Um estudo que analisou dados coletados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) entre 2005 e 2015 apontou uma tendência de aumento na mortalidade de homens por câncer de mama no Brasil. De acordo com o levantamento, realizado por um grupo da Faculdade de Medicina do ABC, de Santo André, houve 1.521 óbitos atribuídos à doença entre a população masculina com idade superior a 20 anos durante esse período. Em 2015, entre os homens, esse tipo de tumor provocou 187 vítimas fatais, número três vezes maior do que em 2005. O aumento se concentrou em duas faixas etárias: pacientes entre 50 e 54 anos e com mais de 80 anos. “Precisamos entender por que isso está ocorrendo”, diz o epidemiologista Jean Henri Maselli-Schoueri, autor principal do artigo. O trabalho foi publicado em 7 de janeiro deste ano na revista científica BMC Cancer.
A ocorrência de câncer de mama em homens é cerca de 100 vezes menos frequente do que nas mulheres e a quantidade de mortes representa 1% do total de óbitos ocasionados por esse tipo de tumor. Segundo Maselli-Schoueri, não está descartada a hipótese de o aumento na mortalidade masculina estar relacionada a uma maior notificação do câncer de mama entre os homens. No entanto, o especialista reconhece que ainda pode existir subnotificação de óbitos decorrentes da doença na população masculina. “Infelizmente, há um certo descaso com relação ao preenchimento dos atestados de óbito ainda hoje no país, com uma taxa relativamente alta de mortes por ‘causas mal definidas’, o que contribui para a subnotificação de diversas doenças”, explica o epidemiologista.
Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (NCI) dos Estados Unidos, a tendência de elevação no número de casos de tumores de mama em homens foi detectada pela primeira vez, naquele país, nos anos 1970. Ao longo das últimas três décadas, a doença teve um incremento de 20% entre a população masculina norte-americana, uma das poucas formas de câncer que aumentaram naquele país. No entanto, não há consenso sobre as causas desse fenômeno. Fatores como o consumo de álcool em excesso, a exposição à radiação e o perfil genético do paciente são citados como possíveis justificativas para a elevação do número de casos em homens.
No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca), órgão auxiliar do Ministério da Saúde encarregado desenvolver e coordenar ações de controle e prevenção da doença, não acompanha a evolução do câncer de mama entre os homens. “Como é de baixa incidência, esse tumor não é contemplado nas nossas estimativas”, explica Marcello Bello, mastologista e diretor do Hospital do Câncer III, a unidade do Inca especializada nesse tipo de tumor. Ainda assim, pesquisadores do instituto publicaram em 2015 uma análise sobre o câncer de mama em homens a partir de 1.189 registros hospitalares no Brasil. “O estudo concluiu que, entre essa população, o principal problema foi o diagnóstico quando a doença estava em estágio avançado, que levou à adoção de tratamentos mais agressivos e a menores taxas de resposta positiva à terapia”, comenta Bello.
Na população masculina, o principal fator de risco conhecido desse tipo de tumor são alterações no gene BRCA2, envolvido no processo de reparo do DNA. Praticamente todos os casos de câncer de mama em homens estão relacionados a mutações genéticas herdadas de familiares. Em mulheres, mutações no BRCA2 também são um fator de risco igualmente relevante, mas outras questões, como alterações ambientais e oscilações no nível do hormônio estrógeno, também influenciam a prevalência desse tumor. Como a presença de mutações nesse gene se mantêm mais ou menos constante ao longo do tempo, os estudiosos suspeitam que a genética não seria a chave para explicar o maior número de homens com câncer de mama.
Para Renato Cagnacci, cirurgião do Centro de Referência da Mama do A.C.Camargo Cancer Center, de São Paulo, melhorias no sistema de diagnóstico e de notificação são possivelmente os principais fatores que levaram ao incremento no número de casos da doença no país entre homens nos últimos anos, sobretudo entre os com mais de 80 anos. No passado recente, diz o médico, o paciente mais idoso ou sua família optava por não se submeter a cirurgias, que tendiam a ser mais invasivas, e nem realizar biópsias, procedimento importante para determinar se o doente tem mesmo câncer. “O homem tem de conhecer o próprio corpo”, recomenda Cagnacci. “Sua mama é menor que a da mulher. Para ele, é muito mais fácil apalpar e achar um nódulo ainda em estágio inicial. Nesse casos, há tratamento e cura para o câncer.”
Há 25 anos consecutivos, a proporção de óbitos por câncer em relação à população dos Estados Unidos não para de cair. A taxa de mortalidade causada por todos os tipos de tumores diminuiu 27% entre 1991 e 2016. Reduziu-se, nesse período, de 220 para 160 mortes por 100 mil habitantes. Os novos dados foram divulgados pela Sociedade Americana de Câncer, que mapeia o impacto da doença no país. Segundo os autores do estudo, a queda consistente na taxa evitou que tumores tirassem a vida de 2,6 milhões de pessoas. Esse seria o número de mortes excedentes caso a taxa tivesse permanecido no pico da década de 1990. Os números atualizados foram publicados em 8 de janeiro no periódico da entidade, CA: A Cancer Journal for Clinicians, acompanhados de novas projeções sobre a prevalência da doença. Com base em dados consolidados de censos, a entidade prevê que, neste ano, 1,76 milhão de novos casos da doença serão registrados nos EUA, ocasionando 606 mil mortes.
O câncer de pulmão foi o que teve a maior queda na taxa de mortalidade em duas décadas e meia, de quase 50%. No entanto, ainda é o que mais tira a vida de homens e mulheres. Os óbitos por câncer de mama feminino continuam diminuindo ano a ano, apesar de a incidência anual ter estacionado em torno dos 125 casos por 100 mil habitantes e de esse tipo de tumor ser o segundo que mais mata mulheres. Raro, mas de diagnóstico crescente entre os homens, o câncer de mama deve levar a óbito 500 americanos em 2019. Em homens, o segundo tumor mais letal continua a ser o de próstata. O câncer colorretal é o terceiro mais letal para ambos os sexos.
Os autores do estudo advertem, no entanto, que a queda na taxa de mortalidade não é igual para todas as camadas da sociedade norte-americana. “Entre 2012 e 2016, a taxa de mortalidade por câncer de colo de útero foi duas vezes maior e a de câncer de pulmão masculino foi 40% maior nos condados mais pobres em relação aos mais abastados”, disse, em comunicado de imprensa, Rebecca Siegel, diretora de pesquisa em vigilância da Sociedade Americana do Câncer.