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Maria José Giannini

Maria José Soares Mendes Giannini: A arte de queimar etapas

Léo RamosA microbiologista Maria José Soares Mendes Giannini coordena desde 2009 um conjunto de esforços para aumentar a qualidade da pesquisa na jovem Universidade Estadual Paulista (Unesp). À frente da Pró-Reitoria de Pesquisa da instituição nos últimos quatro anos, ela articulou iniciativas que fizeram o número de projetos temáticos na Unesp crescer 130%, elevaram a captação de recursos para níveis inéditos e aumentaram em 42% a produção de artigos científicos. Recorreu a um conjunto de estratégias para combater as assimetrias naturais de uma instituição que tem campi espalhados por 24 cidades. Um dos motes foi a aglutinação de esforços de vários pesquisadores em torno de projetos mais robustos. Outro foi o incentivo à inserção internacional da ciência produzida pela universidade, estimulando docentes a publicar em revistas de impacto e trazendo cientistas de fora. Também criou escritórios de apoio ao pesquisador em cada uma das unidades da Unesp, desonerando os docentes de tarefas burocráticas relacionadas à prestação de contas de seus projetos. Tais resultados credenciaram-na a seguir no comando da Pró-Reitoria pelos próximos quatro anos, na recém-iniciada gestão do reitor Julio Cezar Durigan.

Nascida em Portugal, Maria José vive no Brasil desde os 3 anos de idade. Toda a sua formação em microbiologia e imunologia foi feita na Universidade de São Paulo, na capital paulista, com estágios de curta duração no exterior. Em 1983, um convite para trabalhar na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara da Unesp, instituição que acaba de fazer 90 anos, levou-a ao interior do estado. Lá foi uma das artífices, no final dos anos 1990, da implantação da pós-graduação em análises clínicas. “Em menos de 10 anos conseguimos sair de um curso não reconhecido para conceito 6 na Capes. Foi um grande trabalho”, recorda-se. Casada, mãe de um filho adulto e outro adolescente, Maria José divide-se entre seu escritório na capital paulista, onde permanece de segunda a quinta-feira, e Araraquara, entre sexta e domingo, onde mantém seu laboratório e mora com a família. Visita anualmente todas as unidades da Unesp – “é importante para que os pesquisadores se sintam apoiados e possamos ouvi-los” – e estabelece um contato frequente por meio de um aparelho de videoconferência ao lado de sua mesa. Desde 2010, ela é membro do Conselho Superior da FAPESP. A seguir, os principais trechos de sua entrevista:

Especialidade:
Micologia
Formação:
Universidade de São Paulo (USP)
Instituição:
Faculdade de Ciências
Farmacêuticas de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Produção científica:
117 artigos científicos,
10 capítulos de livros.
Orientou 27 alunos de
mestrado, 15 de
doutorado e 26 de
iniciação científica.
Supervisionou 7 estágios
de pós-doutorado

Como coordenar esforços de pesquisa numa universidade que tem campi espalhados por 24 cidades?
A Pró-Reitoria de Pesquisa é recente na Unesp. Ela começou na gestão do professor Marcos Macari [reitor entre 2005 e 2008]. O professor José Arana Varela foi o primeiro pró-reitor de Pesquisa e depois eu assumi. Estamos entrando na terceira gestão. A Unesp é uma universidade de pesquisa, embora também seja forte no ensino e na extensão. Mas tem essa característica particular: é uma universidade de todo o estado de São Paulo. Somos a maior universidade multicampus do país, quiçá do mundo. Se você traçar um círculo de 100 quilômetros ao redor de cada uma dessas 24 cidades, completamos o mapa do estado de São Paulo. Temos hoje ciência de qualidade feita nos mais recônditos locais desse estado. É fundamental que ele usufrua dessa pesquisa. Vivenciamos, claro, assimetrias e o pró-reitor de Pesquisa da Unesp tem de tentar vencê-las.

