O Brasil poderá dar, em breve, um salto tecnológico na produção de lasers. A novidade está num cristal usado na geração do feixe de luz que foi desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP). Essa peça é o coração dos equipamentos de laser e poderá levar o país a ingressar no seleto grupo de nações fabricantes de componentes usados em aparelhos compactos que possuem um forte interesse comercial. Esse tipo de equipamento é utilizado em cirurgias oftalmológicas, tratamentos dentários e outras intervenções médicas, como a retirada de marcas de expressões faciais e tatuagens.
“Nossas pesquisas abrem espaço para a produção nacional de lasers compactos”, afirma o físico Luiz Antônio de Oliveira Nunes, coordenador do Laboratório de Lasers e Aplicações (LLA) do IFSC.Para considerar a importância da pesquisa feita em São Carlos, é necessário entender que um laser – palavra formada pelo acrônimo em inglês de Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation, ou amplificação de luz por emissão estimulada de radiação – é constituído por um meio ativo (nesse caso um cristal, mas poderia ser um gás ou um líquido) adaptado a uma cavidade óptica (espaço entre dois espelhos onde a luz é confinada e passa várias vezes pelo cristal) onde acontece a geração de luz.
Para tanto, é necessário que o meio ativo receba uma fonte de energia externa como uma lâmpada de flash ou um outro laser (de diodo, menor e mais barato). Quanto maior a capacidade de absorção e conversão da energia luminosa da fonte externa de luz laser, mais eficiente é o meio ativo.
No caso do laser desenvolvido pelos pesquisadores da USP,o cristal é uma fibra monocristalina. Isso significa que ela não é um agregado de pequenos cristais como no caso, por exemplo, das cerâmicas. Trata-se de apenas um grão crescido em três dimensões. Para obter o cristal, os pesquisadores usaram compostos químicos com óxidos dos minerais ítrio, neodímio e vanádio que reagem entre si e compõem a fórmula YVO4:Nd3+.
“A fibra monocristalina com formato de um cilindro e medindo cerca de 0,5 milímetro de diâmetro e 1 milímetro de comprimento pode substituir os chamados cristais bulk – peças maiores obtidas por técnicas de crescimento de cristais sofisticadas e de alto custo – utilizados normalmente para a produção de aparelhos de laser compactos”, explica a química Andrea Simone Stucchi de Camargo, da equipe de pesquisadores. Os dois materiais, a fibra e o cristal bulk, têm propriedades ópticas, físicas e mecânicas idênticas, só diferindo no tamanho.
“Nosso trabalho consistiu no estudo das características ópticas e do comportamento dos íons ativos nessa fibra para otimizar os processos de absorção e de emissão de luz”, conta Andrea. O laser com a fibra emite um feixe de luz na região do infravermelho, com comprimento de onda de 1.064 nanômetros (nm), que corresponde a uma freqüência invisível. Adaptado a um outro tipo de cristal, esse laser dobra de freqüência, para 532 nm, e apresenta luminosidade verde.
Cooperação fundamental
A fibra no seu formato bruto foi desenvolvida pelo Grupo de Crescimento de Cristais do mesmo IFSC, sob supervisão do físico José Pedro Andreeta. “Nós preparamos o material, mas não tínhamos como medir todas as suas propriedades. O trabalho cooperativo com o Laboratório de Lasers e Aplicações foi fundamental para o sucesso do trabalho”, afirma Andreeta. As informações trocadas entre os pesquisadores permitiram que a fibra fosse aprimorada e se tornasse tão eficiente quanto um cristal bulk comercial. “Levamos quatro anos para conseguir um bom resultado.”
Além do tamanho menor, uma das vantagens da fibra monocristalina em comparação aos cristais bulk é que sua produção é muito mais rápida e bem mais barata. As fibras ficam prontas em cerca de minutos ou horas, enquanto o bulk demora dias ou semanas para atingir o tamanho ideal. Para sua obtenção, os pesquisadores recorreram a um processo chamado Crescimento Pedestal por Aquecimento a Laser, conhecido em inglês como Laser Heated Pedestal Growth Technique (LHPG).
“Essa técnica já era conhecida há alguns anos, mas ninguém havia conseguido desenvolver uma fibra como a nossa com as características ideais do cristal bulk“, conta Andrea. “Esse cristal é muito difícil de ser obtido porque durante o crescimento freqüentemente ocorre a formação de defeitos estruturais.” O processo LHPG dura cerca de 40 a 50 minutos para fazer crescer uma fibra com aproximadamente 3 cm. “O equipamento para crescimento da fibra foi desenvolvido por nós com recursos da FAPESP e apresenta resultados melhores do que o existente em muitos países”, afirma o físico José Andreeta.
O ineditismo da pesquisa rendeu a divulgação de artigos em publicações científicas internacionais, como a revista Optics Letters, em janeiro deste ano. Em fevereiro, o trabalho também foi alvo de uma reportagem publicada na revista norte-americana Photonics Spectra, especializada na área comercial de lasers.
Mas a maior prova do sucesso do trabalho, segundo os pesquisadores, foi a apresentação dos resultados na Conference on Lasers and Electro Optics (Cleo2003) realizada na cidade de Baltimore, nos Estados Unidos, em junho do ano passado. “A minha apresentação despertou grande interesse, tanto que fui convidada pelo pesquisador norte-americano Steve Payne, um dos mais renomados nessa área, para repetir a apresentação no Lawrence Livermore National Laboratories, um centro de pesquisa de temas de segurança nacional localizado no Estado da Califórnia”, conta Andrea.
Apesar do sucesso e da viabilidade comercial do equipamento – embora ainda necessite de novos desenvolvimentos para chegar ao mercado -, o grupo ainda não requisitou patente do dispositivo nem da fibra monocristalina, mas mantém conversações com empresários interessados em industrializar e vender a novidade.
O próximo desafio dos pesquisadores do Laboratório de Lasers e Aplicações é o estudo de uma cerâmica transparente composta por titanato de chumbo, lantânio e zircônio, chamada PLZT, para ser usada como meio ativo para geração de laser. Essa cerâmica é conhecida desde os anos 1960 por suas propriedades elétricas, mas até pouco tempo nãohavia preocupação em estudar suas propriedades ópticas. O interesse por esse novo material é que, depois de dominado o processo de fabricação, ele será mais barato e mais rápido de ser produzido do que os cristais. Além disso, não haverá limitação de tamanho – nem os cristais bulk nem as fibras monocristalinas podem ser crescidos em proporções muito grandes, ao contrário da cerâmica, que pode ser fabricada, a princípio, em qualquer dimensão.
Os projetos
1. Crescimento e Avaliação das Propriedades Físicas de Fibras Monocristalinas Preparadas em Atmosferas Controladas (nº 98/16319-4); Modalidade Linha Regular de Auxílio à Pesquisa; Coordenador José Pedro Andreeta – IFSC/USP; Investimento R$ 47.967,60 e US$ 59.919,00
2. Espectroscopia Óptica de Fibras Monocristalinas (nº 99/06830-6); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Pesquisa; Coordenador Luiz Antonio de Oliveira Nunes – IFSC/USP; Investimento R$ 36.327,56 e US$ 67.250,00