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Fotônica

Luz na dose certa

Nova geração de fibras ópticas abre espaço para o aumento da capacidade das redes de telecomunicações e traz novidades para a medicina

MIGUEL BOYAYANPré-forma: a partir desse material, que possui alguns centímetros, são produzidas as finas fibras ópticasMIGUEL BOYAYAN

O aprimoramento de uma nova geração de fibras ópticas – chamadas de fibras fotônicas (ou fibras de cristal fotônico, do inglês photonic crystal fiber ) – abre grandes perspectivas para o aumento da capacidade das redes de telecomunicações. É uma nova tecnologia que permite a produção de fibras desenhadas para usos específicos em áreas tão diversas como astronomia, equipamentos industriais, relógios de precisão, componentes para computadores mais rápidos que os atuais e diagnóstico por imagem – um protótipo de um endoscópio com uma única fibra, dezenas de vezes menor que os convencionais, já foi produzido na Austrália.

Nas telecomunicações, a maioria das pesquisas se dirige para o desenvolvimento de fibras fotônicas para usos específicos em áreas que apresentam gargalos como a necessidade de aumento da velocidade em equipamentos de transmissão e recepção (amplificadores, conversores etc). Também são candidatas a substituir os velhos cabos de cobre que conectam a rede de telecomunicações até os usuários. São novidades que estão na vanguarda tecnológica de centros acadêmicos na Inglaterra e na Austrália ou, como desenvolvimento de aplicações, em mais de 60 grupos de pesquisa no Centro Nacional de Metrologia de Freqüência, da França, Instituto Max-Planck, da Alemanha, e o Laboratório Nacional de Pesquisa em Metrologia do Japão, além de vários institutos de pesquisa nos Estados Unidos, Itália e Israel.

No Brasil, as novas fibras são objeto de estudo de alguns grupos de pesquisa do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que fazem parte do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF). Também há grupos que estudam as fibras fotônicas na Universidade Estadual Paulista, de Araraquara, e no Instituto de Estudos Avançados do Centro Técnico Aeroespacial, em São José dos Campos, onde há uma equipe envolvida com trabalhos teóricos sobre as possibilidades das estruturas fotônicas.

Com mais de 30 anos de pesquisas na área de fibras ópticas, a Unicamp, além de ter formado dezenas de profissionais, já repassou tecnologias e possui contratos de parcerias para o desenvolvimento de inovações com várias empresas. Um trabalho que passa agora ater nas fibras fotônicas um dos pilares da tecnologia de ponta da área. Os estudos foram intensificados no intercâmbio com os dois centros pioneiros mundiais no desenvolvimento dessas fibras: o Grupo de Fotônica e Materiais Fotônicos, da Universidade de Bath, na Inglaterra, e o Centro de Tecnologia de Fibra Óptica, da Universidade de Sydney, na Austrália.

Os pesquisadores de Bath desenvolveram, no início da década de 1990, o conceito de fibras fotônicas. Em novembro de 1995 eles fizeram a primeira fibra fotônica do mundo. Até 2001 esse tipo de fibra era fabricado em vidro (principalmente sílica), quando o grupo de Sydney elaborou a mesma estrutura em polímeros. No início de novembro deste ano um dos principais pesquisadores de Bath, o professor Jonathan Knight, que fez a primeira fibra fotônica, esteve em Campinas com patrocínio da FAPESP. Na mesma época, o grupo da Unicamp recebeu a visita de Maryanne Large, pesquisadora australiana que desenvolveu as fibras fotônicas plásticas. Os dois pesquisadores deram palestras e acompanharam os trabalhos realizados na Unicamp.

Para entender as novidades do funcionamento das novas fibras criadas por esses pesquisadores é preciso compreender primeiro como funcionam as fibras ópticas tradicionais. Elas são feitas por um núcleo e uma camada externa, ambos quase sempre de sílica. Sua capacidade de confinar a luz e fazê-la viajar em seu interior com as informações que se quer transmitir se baseia na alta transparência do vidro e no fato de o núcleo ter sempre um índice de refração superior ao da camada externa.

Essa diferença de índice permite aprisionar a luz porque a interface entre materiais com altos e baixos índices de refração funciona como um espelho que facilita o percurso da onda luminosa no interior desses dispositivos. Para ter um índice de refração superior ao da camada externa, a sílica do núcleo é enriquecida (dopada) com átomos de outro material como germânio e boro. O processo requer um excelente controle da química do vidro porque é nessa fase que se define boa parte das características da fibra e, por conseqüência, do sinal que será transmitido.

Uma das diferenças entre as fibras tradicionais e as novas é que as fotônicas não se baseiam em dopantes químicos para a obtenção de variações no nível de refração. Elas possuem um núcleo (que pode ser de sílica, polímero ou mesmo ar) envolto por um conjunto regular de diminutos buracos de ar na forma de túneis, que correm paralelos ao longo de toda a fibra. No caso das fibras de núcleo sólido (sílica ou plástico), considera-se que o guiamento se deva ao fato de a parte externa da fibra ter sido “dopada” com ar, um material com menor índice de refração. Surpreende, porém, que a luz possa também ser guiada em fibras de núcleo oco, viajando no ar.