A pesquisa na Unesp começou mais forte em unidades mais tradicionais, como no campus de Araraquara. Como disseminar um padrão para todas as unidades?
As faculdades de Farmácia e Odontologia completam 90 anos neste ano e já tinham um processo envolvendo a pesquisa. Assim como a antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara (FFCLA), hoje Instituto de Química e Faculdade de Ciências e Letras. Mas não é só lá que começamos fortes. Em Jaboticabal, na área de agrárias, também. Se você olhar a porcentagem de pesquisas feitas em nossa universidade em ciências agrárias, verá que o número é muito significativo, advindo também de outras unidades. Os institutos de Química, de Física Teórica, de Biociências de Botucatu, de Rio Claro estão entre as unidades com pesquisa mais internacionalizada. No início, em 1976, foram incorporados 14 campi, 10 menos do que hoje. A universidade hoje tem 36 anos e, ao longo do tempo, houve inserção de outras unidades. Mesmo as mais recentes já desenvolvem pesquisa de qualidade e estão com programas de pós-graduação. Temos professores estrangeiros trabalhando em Ilha Solteira, em São José do Rio Preto e em várias outras unidades. Se não tivéssemos uma universidade pública, de qualidade, quando atrairíamos estrangeiros para fazer pesquisa de alto nível? O processo alicerçado nesse histórico veio num crescendo e, desde 2005, temos um divisor de águas. Fizemos um mapa dos grupos de pesquisa, dos tipos de publicações e os perió-dicos onde publicávamos e havia muitas assimetrias. Hoje não. Temos uma pesquisa fortalecida, crescente e ascendente, contribuindo sobremaneira para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia do país. Nos últimos quatro anos foram contratados quase mil docentes, mais de 60 pesquisadores, mais de 30 posições de nível superior para atender à demanda de grandes equipamentos e este contingente de pessoas altamente qualificadas redundará em consolidação da pesquisa na Unesp. Nosso foco hoje é internacionalizar cada vez mais a pesquisa, para torná-la mais contemporânea, de impacto nacional e internacional. Estamos contribuindo para sermos agentes ativos da promoção do desenvolvimento científico e tecnológico do estado e do país e transferi-lo para a sociedade.

A senhora poderia citar dados dessa evolução?
Vou comparar 2007 com 2011, porque os dados de 2012 ainda não estão totalmente consolidados. Se compararmos os dois quadriênios, tivemos um aumento de produção científica na base de dados ISI, da Thomson Reuters, de 42%. É bem significativo. Um dos objetivos da Pró-Reitoria quando assumimos era somar e aglutinar competências, para construirmos uma ciência de qualidade, fortalecendo as capacidades institucionais em torno de propostas inovadoras, daí termos realizado uma série de seminários, de workshops temáticos. Estes foram realizados com convidados de várias universidades do Brasil e do exterior. As discussões foram realizadas para promover avanços em temas envolvendo a fronteira do conhecimento e em consonância com a agenda nacional. Os grupos de pesquisa de diferentes áreas participavam das discussões nesses encontros. Com isso tem-se a ciência mais transversal, inter, multi, transdisciplinar. Os diferentes olhares produzem uma qualidade, um diferencial que, às vezes, grupos com foco disciplinar não desenvolvem. É isso que estamos tentando fazer aqui na Unesp. O grande desafio do distanciamento entre os campi é transformar grupos isolados em grupos que tenham inserção maior dentro da própria Unesp e fora dela. Temos grupos muito fortes, como os de materiais cerâmicos e de nanotecnologia, os de produtos naturais, o núcleo de computação científica, o Grid Unesp, que tem um trabalho belíssimo internacional e atendendo à própria universidade. Temos grupos coordenando os programas Cepid da FAPESP, os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, como o ligado a relações internacionais, o de nanotecnologia e de fisiologia comparada. Temos o Instituto Confúcio, que é considerado o melhor do mundo. Temos grupos consolidados e nosso trabalho é fazer com que mais grupos se destaquem em suas áreas do conhecimento.

Uma de suas preocupações foi aumentar a produção em engenharias e humanidades, para equipará-las à das ciências da vida. Como anda esse esforço?
Em ciências da vida temos forte inserção, com quase 70% do que é produzido na Unesp. Duas áreas em que havia grande assimetria eram as de engenharias e de humanidades. Criamos então o Projeto Renove: Renove Engenharias e Renove Humanidades. O foco era não apenas dar recursos pelo edital, mas também a ideia de que os projetos tinham de aglutinar competências nessas áreas. Acredito que temos já alguma resposta positiva. Também foram criados os fóruns de humanas e agora o das engenharias, para criar elos de cooperação e agora também elos com inovação, respectivamente. Em nossa universidade, tivemos a criação de 11 cursos de engenharia. Três já foram lançados, o de engenharia ambiental, em São José dos Campos, e os de bioprocessos e de engenharia química, na Faculdade de Farmácia e no Instituto de Química, em Araraquara, respectivamente. Alguns ainda estão sendo implantados e sem dúvida irão aumentar e contribuir para termos recursos humanos com enfoque em base mais tecnológica, necessários ao estado e ao país.

