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Especial Einstein

Luiz Davidovich: A luz e a matéria

Físico descreve os conflitos de Einstein com a física quântica que ele ajudou a criar

Davidovich: a luz no horizonte

Marcia minilloDavidovich: a luz no horizonteMarcia minillo

Além de ter formulado a teoria da relatividade, Albert Einstein investigou durante muitos anos as propriedades da luz. A conclusão a que chegou, de que a luz poderia se comportar como se fosse um corpúsculo, ajudou a embasar a então nascente física quântica, mas contrariava os pressupostos da física clássica, segundo a qual a luz era tão-somente onda. Isso o incomodava profundamente. “Havia vários conflitos de Einstein com a teoria que ele ajudou a criar”, disse o físico Luiz Davidovich, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na palestra do dia 7 de dezembro, “Einstein, a luz e a matéria”.

Davidovich apresentou inicialmente Pierre Laplace (1749-1827), matemático francês que reforçou o determinismo da física clássica com raciocínios como este: “Uma inteligência que em determinado instante pudesse conhecer todas as forças que governam o mundo natural, que pudesse conhecer as posições respectivas das entidades que o compõem e que fosse capaz de analisar todas essas informações teria como abranger em uma única fórmula os movimentos dos maiores corpos do Universo e dos seus menores átomos. Para essa inteligência, nada seria incerto. Tanto o passado quanto o futuro estariam presentes aos seus olhos”. Como o futuro poderia ser conhecido desde que o passado fosse conhecido, não havia espaço para incertezas que logo começariam a brotar.

Até o início do século XX as partículas atômicas eram caracterizadas por sua posição e velocidade, e a luz era apenas onda, com propriedades já bem estabelecidas. As leis do eletromagnetismo criadas pelo físico escocês James Clerk Maxwell relacionavam a frequência de oscilação – a cor da luz – com a velocidade da luz e o comprimento de onda. “A luz que atinge nossos olhos, se vibra muito, transmite a cor violeta; se vibra menos, transmite o vermelho”, exemplificou Davidovich. Também já era conhecido, ele lembrou, o fenômeno de interferência de ondas como as provocadas por duas pedras atiradas em um lago. “Quando o máximo de uma onda encontra o mínimo de outra, as ondas se anulam; quando dois máximos ou dois mínimos se encontram, se reforçam.”

O resultado dessas afirmações é que no final do século XIX os cientistas pensavam que não haveria mais nada a fazer na física; tudo parecia resolvido. Davidovich lembrou de um comentário do físico irlandês William Thomson (1824-1907), mais tarde conhecido como Lord Kelvin: “A física é um céu azul com pequenas nuvens no horizonte”. As pequenas nuvens representavam os problemas ainda abertos, que talvez pudessem ser resolvidos com técnicas matemáticas mais refinadas. “Mas de repente as pequenas nuvens no horizonte se juntaram e formaram uma imensa tempestade”, disse Davidovich. Os dois principais causadores dessa tempestade foram o físico alemão Max Planck, que publicou um estudo em 1900 mostrando que a produção de luz por um corpo aquecido, como um forno de uma siderúrgica, se dava através de pacotes de energia, e Einstein, que afirmou em um artigo de 1905 que a luz poderia se comportar como se fosse constituída de corpúsculos chamados fótons.

Einstein hesitante
O físico inglês Thomas Young já havia estudado bastante a luz e a caracterizado como fenômeno ondulatório em um dos experimentos que fez em 1800: a luz passava por fendas e formava regiões claras e escuras sobre uma superfície colocada depois das fendas, mas essas interferências desapareciam quando ele cobria uma das fendas. “Essa experiência explica a reticência de Einstein em dizer que a luz era constituída de corpúsculos”, comentou Davidovich. Mesmo hesitante, Einstein estudou intensamente a luz nos anos seguintes e em 1909 publicou um artigo em que mostrava, com base em argumentos estatísticos, que as flutuações de energia de radiação tinham um caráter ambíguo, exibindo características de partícula e de onda. “Notem a visão de longo alcance de Einstein, que disse que deveria haver uma teoria que juntasse esses dois aspectos da luz como onda e partícula”, ressaltou.

davidovich2marcia minilloEm 1911, no I Congresso de Solvay, que reuniu os principais físicos do mundo em Bruxelas, na Bélgica, Einstein, o mais jovem dos participantes, insistiu no conceito provisório do conceito de quanta, que apresentava a luz como pacotes de energia, emitida em pequenas quantidades a cada vez, e colidia com “as consequências experimentalmente verificadas da teoria ondulatória”, nas palavras do próprio físico alemão. Mesmo resistente à teoria quântica que começava a emergir, Einstein continuou a estudar a absorção e a emissão da luz.

Por fim, em um trabalho publicado em 1919, demonstrou teoricamente que havia duas maneiras distintas de um átomo passar de um estado com maior energia para um de menor energia emitindo radiação: ele pode emitir um fóton espontaneamente ou então, se estimulado por um fóton, emitir outro fóton idêntico ao que estimulou a emissão. “Nesse caso, da emissão estimulada, chega um fóton e saem dois fótons idênticos”, sintetizou Davidovich. “Os físicos estavam tão obcecados em entender a natureza que não viam aplicação nessa descoberta.” Só em 1960, 43 anos depois, valendo-se desse conceito sobre a emissão de radiação, o físico norte-americano Theodore Maiman construiu o primeiro aparelho emissor de raios laser.