Toda a física tradicional mostra que a luz prefere viajar em materiais com altos índices de refração e o ar tem o mais baixo deles. Um comportamento estranho que é possível de ser aplicado para esse tipo de fibra fotônica com base em princípios físicos diferentes daqueles que regem as fibras tradicionais. Na década de 1980, físicos descobriram que materiais estruturados na escala do comprimento de onda da luz – uma fração de micrômetro – podiam ter suas propriedades ópticas radicalmente alteradas.

São os cristais fotônicos, assim chamados porque sua estrutura interna, regular como a de um cristal, permite controlar o guiamento da luz. No caso das fibras fotônicas de núcleo oco, os espaços entre os buracos de ar na parte que envolve a fibra devem ter dimensões da mesma ordem do comprimento de onda da luz que se pretende guiar no seu núcleo. A região microestruturada cria então, ao redor do núcleo, uma zona proibida para certos comprimentos de onda, um band gap , obrigando a luz a ficar confinada no núcleo da fibra. É dessa forma que a mesma sílica da fibra tradicional, agora com uma estrutura regular de diminutos túneis de ar, passa a funcionar como um novo material, com propriedades ópticas inéditas.

As vantagens das fibras fotônicas em relação às convencionais é a possibilidade de projetar sua microestrutura de maneira que a fibra apresente propriedades escolhidas segundo a necessidade de cada caso. Assim é possível projetar e fabricar fibras para um amplo espectro de aplicações, aumentando a concentração de luz ou alterando a sua própria freqüência, para citar apenas alguns exemplos. “É uma nova tecnologia que permite ter diferentes tipos de fibras desenhadas com propriedades específicas”, frisou o físico britânico Jonathan Knight durante sua visita à Unicamp.

Uma das boas perspectivas das fibras fotônicas está nas telecomunicações, área em que há três décadas as fibras ópticas promovem uma verdadeira revolução, com ganhos de velocidade em relação aos fios de cobre. “As atuais limitações das fibras ópticas tradicionais devem-se ao fato de a luz viajar no vidro. Uma vez libertadas dessa amarra, o potencial é imenso”, diz Knight. Ele se refere ao fato de a interação entre o vidro e a luz causar perda de potência e dispersão do sinal luminoso, um problema no caso de percursos longos. A dispersão, entre outras características, provoca o alargamento do comprimento de onda do sinal luminoso a ponto de torná-lo irreconhecível. Já a perda de potência chega a ser de 96% em 100 quilômetros. Esses problemas hoje são contornados com amplificadores de sinal e outros dispositivos, mas eles limitam o potencial da rede porque não recuperam integralmente o sinal.

“Com as fibras fotônicas é possível controlar muito melhor a dispersão e, teoricamente, reduzir a perda a quase zero”, garante Knight. Foi a confiança nesse potencial, aliás, que levou o físico a fundar em março de 2001, junto com seus colegas, uma empresa, a Blaze Photonics, para desenvolver fibras fotônicas capazes de substituir os atuais cabos transatlânticos, que hoje dependem de amplificadores caríssimos e de manutenção com submarinos. A empresa acabou vendida por £ 3 milhões (quase R$ 15 milhões) para a Crystal Fibre, uma empresa dinamarquesa. A venda foi antes de a Blaze atingir um protótipo comercial, mas Knight considera promissores os resultados obtidos. “Não chegamos a obter uma perda menor do que a das fibras convencionais, mas essas levaram três décadas se aperfeiçoando e estão no limite de suas possibilidades tecnológicas, enquanto nós avançamos muito rápido em pouco tempo.”

Dentro dos amplificadores
Se para transmissões em longas distâncias as fibras fotônicas ainda não apresentam vantagens, seu desempenho superior em muitas áreas já as converteu em opção para o desenvolvimento de novos dispositivos usados em telecomunicações como amplificadores de sinal, controladores de dispersão e conversores de comprimento de onda. Para aumentar a quantidade de informação transmitida nesses equipamentos hoje, por exemplo, é necessário usar um leque maior de comprimentos de onda diferentes para transmitir simultaneamente muitos dados na mesma fibra. Os amplificadores convencionais, porém, só amplificam uma pequena faixa de comprimento de onda. A solução são os amplificadores paramétricos, que operam numa faixa muito maior (veja Pesquisa FAPESP nº 81).

