Há algo surpreendente de cara, para não dizer mesmo desconcertante, no livro mais recente de Jaime Pinsky. Porque ante o título e as qualificações do autor é fácil ao leitor desavisado se inclinar a crer que tem em mãos um ensaio erudito sobre os fundamentos culturais e psicológicos da atração que exercem sobre tantos as múltiplas narrativas da história – ou sobre as razões históricas do prazer que a maioria experimenta ao acompanhar bem construídas narrativas reais ou ficcionais, recheadas de peripécias e de personagens intrigantes. Mas, longe disso, Por que gostamos de história é uma coletânea de 60 textos curtos organizados sob oito rubricas, escritos com leveza, fluidez e linguagem clara e concisa que é recomendável observar quando se apresentam ideias e se organizam argumentos em sua defesa para leitores de jornal.
O historiador experimentado que é Pinsky, autor de mais de duas dezenas de livros, professor titular de história da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com passagens também pelas universidades de São Paulo e Estadual Paulista (respectivamente USP e Unesp), aqui assume a face do comunicador, do comentarista que se dirige a um público de contornos imprecisos, no qual pode se ocultar tanto um de seus pares quanto um hipotético trabalhador dono de escassa educação formal e ávido por pistas seguras para desvendar o mundo. Daí, talvez, uma certa hesitação ou experimentação do autor a respeito do tom em que é melhor falar a esse público.
Essa fala pode ser modulada como conselho de professor: “Se não der para ver mais nada no Louvre, se não der para ver mais nada em Paris, namore a Vitória [de Samotrácia] por meia hora. Depois disso, você nunca mais será o mesmo, pois terá visto uma das maiores obras do gênio humano”, ele diz em “Vale a pena ver museus?” (p. 68). Mas o tom pode também revestir-se de um à vontade próprio de uma conversa entre iguais, papo de intelectuais marcado por referências tranquilas a autores, sem necessidade de explicar quem são a cada passo. A certa altura, por exemplo, em “Como furtar a história dos outros” (p. 40-42), Pinsky observa que Jack Goody, “um dos maiores antropólogos da civilização vivos, reconhecido no mundo inteiro”, mas ainda “pouco conhecido no Brasil, embora seja tido como uma espécie de Hobsbawm da antropologia”, percebe “certo desprezo pelo Oriente, que já custou e pode ainda custar mais caro ao mundo ocidental”. E completa: “Assim, ele acusa teóricos fundamentais, como Marx, Weber, Norbert Elias, Braudel, Finley e Perry Anderson por esconderem conquistas do Oriente e mesmo de se apropriarem delas em seus escritos”. Em ambos os artigos, ele se dirige originalmente a leitores do Correio Braziliense, no primeiro caso, em setembro de 2005 e, no segundo, em julho de 2008. Aliás, o jornal mais importante de Brasília foi o destino original da maior parte dos textos do novo livro de Pinsky (p. 219-220), que nele estão agrupados pelos subtítulos História, Cultura, Mundo, Povos e Nações, Cotidiano, Educação, Brasil e Família. Uns poucos textos foram veiculados pela Folha de S. Paulo, Jornal da Unesp, História Viva e Revista Um. Todos eles foram publicados entre 2004 e 2013.
A notar, nessa espécie de exercício do jornalismo pelo historiador, que Pinsky se mostra, em contrapartida, bem receptivo ao trabalho de historiadores amadores, ainda que declare ser favorável à regulamentação da sua profissão. “Nada tenho contra amadores que ousam adentrar no reino de Clio”, informa. Em seu olhar, “bons livros de divulgação histórica têm sido produzidos por leigos. (…) Cabe ao público e à crítica (ela existe?) avaliar a qualidade do que está sendo escrito” (p. 53). E para isso ele recomenda que alguns acadêmicos saiam mais “de sua confortável torre de marfim” e venham a público comentar as obras lançadas em vez de “ficar resmungando pelos corredores contra este ou aquele jornalista que produziu um livro de sucesso. Seria um diálogo rico e honesto” (p. 53-54).
Em tempo: “Por que gostamos de história?” (p .19), com interrogação, é o título do primeiro artigo do livro jornalístico do respeitado historiador Jaime Pinsky, em que se propõe , sem dúvida, um certo jogo de espelhos. E nele o autor nos diz que um dos motivos da popularidade dos livros de história foi explicado por Sófocles há 25 séculos. “Ele dizia que, de todas as maravilhas do mundo, o homem é a mais interessante para os próprios seres humanos” (p. 20).
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