A Unicamp adotou, com sucesso, experiências inovadoras de caráter institucional que se destacaram no ambiente das universidades brasileiras. Na década passada, por exemplo, foram criados dois programas de ação afirmativa que ampliaram significativamente o número de estudantes de graduação oriundos de escolas públicas sem que fosse preciso adotar um sistema de cotas – o ingresso continuou a depender do mérito dos aspirantes a uma vaga na graduação (ver reportagem). A criação de centros e núcleos interdisciplinares de pesquisa é outro exemplo de inovação institucional. O sistema foi concebido em 1982, com o objetivo de promover pesquisa que superasse as fronteiras entre as disciplinas. Na época já havia alguns núcleos funcionando – o primeiro deles foi o Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, criado em 1977. “A ideia era que atuassem em áreas nas quais os departamentos não estivessem trabalhando e congregassem uma ou mais unidades em torno de temas transversais”, explica o coordenador-geral da Unicamp, Álvaro Crósta, professor do Instituto de Geociências.
Hoje, há 21 centros e núcleos ativos. Eles promovem pesquisas em temas que vão dos estudos de gênero aos relacionados à exploração de petróleo, da pesquisa sobre teatro à informática aplicada à educação. “Eles surgiram para responder alguns desafios que inspiraram a concepção da Unicamp. Os discursos do reitor Zeferino Vaz registravam a preocupação em interligar as áreas do conhecimento na universidade e em promover um diálogo com a sociedade”, conta Jurandir Zullo Júnior, responsável pela Coordenadoria dos Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa (Cocen) da Unicamp.
Alguns centros e núcleos, em especial os de áreas tecnológicas, têm boa capacidade de captar recursos externos para financiar seus projetos de pesquisa. É o caso, por exemplo, do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Estratégico (Nipe). Ou ainda do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA), instalado em um distrito industrial de Paulínia, uma das duas unidades que operam fora da Unicamp – a outra é o Lume, de pesquisas teatrais, que funciona em uma casa no bairro de Barão Geraldo, perto do campus. “Já os centros e núcleos da área de humanidades têm menos capacidade de captar recursos de empresas, mas são aquinhoados com recursos de agências de fomento e algumas impactam consideravelmente o campo das políticas públicas”, afirma Zullo. Ele menciona exemplos como os núcleos de Estudos de População (Nepo) e de Políticas Públicas (Nepp) (ver reportagem), ou ainda do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam). A Unicamp investe 2% de seu orçamento na estrutura dos núcleos e centros, notadamente em salários de pesquisadores e técnicos. Mas o caminho é de duas mãos: um percentual dos recursos que arrecadam é destinado a um fundo de apoio ao ensino, à pesquisa e extensão da universidade, o Faepex, e responde por mais de 30% do seu total.
A cada cinco anos, os centros e núcleos passam por um processo de avaliação, que já levou à extinção e à fusão de alguns deles. O Núcleo de Estudos Constitucionais, criado em 1987 quando começaram os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, foi encerrado em 1995. Foram criados e depois extintos centros sobre temas como direito educacional, estudos psicológicos, melhoria do ensino de ciências, automação industrial, estudos estratégicos, entre outros. O de Política Científica e Tecnológica deixou de existir para se agregar a um departamento com o mesmo nome do Instituto de Geociências (ver reportagem). Também houve um caso de fusão, envolvendo o Centro de Documentação de Música Contemporânea e o Núcleo de Integração e Difusão Cultural, dando origem ao atual Centro de Integração, Documentação e Difusão Cultural (Ciddic), que também incorporou a Orquestra Sinfônica da Unicamp e a Escola Livre de Música.
Cerca de 300 docentes da Unicamp têm vínculos com centros e núcleos interdisciplinares de pesquisa, mas o número oscila de acordo com os projetos de pesquisa vigentes. Para garantir seu funcionamento mesmo quando há poucos docentes trabalhando em projetos neles sediados, a Unicamp produziu uma outra inovação: criou uma carreira de pesquisador. O concurso exige como nível mínimo de formação o doutorado, e hoje são cerca de 90 pesquisadores contratados, dos quais apenas dois atuam em departamentos, e não em núcleos ou centros. “Os departamentos podem contratar pesquisadores, mas em geral optam por abrir concursos para docentes”, esclarece Crósta.
Os pesquisadores ganham por volta de 85% do salário de um docente com formação equivalente. A carreira surgiu da necessidade de ordenar mais de 16 funções distintas de técnicos que envolviam trabalho de pesquisa e reuniam químicos, biólogos, especialistas em informática, entre outros. No início dos anos 1990, elas foram reunidas na figura do técnico especializado de apoio à pesquisa cultural, científica e tecnológica. “Era estranho ter doutores trabalhando como pessoal de apoio, mas a carreira permitia o ingresso com nível de graduação e algumas áreas necessitavam criar os próprios quadros”, lembra Zullo. Apenas em 2005 é que a universidade instituiu oficialmente a carreira de pesquisador. “Não é uma carreira de passagem para a carreira docente, embora eventualmente alguns pesquisadores prestem concurso para professor e sejam aprovados. A maioria quer trabalhar exclusivamente com pesquisa.” Zullo é ele próprio um pesquisador de carreira. Ingressou em 1987 no Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), que fornece a previsão do tempo na região de Campinas e promove pesquisas em temas como mudanças climáticas e zoneamento agrícola. O centro funciona dentro de uma unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) instalada na Unicamp.
