Depois de decifrar o genoma da Xylella fastidiosa e se aproximar da conclusão dos projetos genoma cana, câncer e Xanthomonas axonopodis pv citri, pesquisadores ligados à Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos – Onsa, a rede virtual de laboratórios de pesquisa genômica criada pela FAPESP, iniciam a decodificação dos genomas de duas outras bactérias: o da variedade da Xylella responsável pela destruição das videiras e o da Leifsonia xyli subsp.xyli, conhecida anteriormente como Clavibacter, que ataca o talo da cana-de-açúcar. Os dois projetos se desenvolvem no âmbito de um novo programa, batizado de Genomas Ambientais e Agronômicos.
O projeto de seqüenciamento da Xylella das videiras será desenvolvido em parceria com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). A bactéria, parente próxima da Xylella fastidiosa, ameaça as videiras da Califórnia, região produtora de vinhos nobres. Igualmente transportada por espécies da cigarrinha, a Xylella da vinha provoca a doença de Pierce, que entope os vasos que transportam a seiva, causando a redução de tamanho e amarelamento das folhas e a morte da planta. O resultado é um prejuízo anual estimado em US$ 40 milhões.
O acordo de cooperação entre o USDA e a FAPESP já está assinado. As duas instituições vão dividir um investimento de US$ 500 mil na aquisição de seis máquinas de última geração que serão utilizadas na decodificação do genoma. Os resultados serão divulgados até agosto de 2001. O projeto de seqüenciamento do DNA daXylella da videira foi disputado por laboratórios norte-americanos. Na tentativa de fechar o acordo com o USDA, os pesquisadores do Joint Genome Institute (JGI) de Walnut Creek, na Califórnia, se ofereceram para realizar a leitura do DNA da bactéria em duas semanas e, posteriormente, chegaram a reduzir esse prazo para apenas um dia. Mas a pressa pode ser inimiga da perfeição.
Edwin Civerolo, do Serviço de Pesquisa Agrícola (ARS) do USDA, declarou à Folha de S. Paulo que “nunca ficou claro como esse seqüenciamento poderia ser feito tão rápido”. Além disso, a equipe do JGI não se comprometia a fazer as anotações do genoma, ou seja, identificar, entre milhões de “letras” químicas, as receitas de proteínas específicas. Essa omissão contou pontos a favor da rede Onsa. “Tempo é um parâmetro crítico, mas a qualidade e a interpretação dos dados também”, comentou à Folha o responsável por programas internacionais no ASR/USDA, Richard Greene. O Brasil ganhou a disputa e o JGI ficou com a tarefa de seqüenciar outra cepa daXylella que ataca plantas da amendoeira.
Genômica comparativa
O acordo com os americanos é estratégico, uma vez que coloca o Brasil como parceiro de uma instituição do porte de um USDA, uma espécie de Ministério da Agricultura dos Estados Unidos, e reafirma o interesse internacional pelo programa funcional da Xylella, praga que ataca mais de 150 plantas em todo o mundo. “Não se trata de venda de serviços, mas de uma pesquisa de importância científica que permitirá a genômica comparativa das Xylellas da uva e da laranja e que pode ajudar a entender a patogenicidade de cada uma delas”, diz José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP.
No caso da Xylella da videira, os pesquisadores brasileiros vão utilizar a mesma estratégia adotada na decodificação do genoma do Xanthomonas axonopodis pv citri para facilitar a anotação. “Não vamos seqüenciar o genoma completo”, explica Marie-Anne Van Sluys, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), que, junto com Mariana Cabral de Oliveira, coordena o projeto. O genoma da bactéria que ataca as vinhas deve ter entre 2,7 milhões e 3 milhões de pares de base. Serão seqüenciados pedaços aleatórios do genoma, de tal forma a cobrir entre 1.000 e 4.000 pares de base, ou seja, a oitava parte do genoma. “A nossa intenção é chegar o mais próximo possível da cura e caminhar na direção do controle da doença”, afirma Marie-Anne.
Os resultados também permitirão identificar semelhanças e diferenças que possam existir entre a Xylella dos citros e a da videira e até mesmo confirmar se as duas bactérias são mesmo variedades distintas da Xylella, já que a classificação atual foi feita por critérios convencionais da bacteriologia e não pelo seqüenciamento do genoma.
Genoma da Leifsonia
O programa de seqüenciamento do genoma da Leifsonia xyli subsp.xyli também será resultado de cooperação internacional. A proposta de parceria foi feita por um instituto de pesquisa da Austrália, país produtor de cana-de-açúcar que convive com a praga nas touceiras da planta. Também será co-financiado pela Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar), que já tinha manifestado interesse em patrocinar a pesquisa. Neste caso, será seqüenciado o genoma completo da bactéria, que, os pesquisadores suspeitam, deve ter algo em torno de 3 milhões de pares de base.
A Leifsonia se desenvolve no mesmo núcleo ecológico da Xylella, mas com hospedeiro distinto, no caso a cana-de-açúcar, e é transmitida pelo caldo da cana que fica no facão, na hora da colheita. A decodificação do genoma deverá expor os genes envolvidos com a patogenicidade da bactéria e permitir a identificação dos genes-candidatos ao controle da doença. “Queremos observar se ela tem os mesmos padrões quando em contato com a uva ou com a laranja”, explica Luís Eduardo Aranha Camargo, do Departamento de Fitopatologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP.
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