Os pesquisadores respondem bem a essas iniciativas?
Sim, têm respondido. Os fóruns contaram com grande número de participantes e estes foram realizados justamente para localizar e reconhecer as competências acadêmicas instaladas na universidade com enfoque nas grandes áreas do conhecimento. Essas ações deram início ao incentivo e patrocínio para publicação de vários livros eletrônicos (e-books), dentro das séries Desafios Contemporâneos, área de humanas e fronteiras, em áreas do conhecimento de interesse nacional, tais como: nanotecnologia, bioenergia, produtos naturais, biotecnologia, alimentos e segurança alimentar e outros, consistindo num trabalho mais eficiente de divulgação dos grandes grupos de pesquisa. Mas verificou-se que havia a necessidade de outras ações e ampliamos o programa Renove com mais abrangência para grupos da universidade que estavam alijados do processo de pesquisa. Há um contingente de docentes que precocemente foram para gestão e não desenvolveram carreiras ligadas à pesquisa. Resolvemos lançar, então, o Renove Geral, que é para todas as áreas, visando atrair os docentes que estão fora da logística de fomento. São avaliados os processos e, além dos recursos, inclui-se uma bolsa de iniciação científica, tudo isso para eles voltarem a pesquisar, publicar e se engajar dentro de uma linha de pesquisa e de programas de pós-graduação.

O número de projetos temáticos aprovados tem aumentado. Em que proporção?
O número de temáticos aumentou em quase 130%. E em termos de valores financeiros o crescimento foi de quase 340%. Nós sabemos que a pesquisa precisa de recursos humanos qualificados e de boa infraestrutura de pesquisa. Para isso, tivemos recursos bastante significativos, da FAPESP no Programa Equipamentos Multiusuários, da Finep no edital infraestrutura (aumento de 340%), da Capes e do CNPq. A infraestrutura de pesquisa melhorou e hoje temos muitas facilities, muitas construções novas, novos laboratórios. Para que houvesse o crescimento na pesquisa foi necessário criar novos espaços e aglutinar competências e nesse sentido foram institucionalizados os institutos especiais, com a presença de pesquisadores de diferentes campi. Foram aprovados pelos órgãos colegiados quatro institutos especiais. Um é o Instituto de Bioenergia, sediado em Rio Claro, mas com outros oito laboratórios associados, criado junto com as outras universidades estaduais paulistas e vinculado ao Centro Paulista de Pesquisa em Bioenergia. Formatou-se um programa de pós-graduação conjunto, das três universidades, o que é fantástico em termos de experiência. Criou-se o Instituto do Mar em São Vicente, aglutinando competências oriundas de diversos campi. Há um grupo forte em Rio Claro ligado à geologia, temos lá o Centro de Geociências Aplicadas ao Petróleo (Unespetro), fortemente ligado à Petrobras. O Instituto de Biotecnologia, em Botucatu, que abriga também o biotério central, no qual estão inseridos muitos outros grupos com diferentes temáticas e de diversos campi. Também foi criado o Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais, que está hoje na praça da Sé e neste há cursos de pós-graduação, e também a perspectiva de ter-se um espaço capaz de atender às agendas atuais e os movimentos do futuro, portanto com objetivo de se transformar em núcleo de divulgação da universidade, com discussões mais amplas. Os recursos bastante significativos, para a criação desses institutos, vieram por meio de projetos submetidos e aprovados junto ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo; do Banco Santander; da Finep; e da própria universidade, que tem investido fortemente para adequar os espaços às novas exigências de uma universidade de ensino e pesquisa contemporâneos.

Tem um dado importante que é a formação de doutores.
Somos a segunda universidade do mundo em doutores formados, são quase mil por ano. Primeiro vem a USP, depois nós, a Unicamp e universidades dos Estados Unidos.