No CePOF da Unicamp, Hugo Fragnito trabalha no desenvolvimento desses amplificadores desde 2000 e este ano iniciou uma colaboração científica com o grupo de Bath. A idéia é desenvolver fibras fotônicas especialmente projetadas para aumentar ainda mais a banda dos amplificadores paramétricos. Para concretizar essa colaboração, Paulo Dainese, aluno de Fragnito, trabalhou três meses com o grupo de Knight em Bath.Na Unicamp, o grupo de Luiz Carlos Barbosa, com os alunos Enver Chillcce e Sérgio Ozório, também estuda a produção de suas próprias fibras fotônicas desde 2002, projeto que agora toma impulso com a volta de Cristiano Cordeiro, que fez pós-doutorado nessa área na equipe de Knight, na Universidade de Bath.

Recém-chegado ao Brasil, e com bolsa de pós-doutorado da FAPESP, Cordeiro continuará agora suas pesquisas na universidade, voltadas para o desenvolvimento e caracterização de fibras fotônicas com propriedades ópticas não-lineares. São fibras com capacidade de alterar o comprimento de onda da luz que as atravessa. As pesquisas de Cordeiro pretendem também explorar outra possibilidade das fibras fotônicas, que é a geração de super contínuo. Trata-se de uma luz muito forte e de comprimento de onda extenso para ser usada, por exemplo, em experimentos de espectroscopia (caracterização de materiais), metrologia e num tipo especial de tomografia que fornece, de maneira não invasiva, imagens tridimensionais de tecidos biológicos (a tomografia de coerência óptica).

As novas possibilidades tecnológicas abertas com o super contínuo eram impensáveis com as fibras tradicionais. “Quero trabalhar e fabricar fibras fotônicas para essas aplicações que são também objeto de estudo de vários grupos brasileiros”, diz Cordeiro. Um exemplo é a equipe coordenada por Nilson Dias Vieira, do Instituto de Pesquisas Nucleares e Energéticas (Ipen). Ele planeja utilizar fibras fotônicas para geração de super contínuo a ser usado em experimentos de tomografia de coerência óptica. A recente visita de Knight selou o fornecimento de fibras ópticas produzidas em Bath para o laboratório brasileiro. Isso vai acontecer, inclusive para os experimentos de Cordeiro, enquanto as fibras fotônicas brasileiras não são produzidas.

Outro projeto de Cordeiro é tentar, em colaboração com Maryanne, produzir no Brasil fibras fotônicas de plástico (polímero). Essas fibras têm um nicho potencial de mercado nas redes de telecomunicações: substituir as conexões dos usuários finais, área ainda dominada pela tecnologia de cabos de cobre que se transforma em um empecilho para o aumento da velocidade de transmissão. Com o plástico, as vantagens em relação ao vidro são evidentes: é mais barato, menos frágil e seu método de fabricação permite desenvolver um leque muito mais amplo de estruturas fotônicas, além de ser possível dopar o material com uma diversidade muito maior de substâncias e com quantidades bem maiores do que aquelas toleradas pelo vidro.

Assim, o plástico supera a desvantagem de sua menor transparência, irrelevante no caso de distâncias pequenas.Na fase de fabricação, as fibras de polímero possuem características diferentes das tradicionais de vidro que são produzidas a partir de uma pré-forma de alguns centímetros, composta por pequenos tubos de vidro empilhados de forma a compor a estrutura desejada. Aquecida, essa pré-forma é puxada até converter-se numa fibra da espessura de um fio de cabelo (125 microns), que mantém, em escala microscópica, a mesma estrutura da pré-forma original. O sistema só permite produzir as estruturas que podem ser feitas por meio desse empilhamento. Já as fibras de plástico possibilitam fazer qualquer tipo de estrutura, basta usar uma furadeira especial controlada por computador para produzir na pré-forma a seqüência desejada de buracos.

Conexão de chips
O desenvolvimento dessas fibras pela equipe de Maryanne tem aplicação potencial não só nas conexões da rede com os usuários finais como em amplificadores e lasers e nas conexões internas de computadores e outros equipamentos. “Os dispositivos eletrônicos que conectam os chips de um computador não podem operar acima de certas velocidades porque se transformam em antenas que emitem e captam sinais para o ar. As nossas fibras poderão servir para fazer essas conexões com uso de luz, permitindo transmissões em velocidades milhares de vezes superiores às atuais”, explica Maryanne.

Algumas aplicações das fibras fotônicas já estão deixando de ser apenas especulações. A equipe de Sydney produziu, por exemplo, um protótipo de endoscópio dezena de vezes menor do que os convencionais porque transmite a imagem por uma única fibra óptica. Além de ser mais confortável para os pacientes que passam pelos vários tipos de exames endoscópicos, a nova tecnologia permite melhor visualização para o médico. Isso acontece porque a fibra plástica microestruturada tem dezenas de núcleos microscópicos por onde a luz é transportada. O aparelho deverá primeiro orientar implantes de próteses no ouvido interno.

O Projeto
Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF), da Unicamp (nº 05/51689-2); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Coordenador Hugo Fragnito – Instituto de Física da Unicamp; Investimento R$ 1.000.000 por ano (FAPESP)

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