam as bases nitrogenadas de DNA, utilizada por pesquisadores para a apresentação e debates de seus projetos.
Também está previsto espaço para instalar dois módulos de trabalho, com laboratórios específicos, nos quais serão desenvolvidas pesquisas de vetores virais e expressão genômica, e quatro salas para fisiologia humana, equipadas com ecocardiógrafo para a observação da função cardíaca. “Contamos ainda com o apoio de um grupo de bioinformática”, acrescenta José Eduardo Krieger, diretor. Os equipamentos, de última geração, foram adquiridos com o apoio da FAPESP, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e uma pequena participação da indústria farmacêutica.
O laboratório tem como foco principal de pesquisa o mapeamento dos genes responsáveis pela hipertensão arterial. Krieger explica que o objetivo é entender o funcionamento do sistema de controle da pressão, observando o comportamento da enzima conversora da angiotensina (ECA) – que funciona como um marcador de doenças em ratos e que parece ter o mesmo papel em seres humanos -, sua importância biológica e a sua variação genética na população (ver Pesquisa FAPESP nº 69).
Com a ampliação do espaço de pesquisa, o laboratório deverá intensificar a utilização de terapia gênica e celular em problemas cardiovasculares, já realizada com animais e que, em breve, segundo Krieger, será testada em seres humanos. Também serão ampliadas as análises de genes candidatos, identificados como principais suspeitos nas doenças vasculares. “Com os resultados do Projeto Genoma, é possível procurar variantes do gene e realizar estudos de associação e, ao mesmo tempo, desenvolver estudos sobre o comportamento da população”, diz Krieger. Em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo, o laboratório está iniciando estudos sobre genes candidatos numa população de 1.600 habitantes da cidade de Vitória.
Imunologia
O Laboratório de Imunologia, criado em 1985, dividia espaço com o Instituto de Medicina Tropical, até ser transferido para o 9º andar do novo prédio do Incor, numa área de 850 metros quadrados. Desde o início, suas atividades estiveram ligadas ao estudo da histocompatibilidade para transplantes de rim, medula, fígado e coração. “Hoje somos um laboratório de referência no Estado de São Paulo”, diz Jorge Kalil, diretor. Mais recentemente, incorporou à sua linha de pesquisa investigações sobre doenças imunológicas cardíacas, como doença de Chagas e febre reumática, esta última responsável por cirurgias de troca de válvulas, muito comuns no país.
A febre reumática é uma doença auto-imune, decorrente de infecção por estreptococos na garganta, que tem reflexos no coração. Para combatê-la, o laboratório trabalha no desenvolvimento de uma vacina sintética contra a febre reumática, já que uma vacina produzida a partir da bactéria poderia desencadear a doença, adianta Kalil. Nos próximos meses, serão iniciados estudos para o desenvolvimento da imunologia da arteriosclerose. Em todas as linhas de pesquisa, o laboratório utiliza técnicas de biologia molecular e de proteonômica nos estudos de peptídeos e proteínas.
O laboratório integra, junto com institutos de clínica e alergia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o Instituto de Investigação em Imunologia, um dos Institutos do Milênio selecionados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), que contará com recursos da ordem de R$ 4,5 milhões para o financiamento de pesquisas, nos próximos três anos. O objetivo, explica Kalil, é levar o conhecimento acumulado na bancada para a aplicação médica, abordando não apenas o tratamento de doenças infecciosas, mas também alergias que afetam um terço da população brasileira.
Uma das propostas do Instituto de Imunologia é desenvolver preparações alergênicas mais bem padronizadas, de forma a criar produtos com menor efeito colateral e maior eficiência. Kalil lembra que há resultados promissores em animais e humanos com o uso de peptídeos em imunologia específica, vacina de DNA, oligonucleotídeos CpG e vacinas com antígenos de microbactérias, o que leva a crer que será possível prevenir ou curar doenças atópicas no futuro, por meio da resposta imune.
“Vamos, mais uma vez, juntar nossa capacidade com a do Instituto Butantã, com o qual já desenvolvemos a vacina Anti CD3, com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que trabalha com a vacina de DNA, e com a Universidade de Brasília (UnB), no estudo de anticorpos monoclonais”, relata Kalil.
Biologia Vascular
O Laboratório de Biologia Vascular, dirigido por Protásio Lemos da Luz e Francisco Rafael Martins Laurindo, ocupa uma área de aproximadamente 170 m2, contígua ao Laboratório de Imunologia. “Protásio iniciou o trabalho de pesquisa na divisão de experimentação no Laboratório de Fisiologia, estudando isquemia do miocárdio em animais”, conta Laurindo, na época seu orientando.
Hoje, Protásio dirige o Grupo Clínico de Arteriosclerose e divide com Laurindo a coordenação das pesquisas em Biologia Vascular, que têm como principal foco a fisiologia molecular. Um dos projetos desenvolvidos pelo laboratório é um temático financiado pela FAPESP que tem como objetivo estudar a enzima NADPH oxidado, responsável pelo estresse vascular. O projeto tem a parceria de Hugo Monteiro, do Hemocentro.
A expansão da área do laboratório também permitirá a ampliação das linhas de pesquisa. Uma das propostas é avançar na análise do papel da enzima superóxido – dismutase na lesão vascular. Trata-se de uma enzima protetora que fica deficiente após a lesão vascular, mas que se recompõe quando há reposta no organismo animal. “Já estamos avaliando o polimorfismo no gene da NADPH em seres humanos, para verificar se existem ou não alterações semelhantes e se ela está ou não relacionada com maior incidência de infarto”, explica Laurindo.
Na sua avaliação, a expansão da área e das linhas de pesquisa do laboratório é resultado da boa interação entre o Incor e as agências de fomento, sobretudo a FAPESP. “Não teríamos condições de fazer essas mudanças sozinhos”, comenta. “A maior parte dos equipamentos do laboratório foi adquirida com recursos da FAPESP e da Finep, e todo o mobiliário foi comprado com recursos da Reserva Técnica da Fundação”, exemplifica.
Bioengenharia
O Incor está reavaliando outras áreas tradicionais de pesquisas, como a de bioengenharia, afirma Ramires. O laboratório será transferido para as novas instalações equipadas para desenvolver estudos com cerâmica, eletrônica, cultura de tecidos, biologia molecular.
O retorno dos investimentos está no aprimoramento da forma de tratar a doença e no benefício que isso traz aos pacientes. “A melhoria no conhecimento da doença e nos processos de tratamento também colabora para que outros centros adotem o mesmo procedimento. Essa é a importância de um hospital-escola.”
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