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Júlio Voltarelli

Júlio Voltarelli, pioneiro em pesquisa com células-tronco, morre aos 63 anos

Professor da USP buscava o tratamento de doenças autoimunes, como diabetes tipo 1

Eduardo CesarVoltarelli durante palestra em 2007Eduardo Cesar

Agência FAPESP – O imunologista Júlio César Voltarelli, um dos pioneiros da pesquisa em células-tronco no Brasil, morreu na quarta-feira (21/03), aos 63 anos.

Professor titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP), Voltarelli estava internado no hospital Santa Isabel, em Blumenau (SC), desde 9 de março, quando passou por um transplante de fígado – estava com hepatite C. O corpo foi levado a Ribeirão Preto para o velório e o sepultamento. A Prefeitura de Ribeirão Preto decretou luto oficial de três dias.

Voltarelli coordenava o Laboratório de Imunogenética e a Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital das Clínicas da FMRP-USP. Era um dos pesquisadores principais do Centro de Terapia Celular, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.

O cientista graduou-se em Medicina pela FMRP-USP (1972) e fez residência FMRP-USP (1973-74), mestrado (1975-1978) e doutorado (1978-1981) pela mesma faculdade. Nos Estados Unidos, fez pós-doutorado na Universidade da Califórnia em San Francisco (1985-86), no Fred Hutchinson Cancer Research Center em Seattle (1987-88) e no Scripps Research Institute em San Diego.

Com experiência nas áreas de imunologia clínica, hematologia e hemoterapia, suas principais áreas de pesquisa eram: transplante de células-tronco hematopoiéticas para doenças autoimunes e doenças hematológicas malignas e benignas; diagnóstico e tratamento de doenças reumáticas; seleção de doadores para transplantes de rins e de medula óssea; terapia celular de doenças inflamatórias e/ou autoimunes com células-tronco mesenquimais.

Entre diversas conquistas científicas, Voltarelli e seu grupo na FMRP-USP demonstraram um tratamento com base em quimioterapia e transplante de células-tronco que dispensa a maior parte dos pacientes de diabetes tipo 1 das injeções de insulina – e os que têm recaídas precisam de doses bem menores do que antes.

A pesquisa, cujos resultados foram publicados em periódicos como o Journal of the American Medical Association, observou que a maioria dos pacientes permaneceu independente da insulina, com bom controle glicêmico. Além disso, aqueles que precisaram voltar a injetar a substância tomam doses bem mais baixas.

“Aumentamos o seguimento e mostramos que, apesar de verificar recaída em um número de pacientes, a produção endógena de insulina aumenta tanto no grupo que recai como naquele que se torna independente das injeções”, disse Voltarelli em 2009 à Agência FAPESP.

Outra pesquisa de resultados importantes, que contou com a colaboração de Voltarelli, conseguiu reverter déficits neurológicos em estágios iniciais em pacientes com esclerose múltipla a partir do transplante de células-tronco dos próprios indivíduos. As células foram usadas para “reinicializar” seus sistemas imunológicos. A pesquisa foi publicada na revista The Lancet Neurology

Coragem e ética
“Voltarelli foi pioneiro ao mostrar a possibilidade do uso de transplantes autólogos (do próprio paciente) de células-tronco como uma forma de se realizar o tratamento de uma doença imunológica que pode ser aperfeiçoado e aplicado em um grande número de situações. Ele teve a iniciativa e coragem de resolver todos os aspectos que são complicados para realizar um teste com humanos”, disse Marco Antônio Zago, pró-reitor de pesquisa da USP e coordenador do Centro de Terapia Celular, à Agência FAPESP.

Amigo de Voltarelli desde os tempos da graduação, com quem militou no movimento estudantil durante o período militar, Zago ressalta a dedicação do pesquisador à universidade.

“Ele era integralmente dedicado à universidade. Tinha extrema dedicação à graduação e pós-graduação e era uma pessoa de elevados padrões éticos, muitas vezes um provocador, que não fugia a discussão de quaisquer assunto político”, destacou.

A geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano, outro CEPID da FAPESP, também lembra a coragem e o caráter polêmico de Voltarelli, com quem travou algumas discussões científicas nos últimos anos.

“Ele era extremamente positivo, corajoso, e deixa um legado científico muito importante no sentido de abrir as portas para os primeiros ensaios clínicos e tentativas de se usar células-tronco para o tratamento de doenças auto-imunes, como diabetes tipo 1 e a esclerose múltipla”, avaliou.

“Poucos foram tão ousados e corajosos em transformar o conhecimento adquirido na academia em aplicação terapêutica imediata para diversas doenças de cunho imunológico, propiciando grande benefício aos pacientes”, disse sobre Voltarelli o chefe do Departamento de Clínica Médica da FMRP, Luiz Ernesto de Almeida Troncon.

Voltarelli foi o editor do livro Transplante de células-tronco hematopoéticas , o primeiro tratado brasileiro completo sobre o tema. Com quase 1,3 mil páginas, a obra apresenta uma ampla revisão sobre o tema do transplante de células-tronco hematopoiéticas – aquelas que têm potencial para formação de sangue – e revela a experiência brasileira na área, descrevendo os transplantes realizados no Brasil para cada doença.

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