Dois equipamentos com finalidades similares, um lançado pela empresa fluminense Ouro Negro e outro em desenvolvimento no Laboratório de Ensaios Não Destrutivos, Corrosão e Soldagem (LNDC), do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ), poderão gerar uma redução nos custos da cadeia produtiva de óleo e gás e, em especial, nos de manutenção das companhias de perfuração offshore. Essas empresas, conhecidas como drillings, são responsáveis por abrir os poços em alto-mar que posteriormente serão explorados pelas petroleiras.
O projeto da Coppe é um sistema de mapeamento de risers de perfuração por ultrassom, conhecido pela sigla Marus. Risers de perfuração são estruturas de tubos conectados em uma coluna vertical ligando as plataformas de perfuração, também chamadas de sondas, e o leito marinho. A extensão dessas tubulações pode superar 2 mil metros. É por elas que fluidos químicos e brocas chegam ao fundo do mar para fazer a perfuração e instalar a válvula “cabeça do poço” por onde será escoado o petróleo. Por essa estrutura tubular também sobem cascalhos e outros rejeitos que não podem simplesmente ser descartados no oceano.
Cada tubo que forma um riser tem entre 25 e 40 metros de comprimento e, em média, 16 polegadas de diâmetro – cerca de 40 centímetros (cm). São produzidos em aço carbono e os maiores pesam por volta de 300 quilos. Um único riser de 2 mil metros soma pelo menos 50 tubos de 40 metros. “Os risers operam em condições extremas e precisam ser inspecionados regularmente para detecção de fissuras, trincas e corrosões”, explica o engenheiro Cesar Camerini, do Programa de Engenharia de Metalurgia e Materiais (Pemm) da Coppe-UFRJ. “O problema é que hoje a vistoria é feita em terra.”
A inspeção é realizada em média a cada dois anos. As drillings aproveitam o intervalo de deslocamento da sonda entre um local de perfuração de um poço e outro para realizar essa tarefa. Os risers são recolhidos à plataforma e os tubos são separados e transferidos a um navio de apoio, que se dirige ao porto de Macaé, cidade do litoral fluminense considerada a capital nacional do petróleo por concentrar as bases operacionais das principais empresas petrolíferas do país e de seus fornecedores.
Lá são descarregados e embarcados em dezenas de carretas que cortam o perímetro urbano e as rodovias da região até um local denominado parque de tubos, imensos terrenos onde os dutos são depositados. São retirados os flutuadores, utilizados para amenizar o impacto do peso do cilindro na água, e os tubos são vistoriados com um equipamento de ultrassom industrial que faz a varredura externa. Os que apresentam problemas são encaminhados para manutenção; os aprovados são levados de volta à plataforma.
“Por volta de 90% dos tubos não precisam de manutenção; fazem uma viagem cara e desnecessária à terra”, afirma Claudio Camerini, especialista em inspeção de equipamentos da Petrobras que após a aposentadoria se uniu a dois sócios para formar a startup Integral Monitoramento e Inspeção, parceira da Coppe e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) no projeto do Marus. “Há uma oportunidade grande de redução de custos se a vistoria for feita na própria plataforma, vindo à terra apenas os tubos que precisam passar por manutenção”, constata Claudio Camerini, que é pai de Cesar, o professor da Coppe.
Varredura interna
O equipamento da UFRJ é projetado para fazer a varredura interna da tubulação, permitindo a vistoria dos tubos empilhados na plataforma marinha. Estão sendo desenvolvidos protótipos com duas dimensões, um com diâmetro de 49,5 centímetros (cm) e 80 cm de comprimento e o outro, menor, com 10 cm de diâmetro e 32 cm de comprimento. Também são duas versões de sistema de varredura, uma com 8 sensores fixos de ultrassom e outra com 16 sensores de ultrassom, porém dotados de capacidade de orbitar ao redor do próprio eixo, oferecendo uma resolução quatro vezes maior.
A informação é transmitida por um cabo, denominado umbilical, até um terminal de inspeção, onde é acompanhada por um técnico em tempo real. Os dados também são salvos em um dispositivo de memória para análise posterior. O equipamento não é autopropelido, dependendo de um guincho para ser puxado.
“Nosso foco foi desenvolver um aparelho de baixo custo que permita uma melhor aceitação do mercado, mas temos condições de facilmente adicionar um sistema de propulsão autônoma, se houver demanda”, justifica a física Gabriela Pereira, coordenadora do Pemm da Coppe e pesquisadora responsável pelo projeto Marus.
A expectativa é que o Marus esteja pronto para ensaios até maio de 2021. Na mesma época, o LNDC planeja disponibilizar para testes outro equipamento criado com a Integral. Trata-se de uma ferramenta eletromagnética que permite inspecionar a ocorrência de corrosão em baixo de reparos feitos em tubulações de petróleo. O investimento da Integral nos projetos é de R$ 300 mil. A projeção de Claudio Camerini é de disponibilizar ao mercado, por meio de locação, cinco Marus nos próximos quatro anos.
Sistema robótico
A Ouro Negro, empresa fluminense especializada em tecnologia para a indústria de petróleo e gás, também desenvolveu duas versões de equipamentos para inspeção de risers de perfuração. São sistemas robóticos com autopropulsão e controlados remotamente. O Tatuí, projetado para uso em tubulações com diâmetros entre 2,5 e 5 polegadas (6,3 a 12,7 cm), realiza inspeção visual por meio de uma câmera de alta definição e conta também com um sensor de ultrassom para medição da espessura da parede. Os dados são disponibilizados em tempo real ao operador e gravados.
A outra versão, batizada de Simão, destina-se a dutos com diâmetros de 15 a 25 polegadas (38,1 a 63,5 cm). Ele conta com câmera em alta definição e sensores ultrassônicos para inspeção de solda, medição de fuga de fluxo magnético para detecção de corrosão e análise da espessura de parede por ultrassom. “É um equipamento modular. As configurações de sensores e os métodos de ensaios não destrutivos são definidos conforme a demanda”, diz Julio Guedes, líder da unidade de sistemas robóticos da Ouro Negro. Ele informa que o Tatuí e o Simão estão em testes em dois potenciais clientes, cujos nomes não podem ser revelados. Assim como no projeto Marus, toda a inspeção deverá ser realizada na plataforma.
O engenheiro Edgard de Castro Souza, professor de sistemas de dutos da Universidade do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (Unibp) e que já trabalhou na Petrobras, vê como positivas as iniciativas da Coppe-UFRJ e da Ouro Negro em investir no desenvolvimento de equipamentos para inspeção de risers de perfuração. Segundo ele, são poucos os fornecedores globais desses aparelhos e o sistema comercial adotado não é a venda do equipamento, mas o de prestação de serviços às drillings.
“É um serviço caro, que exige o deslocamento ao Brasil de equipamentos em atividade em outros países”, afirma. Como não há registro de nenhuma operação de inspeção de risers em plataformas offshore no país, não há referências públicas sobre os custos. “A oferta de soluções tecnológicas por empresas locais é uma ótima notícia. Pode diminuir custos e estimular a contratação do serviço no país”, avalia o professor.
Um efeito colateral positivo das duas inovações, segundo os especialistas, é a esperada melhora do trânsito de veículos na cidade de Macaé, já que o vaivém de carretas pelas vias do município transportando os tubos trazidos de alto-mar para inspeção no parque de tubos deverá ser reduzido com a inspeção dos risers no oceano.
Republicar