O balanço de cinco anos de um programa que destina recursos de renúncia fiscal para pesquisa e tratamento do câncer evidencia as vantagens e os limites desse modelo para o financiamento de projetos científicos. O Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon) começou a ser implementado pelo Ministério da Saúde em 2013 para incentivar ações de prevenção e combate ao câncer realizadas por instituições de pesquisa e hospitais filantrópicos. Criado pela chamada Lei José Alencar, alusão ao vice-presidente da República entre 2003 e 2010 que enfrentou um câncer durante muitos anos, o Pronon permite às empresas direcionarem 1% do imposto de renda devido a projetos de pesquisa, capacitação e prestação de serviços médicos, em moldes semelhantes aos da Lei Rouanet para a cultura.
Desde 2013, a renúncia fiscal chegou a R$ 496,5 milhões. Dos 239 projetos aprovados, 134 estão atualmente em execução – destes, apenas 23 são de pesquisa. De acordo com o Ministério da Saúde, há um elevado índice de reprovação dos projetos científicos, em parte por não se enquadrarem em prioridades definidas pelas normas do programa, como o desenvolvimento de bancos de tumores e de métodos diagnósticos. “Além disso, não há expertise em pesquisa científica na maioria das instituições credenciadas no Pronon”, diz Ana Cristina Wanzeler, diretora do Departamento de Economia da Saúde, Investimentos e Desenvolvimento do Ministério da Saúde. Segundo ela, a maior parte dos participantes é de hospitais que captam recursos para melhorar o atendimento.
As instituições científicas que participam do programa afirmam que ele representa um complemento importante para as fontes tradicionais de financiamento. O A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo, teve dois projetos de pesquisa aprovados pelo Pronon que somam mais de R$ 7 milhões captados em 2016. “Trata-se de um montante considerável que não conseguimos levantar junto a instituições de fomento”, afirma Vilma Regina Martins, superintendente de pesquisas do A.C. Camargo. A quantia começou a ser aplicada este ano em dois estudos: um que investiga a relação entre a microbiota intestinal e o surgimento de certos tumores e outro sobre o potencial da medicina personalizada. “Usaremos os recursos principalmente para fazer o sequenciamento de DNA de pacientes, análises genômicas e na contratação de técnicos para coletar dados”, explica Vilma. Segundo ela, a permissão para contratar pessoas e pagar salários é um diferencial do Pronon, já que isso costuma ser vedado em projetos financiados por agências de fomento.
Para participar do programa, entidades ligadas à oncologia podem submeter até três projetos por ano. Caso eles sejam aprovados, abre-se um período para a captação dos recursos em empresas. Para utilizar a verba, é necessário arrecadar pelo menos 60% do valor previsto no projeto enviado ao governo. Tanto empresas quanto pessoas físicas podem deduzir 100% do valor investido no imposto de renda, com a condição de que a doação respeite o teto de 1% do imposto devido.
Os valores movimentados têm oscilado bastante (ver gráfico). Além disso, vem diminuindo o limite de isenção fiscal anual fixado pelo governo federal para o programa. Em 2015, foi autorizada uma renúncia fiscal de R$ 90 milhões para o Pronon, abaixo do volume inicial previsto pelas instituições, que chegou a R$ 126 milhões. Em 2017, o teto ficou em R$ 83 milhões. “Essa redução é uma consequência da crise política e econômica no país”, avalia Ana Cristina, do Ministério da Saúde.
Para Henrique Moraes Prata, diretor de responsabilidade social do Hospital de Amor (novo nome do Hospital de Câncer de Barretos), no interior de São Paulo, a regra que fixa um teto é prejudicial ao programa. “Em momentos de aperto, o teto é reduzido, o que pode inviabilizar a continuidade de alguns projetos”, pondera. A participação do Pronon na política nacional de combate ao câncer ainda é pequena em comparação aos gastos federais em oncologia. Em 2013, foram desembolsados R$ 3,46 bilhões em iniciativas de combate ao câncer, como prevenção, cirurgias, diagnósticos, entre outras. Já em 2016, os gastos chegaram a R$ 3,89 bilhões.
A captação do dinheiro fica a cargo das instituições participantes. No caso do A.C. Camargo, essa tarefa foi desempenhada durante alguns anos por uma empresa especializada. Hoje, a instituição mantém uma equipe para fazer o trabalho. Entre as companhias que repassaram recursos para o A.C. Camargo via Pronon destacam-se Bradesco, Grupo Ultra e Vivo. O Instituto do Câncer Infantil do Rio Grande do Sul também tem uma equipe voltada a captar recursos. “São profissionais qualificados para lidar com contratos e editais públicos”, ressalta André Brunetto, coordenador de pesquisas científicas do instituto.
No momento, a instituição conduz três estudos em parceria com o Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Eles totalizam mais de R$ 2,6 milhões em recursos captados por meio do Pronon. Há dois projetos sobre sarcoma de Ewing, câncer que atinge os ossos de pessoas jovens. “Coordenamos um estudo clínico com centenas de pacientes no Brasil. O objetivo é descobrir novos alvos terapêuticos para a doença, que atualmente é combatida com sessões de quimioterapia, radioterapia e cirurgia”, explica Brunetto. Outro estudo busca entender as alterações genéticas relacionadas ao metabolismo e à toxicidade de quimioterápicos.
Para Henrique Prata, do Hospital de Amor, é difícil conseguir levantar em tempo hábil pelo menos 60% do orçamento estipulado nos projetos, conforme determinam as regras do Pronon. “O Ministério da Saúde costuma aprovar os projetos na semana do Natal. Isso torna o processo de captação difícil, porque é uma época em que muitas empresas estão em férias coletivas e fecharam seus balanços.” Isso ocorreu em dezembro de 2017, ele conta. “Tivemos que correr para tentar arrecadar o mínimo necessário na última semana do ano”, diz Prata. O Ministério da Saúde explica que, em casos assim, costuma prorrogar os prazos para a captação de recursos. “Mesmo com as prorrogações, é um prazo curto para apresentar as propostas às empresas”, observa Prata.
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