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Especial 2001

Inovação tecnológica e a FAPESP

“A great part of the machines made use of in those manufactures in which labour is most subdivided, were originally the inventions of common workmen, who, being each of them employed in some very simple operation, naturally turned their thoughts towards finding out easier and readier methods of performing it.. … All the improvements in machinery, however, have by no means been the inventions of those who had occasion to use the machines. Many improvements have been made by the ingenuity of the makers of the machines, when to make them became the business of a peculiar trade; and some by that of those who are called philosophers or men of speculation, whose trade it is not to do anything, but to observe everything; and who, upon that account, are often capable of combining together the powers of the most distant and dissimilar objects.”
(Adam Smith em A Riqueza das Nações, de 1776)

No parágrafo acima, Adam Smith destaca os atores e ingredientes essenciais do que veio a ser chamado inovação tecnológica. A constante incorporação de conhecimento aos processos e produtos tornou-se ingrediente essencial para a competitividade da empresa. No Brasil, a cultura empresarial tende a valorizar pouco a busca da Inovação tecnológica, mas esta situação vem se revertendo nos últimos anos.

Um dos elementos fundamentais para a inovação é a atividade de Pesquisa e Desenvolvimento (PeD) realizada no ambiente empresarial. O elemento criador de inovação é o cientista ou engenheiro que trabalha para empresas, sejam elas voltadas para produtos ou serviços. Assim é que, nos EUA, dos 960 mil cientistas e engenheiros trabalhando em Pesquisa e Desenvolvimento (PeD), 760 mil (80% do total) trabalham para empresas. A posição central da empresa na geração de inovação tem sido demonstrada por vários autores desde Adam Smith, passando por levantamentos realizados pela National Science Foundation e até mesmo pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) no Brasil. Além disso, tem papel fundamental em um sistema nacional de inovação a universidade, como formadora dos cientistas e engenheiros, e como geradora de novas idéias.

Nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o dispêndio empresarial em PeD é quase dois terços do dispêndio total dos países em PeD, e tem crescido a cada ano. No Canadá, o crescimento tem sido de 7% por ano, desde 1981, nos Estados Unidos, 4,3% por ano. Na Finlândia, país que foi classificado em primeiro lugar no Índice de Avanço Tecnológico da ONU em 2001, 11% por ano.

Ao lado de seu compromisso inalienável com o apoio à geração do conhecimento, a FAPESP tem se preocupado cada vez mais intensamente também com a disseminação e a aplicação do conhecimento. Trata-se de uma preocupação totalmente em sintonia com as aspirações da sociedade paulista e com os desafios presentes no início de um novo milênio marcado pelo estabelecimento da chamada “sociedade do conhecimento”. Mais do que nunca, hoje, o conhecimento tornou-se a verdadeira riqueza das nações: aquelas que forem capazes de gerá-lo e aplicá-lo com mais desenvoltura serão aquelas que terão oportunidade de se desenvolver econômica e socialmente.

Para a FAPESP, esse novo desafio não significa abandono das realizações anteriores, como agência eficaz no desenvolvimento do conhecimento fundamental. Ao contrário: a partir da aceleração vertiginosa do avanço das fronteiras sem fim da ciência e da intensificação da dependência da tecnologia em relação aos desenvolvimentos científicos, tornou-se natural para a fundação exercer esse novo papel como promotora e indutora das aplicações da ciência.

Por outro lado, no caso brasileiro é forçoso considerar as dificuldades estruturais presentes para o avanço da tecnologia. Em primeiro lugar, nosso sistema de ciência e tecnologia é reduzido em termos de recursos humanos qualificados – contamos apenas com algo em torno de 90 mil cientistas e engenheiros ativos em pesquisa e desenvolvimento.

Essa quantidade corresponde somente a 0,14% da força de trabalho ativa, e se compara muito desfavoravelmente com o existente em outros países como a Espanha (0,24%), Coréia do Sul (0,37%), Itália (0,31%) ou Estados Unidos e Japão (0.75%). Em segundo lugar, a atividade de pesquisa e desenvolvimento concentra-se no ambiente acadêmico de universidades e institutos de pesquisa. Essas duas instituições são elementos essenciais em qualquer sistema nacional de inovação, mas não suficientes: falta-nos a presença da empresa como ator decidido e determinante na arena da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico.

Enquanto em nosso país há, talvez, 9 mil cientistas e engenheiros atuando em PeD em empresas, países de industrialização recente como a Coréia do Sul apresentam 75 mil destes profissionais, enquanto nos Estados Unidos há quase 800 mil cientistas e engenheiros fazendo PeD nas empresas. Cabe destacar, finalmente, o ambiente econômico instável, extremamente desfavorável e até mesmo hostil para que as empresas realizem investimentos de retorno certo, mas em prazo muitas vezes longo, como são os investimentos em PeD.

Mesmo frente a essas dificuldades, vem sendo desenvolvida uma capacitação nacional para o desenvolvimento de tecnologia. O estabelecimento de uma das mais importantes empresas fabricantes de aviões a jato do mundo, a Embraer, e o desenvolvimento da tecnologia de perfuração e prospecção na Petrobras, são dois exemplos importantes de sucesso nessa área, mas não são os únicos. Esses casos e outros, como ocluster de telecomunicações em Campinas, ou o aeroespacial em São José dos Campos, ilustram como a sinergia entre boas universidades públicas, fazendo educação com referenciais internacionais, e empresas criadas por egressos dessas instituições e dedicadas ao desenvolvimento interno de tecnologia, podem trazer resultados impressionantes em termos de desenvolvimento de tecnologia avançada e capacidade para gerar empregos e riqueza.

