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Biocombustíveis

Máquina versátil

Menor compactação do solo e acesso a terrenos íngremes são inovações na colheita de cana

068-071_CortadordeCana_189Uma proposta inovadora para o plantio e a colheita de cana-de-açúcar, cujo objetivo é aumentar a produtividade em campo e reduzir custos, está em gestação no Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), em Campinas, no interior paulista. Trata-se de uma máquina chamada de estrutura de tráfego controlado (ETC), capaz de executar todas as operações mecanizadas do ciclo agronômico da cana. O equipamento consegue atingir áreas íngremes que as colhedoras de hoje não alcançam.

“A operação de colheita mecanizada como é feita atualmente utiliza basicamente a mesma tecnologia de 50 anos atrás, desenvolvida na Austrália”, diz o professor Oscar Braunbeck, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Universidade Estadual de Campinas, coordenador do projeto da ETC. Uma das vantagens da nova máquina, atualmente em testes num laboratório que imita as condições de campo de uma lavoura de cana, é reduzir o tráfego na área plantada e, com isso, a compactação do solo, prejudicial para o crescimento das plantas nas safras seguintes.

Enquanto a ETC tem uma bitola (distância entre as rodas) de 9 metros, as colhedoras atuais têm bitola de 1,6 a 2,4 metros. Em razão disso e de seu peso, elas só conseguem colher uma linha de cana de cada vez da plantação e provocam uma compactação de cerca de 60% da superfície do solo, que acaba prejudicando o desenvolvimento da cultura. “A compactação estimula a erosão e dificulta a entrada da água no solo”, diz Braunbeck. Os 40% de terreno por onde as máquinas atuais não circulam são a área preservada, em que a cana consegue produzir. “Com uma bitola mais larga, a área preservada para plantio chegaria a 87%”, compara Braunbeck. “Reduzindo o tráfego pesado nos canaviais, abrimos oportunidade para o plantio direto da cana, como é feito com os cereais.”

A primeira versão do equipamento foi concebida para se adaptar à estrutura de mecanização atual. Assim, ele foi feito de maneira articulada, com tração e direção nas quatro rodas, braços que se recolhem para poderem ser transportados na estrada e frentes de colheita que se posicionam para colher seis linhas de cana, sendo duas de cada vez. A direção ficará a cargo de um piloto automático com GPS, que será supervisionado por um operador.

Edson Silva / FolhapressSistema de colheita feito com a máquina atual resulta em tráfego pesado nos canaviaisEdson Silva / Folhapress

Terrenos íngremes
A ETC vai conseguir trafegar por áreas mais íngremes. “A primeira versão do equipamento que estamos desenvolvendo, por ser mais largo, consegue se manter estável em locais com até 19% de declividade”, diz Braunbeck. As colhedoras de hoje conseguem entrar em terrenos com declives de até 12%. “Acima disso, como são estreitas, tombam com relativa facilidade”, diz o engenheiro agrícola Guilherme Ribeiro Gray, ex-aluno da Fea-gri e um dos sócios da Agricef, empresa que participa do projeto.

Fundada em 2005, a empresa ficou abrigada até 2008 na incubadora da Unicamp, a Incamp. A Agricef já teve três projetos aprovados na modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP, e desde 2009 participa do projeto do CTBE, em que é responsável pelo desenvolvimento do módulo de colheita.

Braunbeck ressalta que não houve evolução no sistema de manejo agrícola da cana na medida em que mudaram as exigências ambientais, econômicas e sociais. A colheita, por exemplo, embora tenha passado por um grande avanço com a proibição gradual da queima da palha da cana no sistema manual, ainda utiliza máquinas concebidas na década de 1950 na Austrália. “As máquinas para colheita de cana sofreram apenas algumas adaptações desde a concepção, enquanto a colheita de cereais teve grande avanço.”

O foco nos cereais tem razão de ser. A área plantada com cereais no mundo é de cerca de 700 milhões de hectares, enquanto a cana ocupa 22 milhões de hectares. “A perda durante a colheita mecânica nos canaviais hoje está em torno de 10%”, diz Gray. Para efeito de comparação, a perda na colheita de grãos é de cerca de 1,5%. “Para reduzir os danos nos canaviais estamos propondo um princípio diferente do atual.” Em vez de uma colhedora que tem um divisor para separar as linhas dos canaviais – o que resulta em emaranhamento e quebra da cana –, a base da operação proposta é fixar a cana na máquina, depois disso ela é cortada na base, puxada e removida por tração para a parte superior, quando é picada em rebolos (pequenos pedaços) e transferida para o transbordo – veículo de transporte da cana. “O separador que fica nas laterais  do equipamento é sincronizado com a velocidade de deslocamento da máquina”, diz Gray. Ele levanta o colmo (caule) para o mecanismo puxador – com correntes ou esteiras – pegar a cana. A ideia é mexer o mínimo possível com a cana antes de ela ser cortada, para reduzir os danos às soqueiras (raiz que fica na terra para rebrotar) e as perdas no campo.

