Está próximo o dia em que o monitoramento dos batimentos cardíacos poderá ser acompanhado a distância pelos médicos. Por meio de miniholters, miniaturas de aparelhos portáteis usados atualmente, chamados de holter 24 horas, a própria pessoa poderá iniciar a gravação de seu eletrocardiograma. É só atar o aparelho ao tórax nos dias e horários determinados pelo médico, por períodos de até duas horas. Em seguida, o miniholter poderá ser acoplado a um computador ou a qualquer outro sistema que permita a conexão com a Internet, como os futuros telefones celulares ou TVs a cabo. Os dados vão ser coletados por uma central de uma clínica ou hospital e, com os resultados dos diversos eletrocardiogramas gravados ao longo de meses, os médicos terão um poderoso instrumento de análise.
“É muito importante não só acompanhar o funcionamento do coração de um paciente por 24 horas, como nos exames tradicionais, mas analisar a variação entre os dias”, afirma o médico Ricardo Geretto Kortas, diretor da KIIM – Kortas Informática Instrumentação Médica, de São Paulo. Ele desenvolveu seis protótipos de miniholters para o projeto Análise Estocástica da Dinâmica Temporal das Arritmias Cardíacas, por Meio da Gravação Intermitente do Eletrocardiograma, por Períodos de Tempo Muito Longos, apoiado pela FAPESP dentro do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE).
O principal conceito para entender a novidade que o miniholter representa é o do processo estocástico, utilizado por matemáticos e engenheiros para análise de séries temporais. “Quando você coleta alguma variável, como, por exemplo, a medição de uma pressão arterial isolada, ela é uma variável aleatória. O registro e acompanhamento dessa variável aleatória ao longo do tempo passa a ter uma seqüência de variáveis (dados estatísticos), ficando mais fácil detectar uma alteração significativa e problemática”, ele explica. Kortas acredita, fundamentado em princípios matemáticos, que o processo estocástico é mais do que multiplicar várias vezes os resultados obtidos em um dia. É analisar o que acontece entre os dias. O médico pode pedir a seu paciente, depois de efetuar o holter tradicional, que leve o miniholter para casa e faça medições em dias e horários diferentes. A variação entre dias pode trazer dados valiosos para análise médica, desde que respeitada toda a metodologia”, diz Kortas.
Esforço de atleta
A diferença entre o holter tradicional, de 24 horas, e o miniholter é que o menor tem menos memória e um software de análise mais simples. Como esse aparelho será utilizado também por atletas, ele possui um sensor de passada, que registra a pressão do impacto do pé no chão, fornecendo informações sobre o esforço das articulações da perna, e faz a relação dos passos com os batimentos cardíacos.
O médico destaca, ainda, a importância da divulgação dos conceitos de análise estocástica, por períodos de tempo muito longos, para a população em geral. “Queremos estender a utilização dos nossos equipamentos para Postos de Saúde e esperamos que, aos poucos, as pessoas entendam que não basta uma medição de pressão eventual para ter certeza de que tudo corre bem. Também é muito importante que façam eletrocardiogramas antes de correr maratonas ou outras competições, porque uma arritmia não detectada anteriormente pode ser fatal na hora da prova.”
Para a execução do projeto, a KIIM recebeu da FAPESP R$ 30 mil na primeira fase, e R$ 183 mil, na segunda, que está em andamento. Além do desenvolvimento do miniholter e do software que permite a análise dos dados numa central, Kortas pretende aperfeiçoar o holter tradicional criado por ele e utilizado em exames no Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo, desde 1995. Também está previsto um aparelho de coleta de pressão arterial semelhante a um relógio de pulso que será desenvolvido com a mesma filosofia – medidas intermitentes por longos períodos de tempo, enviadas a uma central. A análise da pressão arterial constitui uma ampliação do projeto. “A medida da pressão arterial é uma variável aleatória. Não é uma constante absoluta. Tiro sua pressão agora e ela certamente será menor do que depois que você subir uma ladeira ou correr. Com a análise estocástica sofisticada, nós conseguiremos manter a coerência dos dados, coletando fragmentos obtidos com essas medições intermitentes”, afirma Kortas.
Novo centro
A KIIM também fabrica outros equipamentos, como uma esteira onde poderá ser acoplado o miniholter, permitindo o acompanhamento do trabalho cardiovascular de pacientes ou atletas. Kortas acredita que a junção desses dois aparelhos estará disponível inicialmente no Centro de Atividade Física – que deverá ser inaugurado no primeiro semestre do próximo ano – junto ao Hospital Beneficiência Portuguesa.
A iniciativa, segundo Kortas, tem o apoio do empresário Antonio Ermírio de Moraes, presidente do hospital, que cedeu um local para a instalação de 20 esteiras, em que tanto os pacientes em recuperação quanto o público em geral poderão se exercitar e monitorar o funcionamento de seu coração.Para Kortas, o investimento em tecnologia, hoje, pode diminuir a dependência de tecnologia estrangeira amanhã. “É possível fazer uma medicina de altíssima qualidade sem tanto gasto. Não é possível que nos acomodemos e admitamos que daqui até o fim de todos os tempos estaremos importando equipamentos americanos. Eu ajudei a criar tecnologia americana nesta área e sei que posso fazer o mesmo no Brasil.”
Ricardo Geretto Kortas formou-se pela Faculdade de Medicina da USP, em 1974, é mestre em Engenharia pela Escola Politécnica da USP (1979), doutor em Computação e Tecnologia Médica pela Stanford University (1984) e especialista em Medicina Esportiva pela Sociedade Brasileira de Medicina Esportiva (1997).
Projeto
Análise Estocástica da Dinâmica Temporal das Arritmias Cardíacas, por Meio da Gravação Intermitente do Eletrocardiograma, por Períodos de Tempo Muito Longos (nº 98/08172-3); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas – PIPE; Coordenador Ricardo Geretto Kortas; Investimento R$ 213 mil