Um grupo de economistas e pesquisadores de instituições como o Senado Federal e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) está sugerindo uma nova abordagem para monitorar o impacto da inovação na economia dos países, cujo foco é o desempenho de empresas que são inovadoras e, ao mesmo tempo, geram um número crescente de empregos. A metodologia utiliza dados que companhias brasileiras fornecem periodicamente à Pesquisa de Inovação (Pintec) e também informações do Cadastro Central de Empresas (Cempre), ambos organizados pelo IBGE.
De acordo com o estudo, publicado em setembro na Revista Brasileira de Inovação, o contingente de empresas que apresentou crescimento no número de funcionários superior a 20% ao ano foi de cerca de 9 mil entre 2008 e 2014, em um universo de mais de 100 mil firmas brasileiras com mais de 10 empregados. Ao longo desse período, entre 43% e 49% desses empreendimentos geraram algum tipo de inovação. Com base em análises estatísticas, os autores propõem a criação de um conjunto de índices batizado de Dinnov, em referência aos vocábulos “dinâmicas” e “inovadoras”, que procura mensurar a participação na economia de empresas que se enquadram nessas duas qualificações. A família é composta por quatro índices distintos que, como destacam seus formuladores, são mais fáceis de compreender do que outras métricas vigentes. O Dinnov-empresas, por exemplo, compreende o número de empresas dinâmicas e inovadoras como proporção do total de companhias. Da mesma forma, o Dinnov-emprego é calculado dividindo o número de funcionários nas empresas inovadoras pelo de empregados no total de firmas. O Dinnov-valor adicionado diz respeito à riqueza gerada pelas empresas dinâmicas e inovadoras. O quarto índice é o Dinnov-Simplex, que relaciona a participação das empresas dinâmicas e inovadoras com taxas de inovação e de companhias de alto crescimento de um país.
“No fundo, a principal questão que se quer responder é: qual parte do dinamismo ou do crescimento da economia é explicada pela inovação?”, pergunta o economista Eduardo Baumgratz Viotti, consultor legislativo do Senado Federal para assuntos de política científica e tecnológica e autor principal do artigo. Ele lembra que o progresso econômico de um país baseado em inovação frequentemente está ligado a ganhos de produtividade e competitividade e que a ideia de associar em um índice esses dois conceitos – dinamismo e capacidade de inovar – pode ser útil para avaliar os benefícios para a economia e a sociedade. “Crescimento econômico e inovação estão ligados em um círculo virtuoso. A inovação contribui para o crescimento das empresas e a criação de novas firmas e atividades econômicas. E, quando há crescimento, as empresas têm condições favoráveis para inovar. Na falta dele, precisam lutar para sobreviver e geralmente têm escassos recursos para investir em novos produtos e processos.”
Para testar a metodologia, o grupo comparou dados sobre o Brasil e 16 nações da Europa e chegou a resultados surpreendentes. Como as informações disponíveis na Pintec brasileira correspondiam ao período de 2008 a 2014, marcado pelo crescimento da economia, o desempenho do país foi muito expressivo. Nesse intervalo, o valor médio do Dinnov-Simplex foi estimado para o Brasil em 2,5%, mais de duas vezes superior à média das nações europeias, que ficou em 1,1%. A diferença não se explica pelas diferenças entre as taxas médias de inovação do Brasil e dos países europeus no período, que foram similares, respectivamente de 36,7% e 36,3%. A razão do desempenho excepcional é o fato de o Brasil ter apresentado uma taxa média de empresas de alto crescimento no período de 6,9%, ante apenas 1,9% na média das nações da Europa incluídas na comparação. “A economia brasileira naquele período cresceu em média 3,1% ao ano, índice mais de 10 vezes superior ao das 16 economias europeias analisadas”, explica Viotti.
Ele reconhece que serão essenciais mais estudos para avaliar a aplicabilidade da metodologia. “Esse exercício deve ser interpretado como uma prova de que é possível calcular os novos indicadores, mas pesquisas adicionais, que incluam dados de períodos mais longos e maior número de países, precisam ser realizadas para eventualmente validar a proposta”, afirma. Por falta de dados, não foi possível avaliar os indicadores nos anos mais recentes, marcados pela retração econômica. A última Pintec, que tem como referência 2017, só teve seus resultados divulgados em 2021 (ver Pesquisa FAPESP nº 291). Nessa pesquisa, que avaliou o comportamento de empresas brasileiras entre 2015 e 2017, a taxa de inovação foi de 33,6%, patamar inferior aos 36% da anterior, referente aos anos de 2012 a 2014. A análise do período de 2018 a 2020 não começou a ser feita. “A série histórica das Pintec, iniciada em 2000, vem sendo comprometida pelo estrangulamento dos recursos orçamentários do IBGE”, observa Viotti.