Em 1994, a FAPESP estabeleceu o Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria entre Universidades e Institutos de Pesquisa e Empresas, hoje Programa Parceria para Inovação Tecnológica, o PITE. Uma iniciativa cuidadosa, que hoje é um programa consolidado, apoiando mais de 50 projetos de pesquisa em parceria. Parceria de verdade, na qual o interesse no projeto é aferido, entre outras coisas, pelo valor do investimento efetivo que a empresa destina ao projeto.

No conjunto desses projetos, atingimos a média de 60% do custo financiado pela empresa e 40% financiado pela FAPESP. Várias aplicações importantes já foram concluídas, trazendo competitividade à empresa e levando temas relevantes de pesquisa para as instituições acadêmicas. Sempre atenta às oportunidades, em 2000 a FAPESP criou dois “spin-offs” do PITE: o PICTA, Parceria para Inovação em Ciência e Tecnologia Aeroespacial, e o ConSiTec, para poio à formação de consórcios empresariais em parceria com instituições acadêmicas. Desde 1997, a FAPESP opera o PIPE, Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas, único programa do país para apoiar, a fundo perdido, atividades de PeD na empresa.

O PICTA já contratou seu primeiro projeto: uma parceria entre a Embraer e o Centro Técnico Aeroespacial (CTA, São José dos Campos) para o desenvolvimento da tecnologia de ensaios aerodinâmicos com túnel de vento. Esse projeto é um marco, por ser o maior já contratado nos programas de parceria da FAPESP. Elemento importante para o sucesso de um programa como o PITE foi o desenvolvimento da engenharia no país, especialmente em função da intensificação e da progressiva qualificação da atividade de pesquisa nas escolas e faculdades de engenharia.

Nisso teve papel fundamental o desenvolvimento dos programas de pós-graduação nessa área. Por isso, não surpreende que um grande número dos projetos do PITE esteja na área das engenharias. Em 2000 a área de engenharias tornou-se, pela primeira vez, a maior contratante de bolsas na FAPESP, abrangendo 18,9% dos recursos para bolsas.

No PIPE, há já uma carteira de 165 projetos em andamento. São dezenas de pequenas empresas apostando no conhecimento como fonte de riqueza, de desenvolvimento, de empregos, de soberania nacional. Com a intensificação da divulgação do PIPE por meio de editais publicados nos meios de comunicação de todo o Estado, temos tido um fluxo constante de candidatos. Poucas agências de apoio à pesquisa no mundo têm uma carteira de projetos como esta. A iniciativa da FAPESP trará contribuição distintiva ao desenvolvimento do Estado de São Paulo.

Vale destacar que, neste ano, pela primeira vez, uma das empresas apoiadas no PIPE (com dois projetos) chegará à casa dos R$ 100 milhões com seu faturamento. A empresa é a AsGa Microeletrônica, de Campinas, e seu principal produto é justamente aquele desenvolvido com o apoio do PIPE – modems ópticos multicanal. Quando a empresa entrou no programa, em 1997, seu faturamento anual era de R$ 6 milhões.

Esse é um exemplo a destacar, que demonstra algumas características essenciais para o sucesso. A principal é que, para fazer riqueza com conhecimento, é preciso ter cérebros na empresa: na AsGa, o proprietário, José Ellis Ripper Filho, e o líder do projeto, Rege Scarabucci, são renomados cientistas que, ao lado de expressiva produção científica acadêmica, receberam ambos, em ocasiões separadas, o prêmio Moinho Santista, a principal distinção científica brasileira.

A AsGa tem um formidável esforço de PeD, contando com vários outros cientistas egressos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Pode-se dizer que a AsGa começou a nascer em 1971, quando Ripper voltou dos Estados Unidos, abandonando promissora carreira nos Laboratórios Bell da ATeT para instalar o Grupo de Pesquisa em Comunicações Ópticas no Instituto de Física da Unicamp. Ali nasceu o esforço brasileiro nesta área. Em 1974, Scarabucci demonstrava os primeiros modems ópticos na Faculdade de Engenharia da Unicamp. O esforço da Unicamp foi reforçado substancialmente em 1976, com a criação do CPqD da Telebrás (hoje Fundação CPqD), ao lado da universidade.

Os projetos do PITE e do PIPE são apresentados neste suplemento. Modems ópticos, aços elétricos, aerodinâmica, tochas de plasma, biotecnologia, tintas mais eficientes, mantas de fibras ópticas para tratamento neonatal, programas de computador e muitos outros. São projetos que demonstram a capacidade instalada no Estado de São Paulo para a geração e a aplicação do conhecimento. Capacitação construída ao longo de vários anos de investimentos expressivos do Estado paulista, materializados ao longo de sucessivos governos estaduais, em três universidades públicas da mais alta qualidade, em importantes institutos de pesquisa estaduais, e na FAPESP. Ao lado dos investimentos federais, especialmente na forma de bolsas de estudo de pós-graduação, a iniciativa paulista construiu um patrimônio institucional que coloca o Estado de São Paulo na vanguarda, nesta era de desenvolvimento baseado em conhecimento.

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