Histórias da matemática: Da contagem nos dedos à inteligência artificial, de Marcelo Viana, é uma obra que transcende a natureza técnica da matemática para explorar essa disciplina como uma narrativa rica e envolvente. Viana, um dos matemáticos mais proeminentes do Brasil e diretor do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio de Janeiro, oferece uma viagem fascinante pela história da matemática, destacando sua evolução desde os primórdios da humanidade até os desafios contemporâneos, como a inteligência artificial.
Compilação de colunas publicadas por Viana no jornal Folha de S.Paulo, em que escreve desde 2017, o livro aborda em cada capítulo um período ou conceito fundamental na história da matemática. A narrativa começa na antiga Mesopotâmia e no Egito, passando pela Grécia clássica, pelo mundo islâmico medieval e avança pelo Renascimento europeu, culminando nos desenvolvimentos matemáticos do século XXI. Essa jornada histórica é enriquecida com episódios que revelam não apenas a evolução dos números e das equações, mas também a maneira como a matemática influenciou a sociedade e a cultura ao longo dos séculos.
Viana demonstra um talento excepcional para transformar conceitos matemáticos abstratos em histórias envolventes e acessíveis. Um exemplo notável é a saga do teorema de Pitágoras, cuja origem remonta a civilizações muito anteriores a do grego Pitágoras (570-495 a.C), desmistificando o senso comum e apresentando a matemática como uma construção coletiva. Outro exemplo é a discussão sobre a geometria não euclidiana, um campo revolucionário que desafiou séculos do pensamento matemático tradicional. Viana narra como o russo Nikolai Lobachevsky (1792-1856) e o alemão Bernhard Riemann (1826-1866) ousaram imaginar novas formas de geometria, abrindo caminho para uma revolução no pensamento matemático.
O autor também consegue incorporar leveza e humor à narrativa, características raramente associadas à matemática. A história do último teorema de Fermat, por exemplo, é contada de maneira divertida, destacando o enigma deixado pelo francês Pierre de Fermat (1607-1665) na margem de um livro que intrigou matemáticos por séculos até sua solução pelo britânico Andrew Wiles em 1994.
Além de explorar os conceitos matemáticos em si, Viana trata da influência da matemática em eventos históricos e contemporâneos. Um exemplo marcante é a história da criptografia na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), em que ele descreve o trabalho do britânico Alan Turing (1912-1954) e sua equipe na decifração do código Enigma, um feito que foi crucial para o desfecho do conflito. A narrativa é particularmente tocante, pois vai além das contribuições matemáticas e aborda os desafios pessoais enfrentados por Turing, que se submeteu a uma castração química após se declarar homossexual para as autoridades britânicas e se matou em 1954.
Na era contemporânea, Viana explora a revolução algorítmica e o papel central da matemática no desenvolvimento da inteligência artificial. Ele detalha de que forma conceitos matemáticos como cálculo e álgebra linear estão na base das tecnologias que moldam o mundo de hoje, desde motores de busca na internet até diagnósticos médicos. Ao mesmo tempo, Viana levanta questões éticas e filosóficas sobre o impacto desses avanços, convidando o leitor a refletir sobre as implicações da inteligência artificial.
Um tema recorrente no livro é a paixão de Viana pela matemática e seu desejo de compartilhá-la com um público amplo. Isso é evidenciado no texto sobre a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), uma iniciativa que ele ajudou a fomentar nos anos 2000. Viana relata histórias inspiradoras de jovens que descobriram seu talento para a matemática por meio da Obmep, destacando como a disciplina pode ser uma ferramenta poderosa de transformação social e pessoal.
Histórias da Matemática é, portanto, mais do que um simples livro sobre números e equações; é uma celebração do pensamento matemático e de sua capacidade de moldar o mundo. Viana nos mostra que a matemática não é apenas para gênios, mas pode ser apreciada por qualquer um, desde que apresentada da maneira certa.
O matemático Paolo Piccione é professor titular da Universidade de São Paulo (USP).
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