Quando os rebolos são transferidos para o transbordo, a proposta do projeto é colocar junto parte da palha e o restante ficará como cobertura do solo no campo. Essa cobertura ajuda a diminuir a temperatura do solo, controla as ervas daninhas e reduz a evaporação de água. Atual­mente, na maioria dos casos, toda a palha é jogada no solo, pois como ela tem densidade muito baixa o custo do transporte acaba ficando alto. A proposta é levar a palha de carona com os rebolos, picada em pedaços pequenos de forma que se acomode nos interstícios da cana. O projeto da nova máquina tem como empresa parceira a Jacto, indústria de máquinas agrícolas e veículos elétricos com sede em Pompeia, no interior paulista, e apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no valor de R$ 16 milhões. Em quatro anos o equipamento tem que estar testado e funcionando e a empresa parceira tem mais dois anos para colocar o produto à venda.

CTBEMaquete eletrônica da nova máquina com distância de 9 metros entre os eixosCTBE

Manejo sustentável
O plantio direto da cana, em que a plantação é feita sem arar o solo,  é uma das vertentes do projeto. “É um manejo mais sustentável, porque cada vez que se ara o solo há perda, que terá impacto ao longo dos anos”, diz Braunbeck. A ideia é que a máquina abra sulcos em lugares predefinidos, onde serão depositados os rebolos na quantidade correta e com distribuição uniforme. Atualmente as máquinas os distribuem irregularmente. “A distribuição é muito ruim e mais de 50% das mudas morrem por competição entre elas.”

O CTBE tem também um projeto de exploração da agricultura de precisão, para aumentar a produtividade, reduzir os custos de adubação e os impactos ambientais. O objetivo é fazer o manejo do solo personalizado. Nos canaviais deverão ser desenvolvidos sensores para medir propriedades do solo ou da planta. Com as informações dos sensores, as máquinas, ao se locomoverem, já tratariam o solo com os insumos necessários. Uma área de 100 hectares na Usina da Pedra, em Serrana, no interior paulista, está sendo utilizada para testes. Outros parceiros são a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a empresa Valtra, fabricante de tratores de Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo, além da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP) e a Unicamp.

Os estudos que resultaram no projeto da máquina agrícola tiveram início na década de 1990 e se estenderam pelos anos seguintes, quando Braunbeck, com apoio da FAPESP, fez pesquisas básicas sobre corte e limpeza de cana. Posteriormente, outros estudos, abordando aspectos da colheita mecanizada, foram feitos pelos sócios da Agricef sob orientação de Braunbeck. “Todo esse conhecimento serviu de base para o projeto atual”, diz o professor. Na sua avaliação, a mudança da colheita manual para a mecânica foi bem rápida, considerando o passado de 500 anos da lavoura de cana no Brasil.

No estado de São Paulo, principal produtor de cana brasileiro, um acordo firmado em 2007 entre produtores, usina e governo, chamado Protocolo Agroambiental, determina a eliminação da queima da palha em 2014 em áreas mecanizáveis e em 2017 em todas as áreas com cultivo de cana. No resto do país, a legislação ambiental dá prazo até 2020 para acabar com as queimadas dos canaviais.

“Na conversão da colheita manual para mecanizada, há um duplo ganho ambiental”, diz o pesquisador Marcelo Valadares Galdos, do programa de Sustentabilidade do CTBE, que fez um balanço completo de carbono do etanol da cana-de-açúcar no Brasil, estudo feito em parceria com pesquisadores da Esalq.  “De um lado, quando os resíduos da cana não são mais queimados, deixamos de mandar para a atmosfera dióxido de carbono, mas também outros gases que contribuem para o efeito estufa e são ainda mais potentes, como o óxido nitroso”, diz Galdos.

O segundo ganho é que, ao manter a palha na lavoura, quando ela se decompõe acaba sendo incorporada ao terreno e há um aumento no estoque de carbono no solo, muito importante para o ecossistema. “Identificamos uma média de acúmulo anual de 1.500 quilos de carbono por hectare com o sistema sem queima e mantendo a palhada no solo”, completa Galdos. “Há cerca de duas a três vezes mais carbono em uma camada de até 1 metro do solo do que em toda a vegetação.” Dessa forma há uma redução nas emissões de gases de efeito estufa. No balanço foi computado também o material particulado, a fuligem. “Esse material vai para a atmosfera e tem um efeito relacionado ao aquecimento global.”

Os Projetos
1. Desenvolvimento de um auxílio mecânico para colheita de cana-de-açúcar sem queima prévia (nº 2004/14468-5); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Co­or­de­na­dor Efraim Albrecht Neto – Agricef; Investimento R$ 430.251,88 (FAPESP)
2. Controle automatizado do sincronismo entre a colhedora de cana-de-açúcar e o transbordo (nº 2006/56581-8); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Co­or­de­na­dor Rodrigo Fernando Galzerano Baldo – Agricef; Investimento R$ 35.954,21 (FAPESP)
3. Implemento acoplado a trator para colheita de cana-de-açúcar sem queima prévia (nº 2007/59163-5); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Co­or­de­na­dor Guilherme Ribeiro Gray – Agricef; Investimento R$ 12.491,00 (FAPESP)

Artigo científico
GALDOS, M.V. et al. Net greenhouse gas fluxes in Brazilian ethanol production systems. Global Change Biology Bioenergy. v 2. p. 37-44. 2010.

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