Os programas de pós-graduação têm um vínculo forte com a pesquisa. Como é essa interação na Unesp?
O número de cursos cresceu. São mais de 90 doutorados, mais de 100 mestrados, totalizando 122 programas de pós-graduação. Em número de cursos é a segunda universidade brasileira. Temos um crescendo na qualificação dos programas com notas 5, 6 e 7 na Capes. Queremos mais, o que será natural na medida em que se avance na pesquisa com diferentes grupos.

Qual o impacto da pesquisa da Unesp para o desenvolvimento do interior?
Anos atrás, um grupo da área de economia fez um levantamento e mostrou que, nas cidades que têm unidades da Unesp, contribuímos enormemente para a economia local. Mas acho que podemos contribuir muito mais, e a pró-reitora de Extensão, a vice-reitora e nós estaremos trabalhando para que a Unesp se integre mais às cidades e desenvolva parcerias com as prefeituras em programas de extensão que já temos, podendo redundar também em pesquisa verdadeiramente inovadora. Temos unidades em cidades muito ricas, como Araraquara, até locais em que sabemos que o IDH é muito baixo, como Vale do Ribeira, em que está se criando o curso de engenharia de pesca, em parceria com a prefeitura. Também em outras cidades as prefeituras fazem um trabalho importante junto à Unesp, para levar a ciência a esses lugares.

Qual é a situação da Unesp nos rankings internacionais?
Temos chamado a atenção para essa discussão, e esta foi preponderante a partir do Plano de Desenvolvimento Institucional na gestão do reitor Herman Voorwald, em 2009. No planejamento estratégico da universidade estabeleceu-se como objetivo estar entre as 200 melhores universidades do mundo. Isso fez com que tivéssemos uma meta e as ações estão alicerçando esse caminhar.

Qual a importância de ter uma meta como essa?
Com certeza, ajuda muito. Brinco nas minhas apresentações que, em alguns rankings, já chegamos lá. Por exemplo, no ranking da SCimago estamos na posição 174, somos a terceira universidade do Brasil e a quinta ibero-americana. Em relação a outros, ainda temos que galgar posições. Um ranking que diz muito sobre a Unesp na sua juventude, temos 36 anos, é o da Times Higher Education das melhores universidades com até 50 anos de existência. São mais de 2 mil universidades e estamos entre as 100 melhores do mundo. No ranking QS estamos em uma posição bastante interessante, em 17º na América Latina, e, se for detalhar a pesquisa, é 7º lugar. Temos crescido muito, queimado etapas e isso não é fácil em ciência.

Como queimar etapas? Trazendo gente de fora?
Sim. A ideia de criar os institutos de pesquisa especiais vai nesse sentido. Estamos na fase de contratação de pesquisadores, porque temos a carreira de docente e a de pesquisador. Nos institutos de pesquisa serão basicamente pesquisadores trabalhando com docentes e discentes. Os pesquisadores têm responsabilidade voltada para pesquisa e formação de recursos humanos, mas de pós-graduação. A ideia é trazer para esses locais estrangeiros. Temos trabalhado no Instituto do Mar, no Instituto de Biotecnologia e no de Bioenergia, temos cooperações com grupos internacionais. Por exemplo, o Instituto do Mar tem forte inserção com a Alemanha, em universidades como Heidelberg e Kiel, também com a Universidade do Porto e parceria com a África do Sul. Temos cooperação com a Universidade de Leuven, na Bélgica, na qual cofinanciamos a ida e a volta de pesquisadores. Temos grupos altamente internacionalizados. O Instituto de Física Teórica (IFT) é o único da América Latina a abrigar uma unidade do Centro Internacional de Física Teórica (ICTP), órgão da Unesco. No ano passado, trouxeram mais de 80 estrangeiros de altíssimo renome. Na área de exatas, junto com a de biológicas, a Unesp está num crescendo na internacionalização. Mesmo uma área que não aparecia em publicações internacionais, as humanidades, começa a aparecer. É um indicador de que estamos fazendo da Unesp aquilo que chamam de universidade de classe mundial.

