Uma rede formada por 554 pesquisadores de 39 países propôs um conjunto de diretrizes para a publicação de imagens obtidas por microscopia óptica em artigos científicos de ciências biológicas e biomédicas. O objetivo da iniciativa é permitir a interpretação correta das figuras e, principalmente, facilitar a reprodução de seus resultados por outros grupos de pesquisa. Em um artigo divulgado em setembro na revista Nature Methods, um grupo de representantes desse consórcio recomendou o uso, tanto por autores de papers quanto por revisores e editores de revistas científicas, de listas de verificação capazes de averiguar se uma imagem foi processada de forma apropriada e se ela contém informações suficientes para ser entendida e replicada. O objetivo é detectar e corrigir problemas antes que a figura seja publicada. “Os checklists fornecem instruções claras e fáceis sobre como publicar e analisar imagens, em um grande passo para torná-las reproduzíveis, compreensíveis e acessíveis”, afirmou o autor principal do artigo, o cientista de dados Christopher Schmied, do Instituto Leibniz de Pesquisa para Farmacologia Molecular, em Berlim, Alemanha, em seu perfil no LinkedIn.
As listas de verificação propostas dispõem sobre diferentes parâmetros das imagens, como padrões de formatação, tratamento de cores e anotações ou rótulos acrescentados pelo autor, e são divididas em três níveis de exigência: mínimo, recomendado e ideal. O nível mínimo envolve requisitos indispensáveis para que os resultados científicos representados por uma imagem possam vir a ser confirmados por outros grupos – como dados a respeito da origem da figura e dos métodos de processamento utilizados. Cumprir tais requisitos ‒ que envolvem, por exemplo, explicar manobras adotadas para ampliar detalhes de uma imagem, informar o grau de ajuste de brilho e contraste ou compartilhar os dados originais em repositórios – pode ajudar a identificar lacunas cruciais antes da publicação de um trabalho, evitando dúvidas e contestações.
Já o nível recomendado tem mais exigências e procura garantir que o achado contido na imagem seja compreendido sem dificuldades. Um exemplo é a sugestão de fornecer uma escala de intensidade cromática que ajude a explicar o sentido das cores exibidas. O terceiro nível, classificado como ideal, recomenda práticas suplementares, como disponibilizar cópias das figuras originais em bancos de dados especializados nesse tipo de documento ou oferecer versões em tons cinzentos de imagens a fim de permitir a comparação com as originais coloridas.
Publicar em preto e branco já seria suficiente, segundo as diretrizes. “Aconselhamos a todos que divulguem suas imagens em preto e branco em vez de coloridas, porque a visão humana é muito mais sensível a detalhes em figuras monocromáticas”, explicou ao site ScienceDaily uma das participantes da iniciativa, a bióloga inglesa Alison North, diretora do Centro de Recursos de Bioimagem (Birc) da Universidade Rockefeller, nos Estados Unidos. “Muitos pesquisadores gostam de imagens coloridas porque elas são bonitas e impressionantes. Não percebem que, na verdade, estão desperdiçando muita informação.” Além de indicar estratégias para obter imagens confiáveis, o grupo também enumerou métodos que devem ser evitados em certas situações. Um exemplo é a interpolação, que é a criação de novos pixels a partir dos já existentes na imagem para reforçar a nitidez – ela não deve ser aplicada em detalhes ampliados de uma imagem que tenha resolução baixa, pois é elevado o risco de produzir distorções.
As diretrizes consolidam um esforço de cooperação que teve início em 2020 com a formação da iniciativa Avaliação de qualidade e reprodutibilidade para instrumentos e imagens em microscopia óptica (Quarep-LiMi), composta por pesquisadores de universidades e empresas de vários países interessados em criar padrões e protocolos para uso de imagens em microscopia. Uma das principais preocupações da rede foi tentar reduzir a quantidade de equívocos e manipulações indevidas em imagens, que são causa frequente de retratação de artigos. O foco é combater o que se convencionou chamar de crise da reprodutibilidade, a repetição de casos de artigos científicos, sobretudo em áreas como medicina, ciências da vida e psicologia, que caíram em descrédito porque seus resultados não puderam ser confirmados em experimentos subsequentes.
“Se os cientistas começarem a adotar um padrão mínimo para publicação de imagens, reproduzir os resultados será muito mais fácil para todos”, explica o analista de imagens Ved Sharma, pesquisador do Birc, também ao ScienceDaily. “Há muita informação que poderia ser incluída em uma imagem, mas na maioria das vezes isso não está disponível ou então o leitor precisa se aprofundar na leitura do artigo para compreender o sentido de uma figura.”
As listas de verificação do Quarep-LiMi incluem, também, o detalhamento de fases e protocolos para obter e processar as imagens, os chamados fluxos de trabalho, que podem contemplar etapas como reconstrução, segmentação, rotulagem e análise estatística. Os fluxos de trabalho podem ser agrupados em três categorias: os já estabelecidos, os novos e os baseados em aprendizado de máquina. Para um fluxo já estabelecido, informar cada etapa é requisito de nível mínimo, enquanto fornecer um tutorial sobre como a imagem foi trabalhada é um tópico do checklist no nível ideal. Já para fluxos de trabalho recém-criados, as exigências são mais amplas: é essencial detalhar cada uma de suas etapas e componentes para que outros pesquisadores consigam criar as mesmas condições e verificar os resultados. Para fluxos que utilizam aprendizado de máquina, recomenda-se, adicionalmente, informar que dados foram utilizados para treinar os modelos de inteligência artificial e disponibilizar seus códigos para os interessados.
Segundo o estudo da Nature Methods, as diretrizes também podem ter utilidade para promover a confiabilidade de outros tipos de imagens científicas, como fotografias, imagens de testes de diagnóstico ou obtidas por microscópios eletrônicos de varredura, embora não tenham sido criadas com esse propósito. Um entrave para a implementação de diretrizes desse tipo é o custo adicional que elas tendem a impor aos pesquisadores. Esses encargos podem ser proibitivos para cientistas de países de renda média e baixa. Para contornar o problema, os artífices do Quarep-LiMi aceitam flexibilizar alguns requisitos, principalmente os que se enquadram no nível ideal. O armazenamento de dados em repositórios especializados em imagens, que é dispendioso, é uma exigência considerada negociável. “Para sermos inclusivos, não poderemos impor a utilização de repositórios on-line, mas, como medida mínima, exigimos que os cientistas estejam preparados para partilhar seus dados”, escreveram no artigo.
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