Nem sempre sementes utilizadas na agricultura germinam de forma adequada – parte delas pode encontrar dificuldade de reter nutrientes e ter pouca produtividade. As estudantes Nicole Melo de Almeida, de 18 anos, e Yasmin Barreto Teles Fonseca, de 19 anos, da Escola Sesi Djalma Pessoa, de Salvador, na Bahia, procuraram uma estratégia para amenizar o problema e criaram um projeto para melhorar as condições de plantio das sementes. Sob orientação do professor de educação científica Fernando Leal Barreiros Moutinho, elas utilizaram microalgas marinhas da espécie Dunaliella salina para revestir as sementes. Foi preciso arrumar um jeito de fazer com que as microalgas, que após um processo de secagem tinham a consistência de um pó, pudessem aderir à superfície das sementes. Para tanto, foi preparado um biofilme feito de amido de mandioca, tubérculo abundante na região em que elas vivem. Os resultados indicaram que 70% das sementes que foram envolvidas com o biofilme deram origem a plantas bem desenvolvidas, ante 40% das sementes que não receberam o revestimento especial. “O resultado foi robusto e o experimento se revelou bastante satisfatório”, afirma Moutinho. Almeida também ficou entusiasmada. “Sempre tive interesse pelo cultivo sem agrotóxicos e a melhoria da produtividade agrícola”, afirma a estudante. Esse interesse é compartilhado por Fonseca, que cultiva uma horta orgânica no jardim de sua casa.
A iniciativa da dupla de Salvador conquistou o primeiro lugar na categoria Ciências Agrárias da 19ª edição da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), que foi realizada entre os dias 15 e 27 de março. As alunas também foram selecionadas para apresentar a inovação na maior feira internacional do gênero, a Regeneron Isef, que acontece em maio nos Estados Unidos, em formato virtual. O projeto começou a ser desenvolvido em 2019 e, por conta disso, não foi muito afetado pelas restrições impostas pela pandemia. “Quase toda a parte experimental, conduzida em laboratório, foi concluída até março de 2020”, explica Moutinho. Almeida, que se formou no ensino médio no ano passado, e Fonseca, que faz o último ano do ensino técnico, conseguiram validar estatisticamente o experimento com a ajuda de professores da Universidade Estadual da Bahia, que elas contataram já durante a pandemia.
A Febrace é a principal feira de ciências brasileira e anualmente reúne na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), na capital paulista, projetos de estudantes do ensino fundamental, médio e técnico de colégios públicos e privados do país. Pela segunda vez, o evento foi realizado de forma on-line, já que no ano passado, em razão do início da pandemia, se tomou a decisão de suspender a montagem dos estandes e de toda a estrutura física da feira de última hora.
Os alunos enviaram vídeos de apresentação dos projetos e a avaliação foi feita por videochamadas. Nessa edição, houve a participação de 295 escolas do ensino fundamental, médio e técnico de todo o país e 482 professores orientadores. A necessidade de manter o distanciamento social, em razão da crise sanitária, fez o número de projetos inscritos cair à metade, mas não desanimou os jovens. Ao todo, houve 1.135 projetos inscritos, submetidos por mais de 3 mil estudantes diretamente, além dos que foram selecionados por meio de 75 feiras regionais afiliadas, resultando em 342 projetos finalistas. Estudantes e professores que se destacaram foram agraciados com mais de 300 prêmios, em sete categorias (Ciências Agrárias, Exatas e da Terra, Biológicas, Saúde, Humanas, Sociais Aplicadas e Engenharias), entre troféus, bolsas de apoio técnico e de iniciação científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e certificados. Os alunos responsáveis pelos nove projetos selecionados para a feira Regeneron Isef também ganharam um notebook, oferecido pela Embaixada dos Estados Unidos. “O número de projetos nessa edição, atípica por causa da pandemia, mostra a capacidade da Febrace de estimular o interesse dos jovens pela ciência. Este ano, tivemos mais tempo para planejar o evento on-line e conseguimos criar uma interface no site da feira mais interativa”, diz Roseli de Deus Lopes, professora da Poli-USP e coordenadora-geral da feira. “O objetivo da feira é fazer os estudantes desenvolverem o questionamento e o pensamento científico. O desafio é estimulá-los a identificar problemas, buscar e criar soluções e conectá-los a instituições de ensino que possam colaborar com seus projetos e trajetórias acadêmicas e profissionais.”
No lugar dos estandes das feiras, os projetos finalistas foram apresentados em vídeo pela internet. As bancas de avaliação se reuniram por meio da plataforma de teleconferência Zoom. Os critérios de avaliação e o rigor na escolha dos projetos seguiram os mesmos parâmetros das edições anteriores. Especialistas como o físico Mikiya Muramatsu, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), e a engenheira Shane Aparecida Soares Goulart, mestre em engenharia de sistemas e computação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), participaram das bancas, que tiveram outros pesquisadores do Brasil e de países como Estados Unidos, Países Baixos, Portugal, Argentina, Reino Unido e Uruguai.