A Unesp criou escritórios em todas as suas unidades para auxiliar os pesquisadores a lidar com a administração burocrática de seus projetos. Como foi esse processo?
Foi uma discussão longa, não foi fácil. A ideia original era colocar um escritório em cada campus, mas vimos que não daria resultados consistentes, porque cada unidade, dentro de cada campus, tem um modo de trabalhar diferente. Então criamos um escritório de pesquisa em cada unidade e atrelado a ele, hoje, contratamos um funcionário para desonerar o pesquisador das tarefas relacionadas à prestação de contas. Em algumas unidades fizemos a segunda contratação baseada em vários indicadores, principalmente os de internacionalização, justamente para atender quem faz cooperação internacional, projetos temáticos e workshops internacionais. Teremos um terceiro funcionário também que será contratado para trabalhar com inovação. A ideia é fazer o elo, dentro do próprio escritório, entre pesquisadores e empresas.

Como isso funcionará?
Haverá um local para receber empresas e criar um envolvimento com elas. Aí completamos aquilo que penso de um escritório, atender às áreas da pesquisa, da internacionalização e da inovação. Ajudar o pesquisador e trabalhar na captação de recursos.

A senhora começa agora uma nova gestão de quatro anos. Quais são as metas e as novas demandas?
Já estamos trabalhando em vários aspectos, mas ampliaremos as nossas ações em prol de maior inclusão dos professores recém-contratados, futuro da universidade. Estamos trabalhando fortemente para que eles encontrem infraestrutura, insiram-se em grupos fortes de pesquisa e criem linhas de pesquisa inovadoras. Temos um edital especial de primeiros projetos, e agora vamos ampliá-lo. Vamos trabalhar com áreas que, embora produzam muito, não são muito internacionalizadas. Assim, iremos incentivá-los a ter como grande foco este aspecto. Outro ponto é a inovação, que é a interação universidade-empresa. Como já temos esse elo em várias cidades de São Paulo, que dispõem de polos tecnológicos, vamos partir para uma inserção maior com as prefeituras para que se possam criar e consolidar os núcleos tecnológicos.

Falando de sua carreira, sua formação ocorreu na USP…
Sim. Formei-me em farmácia e bioquímica e comecei a trabalhar no primeiro ano de graduação. Meu primeiro emprego foi num laboratório da prefeitura, depois fui para o laboratório Fleury, aprendi muito lá, mas não queria trabalhar com rotina. Fui para a Faculdade de Medicina da USP, onde trabalhei 10 anos, desde o quarto ano de faculdade, em micologia médica, que envolve o estudo dos fungos de interesse médico, matéria ainda não estudada em meu curso. Trabalhei com Carlos da Silva Lacaz, um dos grandes estudiosos de fungos, um grande mestre e humanista. Descobri que gostava de pesquisa e da docência e de ter um novo desafio a cada dia. Acho que a pesquisa é isso, enxergar em cada resultado um novo caminho. Tive várias pessoas que foram muito importantes, grandes mestres de micologia e imunologia, como os professores Antônio Walter Ferreira, meu orientador de mestrado e doutorado, Mario Camargo, do Instituto de Medicina Tropical, Vera Calich, do ICB, que muito me incentivou. Ao escolher o tema de meu trabalho eu vislumbrei que não queria fazer a micologia clássica, já começava a me apaixonar pela imunologia. Comecei a desenvolver pesquisas em diagnóstico sorológico da paracoccidioidomicose, doença de grande importância na América Latina. Desenvolvi marcadores, reagentes e métodos ainda não aplicados a esta doença, como a pesquisa de antígenos na circulação dos pacientes. Com isso poderia realizar o diagnóstico e instituir a terapêutica mais precocemente. Tive como coorientadora a professora Aoi Massuda e, junto com a professora Maria Aparecida Shikanai Yasuda, fruto de meu doutorado, tivemos duas publicações importantíssimas naquele momento. Quando terminei o doutorado, tive o convite para a Faculdade de Farmácia, em Araraquara, e foi um grande desafio. Isso porque, em São Paulo, eu transitava muito bem entre a Faculdade de Medicina e o Instituto de Medicina Tropical, fiz parte da minha tese no Instituto de Ciências Biomédicas, onde estava chegando o professor Erney Camargo. Eu tinha vários laboratórios com grande infraestrutura para a época. Na Faculdade de Farmácia de Araraquara já havia a disciplina de micologia clínica, mas não uma área de pesquisa implantada. Acompanhei essa estruturação da pesquisa na Unesp desde 1983. A professora Deise Falcão, da microbiologia, sabia da minha especialização e, embora fosse bacteriologista, me chamou para trabalhar num projeto de grande envergadura financiado pela Finep. Esta vivência com a bacteriologia mostrou-me que não queria continuar na pesquisa em diagnóstico. Realizei estágios de curta duração no exterior e no Brasil e passei a estudar modelos de interação fungo-hospedeiro. Comecei a implantar os modelos in vitro, que uso até hoje, e enveredei pela descoberta das moléculas que fazem a relação do fungo com o hospedeiro. Comecei a trabalhar com as adesinas, que são as moléculas de interação e atualmente estamos estudando as invasinas.