Regime flexível
Na década de 1990, a universidade instituiu um formato de avaliação de desempenho dos docentes que pode resultar na perda do Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP), com a consequente redução de salário, para professores cuja avaliação indique que seu desempenho não alcançou o nível determinado pelos critérios estabelecidos. Na Unicamp, as vagas para docentes são sempre abertas em regime de tempo parcial. Os aprovados nos concursos, depois de apresentarem um plano de atividades, podem ser autorizados a ingressar no regime de tempo integral, o que não garante o direito de permanecer definitivamente nessa categoria. A cada três anos, o novo docente tem de apresentar um relatório de atividades, que é analisado primeiro pelo departamento e depois por uma câmara de avaliação composta por representantes de várias unidades.
Caso o desempenho seja considerado insuficiente, o docente é chamado a se justificar e ganha um prazo para corrigir os problemas identificados, que podem estar relacionados a sua performance em ensino, pesquisa e/ou extensão. Se não corrigir, pode ter seu regime funcional alterado para tempo parcial. “Os casos de perda de RDIDP são raríssimos, porque o sistema de avaliação funciona muito bem para que sejam feitas as devidas correções antes de atingir esse ponto”, assegura Crósta. “Tudo é feito com o máximo cuidado e todos sabem o que esperar dessas regras. Atribuo a essa estratégia o fato de termos a maior produção científica por docente entre as universidades brasileiras.” A avaliação trienal vale apenas para os docentes contratados há poucos anos. “Depois, o espaçamento aumenta para quatro anos e os docentes mais experientes entregam relatórios a cada cinco anos.”
Muito antes da Lei de Inovação, de 2004, que favoreceu a criação de empresas a partir do conhecimento produzido pelas universidades e a atuação em-preendedora de pesquisadores, a Unicamp autorizava o licenciamento do regime RDIDP para que docentes pudessem abrir negócios ou administrá-los (ver reportagem). Em 1983, José Ellis Ripper Filho, então professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, foi autorizado a trabalhar em regime de tempo parcial para assumir a área de desenvolvimento da Elebra, empresa que produzia equipamentos de telecomunicações e periféricos de computadores. “Não era preciso explicar a razão para pedir a licença de tempo integral, mas não fiz segredo do que ia fazer e continuei cumprindo a minha carga didática.” Dois anos depois, Ripper aposentou-se na Unicamp e consolidou a carreira de empresário. A Elebra enfrentou uma crise após o Plano Cruzado e decidiu se desfazer do segmento de microeletrônica. Ripper, com o suporte de investidores, assumiu essa parte do negócio e fundou a AsGa, fabricante de equipamentos para transmissões via fibra óptica.
Investimento de risco
Outro exemplo é o de Paulo Arruda, professor do Instituto de Biologia da Unicamp, que entre 2003 e 2009 obteve licença para trabalhar em regime de tempo parcial e se tornou sócio-fundador das empresas Allelyx e Canavialis, spin-offs do Projeto Genoma-FAPESP (ver reportagem). Arruda foi um dos organizadores do programa. A Allelyx e a Canavialis, criadas graças a investimentos da Votorantim Novos Negócios, foram adquiridas pela Monsanto em 2008 e, após um período de transição, Arruda voltou a trabalhar em regime de tempo integral. Ele está convencido de que a universidade também saiu ganhando com essa experiência. “Há uma tendência de ver o pesquisador que cria uma empresa como alguém que quer ganhar dinheiro, mas o que nos propusemos a fazer – duas empresas de biotecnologia avançada que envolviam genômica aplicada – foi um investimento de altíssimo risco e essa experiência foi enriquecedora para todos”, diz Arruda. “Hoje, eu coordeno projetos grandes na Unicamp, alguns de alto risco, que se beneficiam muito da experiência que tive. O empreendedorismo deveria ser um componente importante das atividades das universidades, seguindo, é claro, regras que garantam que a inovação seja uma meta e que a sociedade se beneficie com o desenvolvimento de novos produtos.”
Outra inovação institucional da Unicamp foi criada em abril de 1985, quando uma deliberação do Conselho Universitário permitiu que candidatos em concursos de livre-docência apresentassem, em vez da tradicional tese escrita sem supervisão, o conjunto de sua produção científica para avaliação de uma banca. Desde então, centenas de professores utilizaram esse recurso. Um exemplo recente é o de Rodrigo Ramos Catharino, 39 anos, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas. Em dezembro de 2015, tornou-se livre-docente depois de apresentar um documento descrevendo a trajetória de sua carreira, além da uma seleção comentada de alguns dos mais importantes trabalhos científicos.
Os membros da banca avaliaram sua contribuição e sugeriram estratégias para que Catharino se habilitasse, em alguns anos, a concorrer a uma vaga de professor titular. “Eles apontaram lacunas, como a necessidade de reforçar colaborações com colegas de outros países, e me ajudaram a traçar um caminho novo para a minha carreira”, conta. Segundo o pesquisador, a avaliação do conjunto da produção também permite aproximar o livre-docente daquilo que a política universitária espera dele. Os conselhos da banca levaram-no, por exemplo, a assumir responsabilidades administrativas, uma experiência dentro da carreira acadêmica que ele evitara até então. “Não é trivial fazer um inventário da carreira e é preciso ter um conjunto da obra consistente para enfrentar um concurso”, diz.
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