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Biodiversidade

Mares desprotegidos

Análise de áreas protegidas no mundo todo indica os fatores mais importantes para manter a biodiversidade marinha

Em áreas protegidas, peixes como o budião (Sparisoma frondosum) são maiores e mais abundantes

Rodrigo L. Moura / UFRJ

Em 2012, um grupo de mergulhadores nas águas de Abrolhos, o maior complexo de recifes de coral do Atlântico Sul, no sul da Bahia, avançava observando atentamente os peixes ao longo de vários dias. Não parece muito surpreendente num Parque Nacional Marinho exatamente renomado por sua diversidade biológica, mas o biólogo Rodrigo Moura, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e seus alunos estavam na verdade fazendo a sua parte para um projeto internacional que resultou no maior estudo ecológico já feito em reservas marinhas. Os resultados da comparação de 87 áreas protegidas no mundo todo foram publicados esta semana (5/2) no site da revista Nature, e mostram que poucas delas são realmente eficazes em preservar a biodiversidade.

O trabalho mostrou que a riqueza de espécies de peixes grandes é 36% maior nas áreas protegidas em relação àquelas onde a pesca é permitida. A biomassa ­– o peso total – também é positivamente afetada pela restrição à pesca: 35% maior para peixes grandes e o dobro no caso dos tubarões. Mas outros parâmetros, como a situação dos demais peixes, não indicaram benefícios das reservas.

Isso acontece porque são poucas as reservas que têm mais de três dos fatores essenciais para a preservação da biodiversidade marinha: a proibição à pesca, o quanto essa proibição é de fato imposta, que a área protegida seja antiga (com mais de 10 anos), grande (maior do que 100 quilômetros quadrados) e isolada. O estudo, que funcionou como um imenso experimento ecológico, mostrou que reunir três desses fatores é o mínimo para que a proteção seja eficaz. Além disso, menos de 5% das áreas estudadas incluem todas as cinco características e apenas outras 5,7% tinham quatro delas. “Aprendemos que reservas sem pesca são mais efetivas para recuperar a biomassa de peixes do que áreas de uso múltiplo, demonstramos que reservas mal manejadas são inócuas e ficou claro que leva um bom tempo (décadas) para a biomassa de peixes se recuperar em uma área protegida”, explica Moura.

Rodrigo L. Moura / UFRJ Os badejos (Mycteroperca acutirostris) também são beneficiados pelas reservasRodrigo L. Moura / UFRJ

Foi a primeira vez que um estudo analisou várias zonas protegidas ao mesmo tempo, a partir de dados coletados usando os mesmos métodos, num esforço coletivo coordenado pelo ecólogo marinho Graham Edgar, da Universidade da Tasmânia, na Austrália. “A diversidade, a abundância e o tamanho dos peixes foram os principais indicadores, mas também coletamos dados sobre invertebrados que podem sofrer com a sobrepesca, tais como ouriços e pepinos-do-mar, lagostas e caranguejos”, conta Moura. “A cobertura relativa de corais e algas também foi estimada em todos os pontos, o que dá um indicativo da saúde dos recifes.” Como os peixes comem as algas, sua ausência gera um desequilíbrio ecológico em que os vegetais marinhos proliferam e tomam o lugar dos corais.

Depois de recolher os dados, as equipes de trabalho se reuniram na Austrália para discutir os resultados e os padrões observados: eram pesquisadores de 13 países diferentes. “Esse trabalho presencial, reunindo dados obtidos nas mais diversas regiões e visões diferentes sobre o problema, foi essencial para o sucesso do projeto”, avalia o pesquisador do Rio de Janeiro.

Apesar de ter sido usado apenas um ponto na extensa costa brasileira, ele é bem informativo porque Abrolhos inclui áreas com diferentes regimes de manejo. “Abrolhos abriga desde áreas relativamente bem fiscalizadas, onde a pesca foi legalmente banida desde a década de 1980, até áreas de proteção ‘de papel’ que, na prática, são completamente abertas à pesca”, conta Moura. Estudos feitos ali já mostraram que as áreas sem pesca têm peixes mais abundantes, e que as reservas ajudam a manter o estoque pesqueiro das regiões adjacentes.

O estudo é importante porque traz elementos para o planejamento de novas áreas de proteção, assim como para a gestão daquelas que já existem. “Não adianta criar poucas e pequenas reservas sem pesca e não fiscalizar, nem tampouco criar reservas extrativistas e não manejar a pesca.” Para o pesquisador da UFRJ, o Brasil, como primeiro signatário da Convenção da Diversidade Biológica, está devendo ao mundo a criação de uma rede de áreas protegidas representativa e bem manejada. Por enquanto, muito da costa brasileira é pouco conhecida escassamente protegida, como mostra a reportagem Segredos do azul do mar, sobre palestras do Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação.

Artigo científico
Edgar, G. J. et alGlobal conservation outcomes depend on marine protected areas with five key featuresNature. On-line. 5 fev. 2014.

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