Einstein continuava resistente às suas próprias conclusões de que, no processo de emissão espontânea, seria impossível determinar o instante e a direção em que o átomo liberaria o fóton. Em uma carta que enviou em 1920 a um amigo, o físico dinamarquês Niels Bohr, Einstein declarou que “ficaria muito infeliz se tivesse que renunciar à causalidade completa”. “Os resultados entravam em choque com o determinismo da física clássica”, observou Davidovich. Poucos anos depois outro físico, o francês Louis de Broglie, propôs que não só a luz, mas também partículas elementares da matéria como elétrons e prótons poderiam comportar-se como ondas.

Aos poucos o determinismo de Laplace era enfraquecido e a ideia de que átomos e fótons pudessem se comportar como onda ou partículas ganhava força. “Onda não é mais um ente físico, como uma onda de água, mas um ente abstrato, que descreve uma probabilidade”, disse o físico da UFRJ. “Se essa ideia é difícil para nós hoje, imaginem naquela época.” Einstein não se conformava e, em outra carta a um amigo, o físico alemão Max Born, reconheceu que a mecânica quântica se impunha, embora, para ele, não fosse a última palavra. Seu argumento: “Deus não joga dados”. Pouco depois, em 1927, o físico alemão Werner Heisenberg anunciou o que se tornaria conhecido como princípio da incerteza de Heisenberg, que reforçava o desconforto de Einstein: era impossível conhecer com precisão a velocidade e a posição de uma partícula ao mesmo tempo: aumentar a precisão de uma variável implica reduzir a de outra. A determinação precisa da posição ou do momento envolve experimentos diferentes e complementares. Da mesma forma, a luz comporta-se como onda ou como partícula dependendo do experimento que a examina. “Heisenberg dizia que só havia sentido falar da posição de uma partícula dentro de um contexto experimental projetado para medir essa posição”, disse Davidovich. “Fora desse contexto, a posição não teria uma realidade física.”

Em uma reportagem publicada em 3 de maio de 1935 o jornal norte-americano The New York Times destacou que Einstein atacava a teoria quântica, chamando-a de “incompleta, embora correta”, em um artigo que seria publicado duas semanas depois na revistaPhysical Review com outros dois físicos, o russo Boris Podolsky e o norte-americano Nathan Rosen. Os três examinavam um fenômeno do mundo quântico conhecido como emaranhamento, considerando duas partículas que se separam após uma colisão e para as quais, segundo a física quântica, é possível conhecer apenas a soma de suas velocidades e a diferença de posição entre elas, mas nem a velocidade nem a posição de cada uma individualmente. “Em um estado emaranhado, o conhecimento global não implica conhecimento individual das partículas”, disse Davidovich para a plateia, que tranquilizou em seguida: “Se não entendem, podem ficar tranquilos. Estão em excelente companhia. Ninguém entende direito”.

“Einstein, Podolski e Rosen argumentaram que, medindo a posição ou a velocidade de uma das partículas, poderíamos inferir a posição ou velocidade da outra, mesmo estando distante, a partir do conhecimento da soma das velocidades e da diferença de posições”, comentou o físico do Rio. “Assim, a posição e a velocidade dessa outra partícula deveriam ter uma realidade física, pois essas quantidades poderiam ser determinadas sem interagir diretamente com essa partícula. Desenvolvimentos posteriores da física quântica mostraram, no entanto, que de fato não se pode atribuir uma realidade física simultaneamente à posição e à velocidade de uma partícula.”

Einstein dedicou-se também ao estudo da matéria. Seus trabalhos nessa área, publicados entre 1907 e 1911, mostraram novas propriedades térmicas dos sólidos. Em 1925 Einstein caracterizou teoricamente um novo estado da matéria, o chamado condensado Bose-Einstein, em que todos os átomos estão no estado de mais baixa energia. Esses trabalhos permitiram a construção de lasers de átomos, análogos ao laser de luz criado por Maimam. “A física quântica, apesar de seus aspectos contraintuiti­vos, teve um profundo impacto em nosso quotidiano”, ressaltou Davidovich. O laser, lembrou ele, é usado como base para tratamentos de pele, correção de visão e CDs. A ressonância magnética nuclear, outra aplicação da física quântica, facilita a observação do cérebro humano em funcionamento. Outras aplicações incluem os transistores, que deram origem aos computadores modernos, e os relógios atômicos, com uma precisão de um segundo em 10 milhões de anos.

Hoje a física quântica, que Einstein morreu sem aceitar, cobre fenômenos envolvendo distâncias que diferem de 60 ordens de grandeza (cada ordem de grandeza equivale a um fator 10). Serve para estudar fenômenos que vão de uma escala de 10-35 metros, como as supercordas, estruturas elementares hipotéticas do Universo, até 1026 metros, como o mapa de flutuações da radiação térmica de micro-ondas do Universo. Para dizer que em boa parte a física quântica ainda é misteriosa, Davidovich valeu-se de um comentário de Niels Bohr: “Quem não fica chocado com a física quântica não a entendeu”. O físico da UFRJ encerrou a apresentação com o seguinte comentário: “Parece estranho e parece estranho e parece muito estranho; mas de repente não parece mais estranho, e não conseguimos entender o que fez parecer tão estranho para começar”. Dessa vez a frase não era de um cientista, mas da escritora norte-americana Gertrude Stein sobre a arte moderna do início do século XX.

Einstein, a luz e a matéria
Luiz Davidovich, físico e professor titular  do Instituto de Física da Universidade Federal do  Rio de Janeiro (UFRJ), membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento (TWAS) e da National Academy of Sciences (NAS, Esta­dos Unidos)

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