A senhora teve um projeto na FAPESP sobre esse modelo…
Tive vários. Coordenei um temático que já terminou, com o professor Gil Benard, tentando juntar conhecimentos do modelo in vitro com o humano, e também outro projeto com a professora Célia Maria Soares, da Universidade de Goiás. Posteriormente participamos com ela de um edital Genoprot da Finep e mais recentemente com verba da Finep do edital de infraestrutura estamos implantando as plataformas ‘ômicas em nosso laboratório. Nesse caminho tive um grande professor, que infelizmente faleceu no ano passado, que foi o Henrique Lenzi, da Patologia do Instituto Oswaldo Cruz. Era uma pessoa fantástica, como ser humano, grande humanista, conhecedor da ciência. Ele auxiliou muito no discutir e implantar as novas tecnologias, e hoje, devido à mudança do projeto pedagógico do curso de farmácia, outra linha de pesquisa foi implantada de base mais tecnológica. Estamos criando uma plataforma para desenvolvimento de antifúngicos e biorreagentes. Esta plataforma só foi viável e veio alicerçada nos programas da FAPESP, como o Biota-Fapesp, o Bioprospecta, unido com os grupos da Química, da professora Vanderlan Bolzani, Maysa Furlan e a professora Ana Marisa Fusco Almeida, que é minha assistente, e outros pesquisadores. O que construí foi árduo mas, como procurei trabalhar em colaboração, não encontrei tanta dificuldade. Importante frisar que só um ano antes de vir para a Pró-Reitoria consegui uma assistente, a professora Ana Marisa. Sem  ajuda dela essa plataforma de antifúngicos não teria se desenvolvido. Estamos trabalhando num protótipo.

O que é o protótipo?
Algumas substâncias com que estamos trabalhando mostraram potencial em ensaios in vitro, e estamos caminhando para os in vivo e usando também novas formulações para verificar a potencialidade de ser aplicado como antifúngico. Espero que esse trabalho conjunto vá redundar num produto inovador. Também estamos com foco em antifúngicos antibiofilmes microbianos, pois os microrganismos nessa forma são mais resistentes. A formação de biofilmes é um modelo clássico para algumas doenças, principalmente ligado a patologias em que alguns fungos e bactérias se associam a uma estrutura multicelular complexa e a partir destes têm-se pontos de contaminação constante. Forma-se uma matriz e os antifúngicos e os antibacterianos não conseguem atingir os sítios de ação. Estamos estudando a formação de biofilmes em doenças endêmicas e já descrevemos em histoplasmose, trabalho de uma orientanda da professora Ana Marisa, e na paracoccidioidomicose, doença com que mais trabalhei desde que comecei a estudar na Faculdade de Medicina. É uma doença negligenciada entre as fúngicas, que se assemelha à tuberculose.

Não interessa à pesquisa das empresas farmacêuticas.
As doenças causadas por fungos em geral estão dentro do grupo das negligenciadas. A micologia é considerada a gata borralheira da microbiologia. Você tem a bacteriologia, a virologia e, depois, a micologia. Mas ela tem crescido por conta de maior prevalência entre alguns grupos de pacientes, da maior longevidade das populações e das doenças imunossupressoras. Você aumenta as condições de vida, mas abre possibilidade para instalação de agentes ditos oportunistas. Temos hoje um número cada vez maior de doenças causadas por fungos que nem haviam sido descritos como agentes patógenos. Ao contrário de Paracoccidioides, que sempre foi considerado um agente patógeno primário. Foi descrito em 1908 por Adolfo Lutz e é uma das doenças fúngicas de maior interesse no Brasil. Contribuímos inicialmente no diagnóstico e agora estamos principalmente trabalhando com as adesinas e as usando como alvos na procura de novas drogas.

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