A ideia de estabelecer um índice com foco no desempenho de empresas inovadoras e dinâmicas se enquadra em uma discussão mais ampla sobre as dificuldades de produzir indicadores talhados para calibrar a formulação de políticas públicas. Métricas consagradas hoje são vistas como restritas. Um exemplo é o investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) de um país. “Os países líderes em produção manufatureira têm um expressivo desempenho em P&D, com dispêndios elevados e metas para aumentá-los ainda mais. Mas esses indicadores são reconhecidamente limitados para dar conta do amplo conjunto de atividades e interações envolvidas no processo de inovação”, afirma a economista Sandra Hollanda, consultora de um programa da FAPESP voltado à construção de um sistema de Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação para o estado de São Paulo.
Eduardo Viotti ressalta que há consenso sobre o fato de a inovação não estar avançando significativamente no país, apesar dos progressos da produção científica. “Embora a inovação tenha passado a ocupar posição cada vez de maior destaque nos discursos, planos, programas e políticas da área, parece que ainda estamos tendo muita dificuldade para aprender a fazer políticas de inovação efetivas. Parte dessa ineficiência talvez possa ser atribuída à força da tradição de políticas do passado inspiradas pela convicção simplista de que existiria uma relação, quase direta, entre o montante de recursos investidos em P&D e seus resultados em termos de inovação tecnológica”, diz. É certo que a ênfase na análise dos investimentos em P&D, vigente desde a década de 1960, foi complementada em 1992 com o lançamento de diretrizes para coletar e interpretar dados de inovação tecnológica do chamado Manual de Oslo, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essa metodologia, adotada em pesquisas de mais de 80 países, define os diversos tipos de inovação e suas características.
Na década passada, o debate sobre como avaliar o impacto da inovação ganhou ímpeto quando os países da União Europeia decidiram criar um novo indicador. A premissa era de que a inovação tem como arena as empresas, ainda que dependa de infraestrutura de pesquisa pública e privada, da interação entre universidades, corporações e outros parceiros, de legislação adequada e do ambiente econômico. E o objetivo era municiar a estratégia dos países do bloco para enfrentar a competição dos Estados Unidos e das economias asiáticas. Na formulação dessa estratégia, decidiu-se combinar metas de investimentos em P&D com uma métrica capaz de calcular resultados da inovação. Em 2010, a Comissão Europeia organizou um painel de alto nível formado por economistas, estatísticos e empresários, com a ambição de medir a contribuição dos empreendimentos inovadores. Da mesma forma, buscavam-se parâmetros que mostrassem resultados concretos e seus impactos na sociedade. “Uma preocupação inicial da União Europeia era tentar fugir dos chamados indicadores compostos. Índices com vários componentes costumam ser interessantes para sensibilizar e mobilizar a sociedade e produzir comparações internacionais, mas acabam sendo pouco úteis para orientar políticas”, explica Hollanda.
Depois de muita discussão, o indicador desenvolvido contemplou múltiplos componentes, tais como patentes, empregos de alta qualificação e/ou empresas de crescimento rápido, exportação de produtos e serviços intensivos em conhecimento, entre outros. A metodologia recebeu críticas. Por limitação na oferta de dados, vários componentes continuaram se baseando em insumos para a inovação e não em seus resultados concretos. “Da mesma forma, transformações observadas em períodos recentes, como a formação de cadeias globais de suprimento e a digitalização da economia, foram pouco consideradas nos indicadores da União Europeia sobre empregos e exportações”, diz Sandra Hollanda.
A proposta dos índices Dinnov foi uma tentativa de resgatar o objetivo original formulado pela União Europeia, com uma metodologia mais simples e calcada em empresas inovadoras e geradoras de emprego. Para o economista André Tosi Furtado, do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), essa nova família de índices poderia ser útil para analisar a evolução do desempenho de empresas ao longo do tempo, mas ele vê obstáculos para que atinja alguns de seus outros objetivos. Um dos problemas está vinculado a comparações internacionais. “Não me parece adequado relacionar empresas que criam novos produtos, processos ou serviços no Brasil e em países europeus, imaginando que elas têm perfis homogêneos. Provavelmente, há entendimentos diferentes sobre o que é inovação no Brasil e na Dinamarca”, afirma. “Indicadores como a taxa de inovação podem não ser precisos para refletir o desempenho inovativo das empresas. É verdade que existe um esforço para diferenciar produtos ou processos que são inovadores apenas para as empresas dos que são para o mercado nacional ou para o mundo, mas isso não foi contemplado no Dinnov”, diz.
Furtado ressalta que o indicador da taxa de inovação nem sempre é sensível para fazer uma caracterização rigorosa. “Esse é o tipo de crítica feita ao Manual de Oslo. O novo indicador de produto da União Europeia evitou usar essa metodologia, porém ela está presente nos indicadores Dinnov.” Segundo ele, a razão de a União Europeia ter optado por um indicador composto para mensurar os resultados da inovação provavelmente foi a necessidade de considerar diferentes fenômenos envolvidos no complexo processo de inovação.
Republicar