A premiação foi feita em uma cerimônia transmitida pelo YouTube. A expectativa é que o evento volte a ser realizado presencialmente em 2022, na esperança de que pandemia esteja controlada até lá. Na categoria Ciências da Saúde, o projeto vencedor foi criado por cinco alunos da Escola Deputado Joaquim de Figueiredo Correia, da cidade de Iracema, no Ceará, que analisaram o potencial da lagarta Zophobas morio em quebrar as moléculas de plástico. “Nosso objetivo era arrumar uma forma de degradar sacolas plásticas, que são descartadas em grande quantidade”, explica a aluna Alaíde Hellen Bezerra Silva, de 17 anos. A lagarta usada no projeto é comum no interior cearense. “Por meio de observações empíricas, achamos que podia haver um potencial para degradar polímeros, o que acabou se comprovando”, diz Silva. Como a escola estava fechada, os alunos construíram em casa um biodigestor feito de um tubo de PVC e um pote de margarina vazio em cada ponta. “Precisava ser algo fácil de construir”, diz Silva. Dentro do tubo, era colocada uma sacola plástica com exemplares de Zophobas morio, que de fato destruíram a sacola. Os alunos pretendiam ensinar os moradores locais a reproduzir o biodigestor de tubo PVC, mas, em razão da pandemia, não foi possível concluir essa fase do projeto. “Foi realmente uma pena”, lamenta.
O estudante Guilherme Beyruti Surányi, de 17 anos, precisou contar com a ajuda de amigos e familiares para testar o protótipo que criou. Aluno do Colégio Santa Cruz, tradicional escola privada de São Paulo, ele teve a ideia de desenvolver um robô submersível com diversas entradas para sensores capazes de monitorar condições do oceano, como temperatura, luminosidade e grau de acidez da água. A ideia surgiu depois de uma viagem feita com professores da escola ao arquipélago de Abrolhos, na Bahia, para estudar ciências biológicas e o ambiente, no final de 2019. “Percebi que equipamentos com sensores, tipo drones submarinos, podem ajudar a estudar a vida marinha e mudanças físicas nos oceanos”, explica o aluno. Surányi construiu o protótipo em casa. Os sensores e filamentos de impressão 3D foram comprados pela internet. Ele também utilizou canos de PVC e impressão 3D para montar o equipamento. Ao todo, o robô, cuja forma é de uma caixa de 35 centímetros de altura, custou R$ 1.000. O difícil foi testá-lo. Os filamentos demoraram a chegar. “Houve uma fase, no ano passado, em que até o comércio global ficou prejudicado”, lembra. Sua família decidiu se resguardar e evitar viagens por causa da pandemia. Sem poder ir à praia, o aluno fez experimentos com o robô em piscinas. Mesmo assim, conseguiu desenvolver o protótipo em seis meses – e testá-lo com sucesso. O projeto levou o primeiro lugar na categoria Engenharia. Aluno do 3º ano do ensino médio, Surányi se prepara para o vestibular de engenharia. “Sempre gostei dessa área”, conta. Aos 10 anos, o estudante visitou a Febrace, levado por seu pai, e se interessou em criar inovações para apresentar na feira. “Na viagem a Abrolhos, me questionei sobre que tipo de ferramenta poderia ser útil para examinarmos melhor o ambiente marinho.” Esse tipo de curiosidade vai ao encontro do propósito da Febrace. “Queremos justamente que os estudantes observem e compreendam profundamente os problemas que encontram dentro de casa, na escola e nos ambientes que frequentam. E que pensem e criem soluções para eles”, diz Roseli Lopes. Ao participar do evento, os alunos também desenvolvem a capacidade analítica. “Em geral, os próprios estudantes levantam perguntas complexas em relação à compreensão e resolução dos desafios propostos”, explica. Alunos de uma escola estadual de Flores, no interior de Pernambuco, desenvolveram um produto líquido feito de amido do arroz que, ao ser borrifado no ovo, diminui as trocas gasosas com o ambiente e a perda de massa do produto. Com isso, a proliferação de microrganismos é reduzida, o que aumenta a durabilidade do ovo em temperatura ambiente. O projeto levou o segundo lugar em Ciências Agrárias.
A sustentabilidade foi outro foco dos projetos. Um exemplo foi o robô limpador de lixo em praias, que levou o segundo lugar na categoria Engenharia. Desenvolvido por alunos do Colégio Técnico de Campinas, em São Paulo, o equipamento, com dois motores, um microprocessador e um sensor, separa o lixo da areia. “A ideia é que o robô faça toda a operação sozinho, incluindo o descarte do lixo”, explica o estudante Felipe Barbetti de Grabalos, que fez o trabalho ao lado dos colegas Fernando de Araujo Sacerdote e Nathan Tiago Pagliatto de Liz. “Para que o robô se transforme em produto será necessário um esforço bem maior e conhecimentos mais avançados do que os que temos. O que fizemos foi uma provocação, mostrando que existem soluções.” É o que a Febrace espera dos alunos. “O senso crítico que os jovens desenvolvem, o aguçamento da curiosidade, a busca pelo saber científico e potencial criador e realizador na área tecnológica são preciosidades que eles levam para o resto da vida”, diz Lopes.
Republicar