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Colaboração

Medições competitivas

Inmetro busca universidades para integrar rede nacional em metrologia

zé vicenteUma iniciativa para ampliar a cooperação entre universidades e empresas no campo da metrologia, área que estuda e padroniza pesos e medidas e baliza a qualidade de produtos e processos, começa a tomar impulso com a expansão de uma rede de laboratórios criada em 2013 pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Um edital lançado em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), com aporte de R$ 3 milhões, deve incorporar ainda neste ano até sete novos grupos de pesquisa à Rede de Laboratórios Associados do Inmetro para Inovação e Competitividade (Relai). Concebida inicialmente como projeto-piloto, a rede hoje é formada pelo Laboratório de Nanoespectroscopia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Instituto de Materiais Cerâmicos da Universidade de Caxias do Sul (UCS). O resultado do edital, cujas inscrições se encerraram em abril, será divulgado em outubro. Os grupos contemplados poderão utilizar as instalações do centro de pesquisa do Inmetro em Xerém, no Rio de Janeiro.

Em um comunicado, o físico Carlos Alberto Aragão, diretor de Inovação e Tecnologia do instituto, disse que a estratégia da rede é fortalecer a articulação entre universidades, instituições e empresas em pesquisas envolvendo metrologia e áreas próximas, como a ciência dos materiais. Para Idelazil Cristina Nobre Silva, coordenadora-geral de programas estratégicos da diretoria de programas e bolsas da Capes, é também necessário ampliar a formação de recursos humanos e o envolvimento de pesquisadores em projetos inovadores. “Além disso, a ampliação da rede é uma oportunidade de compartilhar custos, diminuindo o risco tecnológico da inovação”, diz Idelazil. Um dos requisitos para fazer parte da Relai é que o laboratório estabeleça parcerias com o setor produtivo.

Nanometrologia
Um dos braços da rede, o Laboratório de Nanoespectroscopia (LabNS) da UFMG, colabora com um grupo do setor de mineração para resolver o problema da possível contaminação do ar durante o processo de extração mineral. O projeto, explica o físico Ado Jório, um dos coordenadores do laboratório, pretende desenvolver toda a metodologia para medir a quantidade de nanopartículas presentes no ar e identificar quais delas são decorrentes de poluição gerada pela mineração. “Queremos avançar na área de nanometrologia, que é a nanotecnologia orientada para medições. Junto com o Inmetro, podemos contribuir para o desenvolvimento industrial gerando novos processos”, diz Jório. Uma das áreas de interesse do seu grupo é a aplicação de uma técnica conhecida como espectroscopia Raman na identificação de propriedades de nanotubos de carbono. A abordagem abriu caminho a novas aplicações para os nanotubos e rendeu a Jório colaborações com mais de uma centena de grupos no exterior (ver Pesquisa FAPESP nº 196).

Outro projeto em andamento no LabNS é voltado para o uso da espectroscopia no diagnóstico clínico. “Os exames de sangue são feitos por meio de testes químicos. Buscamos uma forma de análise utilizando a luz para determinar a composição de elementos físico-químicos”, explica Jório. O pesquisador e sua equipe também tentam aplicar a técnica na detecção do acúmulo de proteínas beta-amiloides, que desempenham um papel central no desenvolvimento da doença de Alzheimer. “Utilizando a óptica, queremos diagnosticar precocemente esse quadro clínico”, afirma.

A pesquisa científica em metrologia no Brasil está concentrada em institutos de pesquisa vinculados ao governo federal. Além do Inmetro, fazem parte desse sistema o Instituto de Radioproteção e Dosimetria, responsável pela metrologia para radiações ionizantes (raios X e gama), e o Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, voltado para a metrologia em tempo e frequência nas áreas de astronomia e geofísica. Às vezes são estabelecidas colaborações entre essas instituições, universidades, centros de pesquisas e empresas, resultando na formação de parcerias em áreas específicas, como a Rede Brasileira de Metrologia Legal e Qualidade e a Rede de Metrologia Química, ambas criadas recentemente. Uma das experiências pioneiras é a Rede Metrológica do Rio Grande do Sul, formada em 1992. A iniciativa reúne laboratórios do estado e do Uruguai, além de instituições e empresas de outras partes do Brasil.

A principal dificuldade do setor, explica Humberto Siqueira Brandi, diretor de metrologia científica do Inmetro, está relacionada ao custo elevado da manutenção de equipamentos. “Outro problema é a necessidade de recursos para ampliação dos laboratórios”, explica ele. Apesar disso, Brandi afirma que as atividades de pesquisa e desenvolvimento, iniciadas em 2003 no Inmetro, têm avançado. Em 2002, diz ele, o instituto tinha apenas dois doutores em seu quadro funcional; hoje, são aproximadamente 250. “O Inmetro tem agora laboratórios bastante modernos, como, por exemplo, o Centro de Microscopia Eletrônica”, diz Brandi.

Válvula (em amarelo) para medir vazão de gás em linha de teste do laboratório de metrologia do IPT, em São Paulo

eduardo cesarVálvula (em amarelo) para medir vazão de gás em linha de teste do laboratório de metrologia do IPT, em São Pauloeduardo cesar

Vitrocerâmicos
Marcio Ramos, assessor de articulação institucional do Inmetro, explica que os projetos apoiados pela rede não devem necessariamente priorizar apenas as áreas diretamente ligadas à metrologia. “Vamos dar espaço para campos do conhecimento com potencial para aumentar a competitividade das empresas”, diz ele. No Instituto de Materiais Cerâmicos da UCS, por exemplo, uma pesquisa procura desenvolver materiais vitrocerâmicos para a indústria petroquímica a partir de rochas vulcânicas ácidas que são disponíveis em larga escala no país. O projeto é realizado em colaboração com uma empresa brasileira no ramo da construção civil, cujo nome não é revelado.

“Vitrocerâmicos não são uma novidade. Datam da década de 1950. Mas a produção utilizando esse tipo de rocha é um campo pouco pesquisado no mundo”, diz José Vitório Emiliano, pesquisador do instituto. “Esse material é muito resistente a ataques químicos e à abrasão e pode ser usado para revestir tubos utilizados na indústria petroquímica”, completa. Em outra iniciativa, o instituto da UCS encontrou um parceiro além do Inmetro, o Federal Institute for Materials Research and Testing (BAM), da Alemanha. Tanto a instituição brasileira quanto sua similar alemã estão interessadas em materiais de referência para calibração de equipamentos utilizados na avaliação de propriedades termofísicas em temperaturas superiores a 1.400 graus Celsius. “Hoje contamos com materiais de referência limitados a temperaturas próximas a mil graus Celsius”, diz Emiliano.

O desafio da precisão

A metrologia é uma das áreas de pesquisa mais tradicionais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo. “Esse campo do conhecimento é essencial para avaliar, por meio da medição de desempenho, se um novo produto ou processo realmente é inovador em relação a uma versão anterior. É um dos alicerces do desenvolvimento científico e tecnológico de um país”, avalia Kazuto Kawakita, diretor do Centro de Metrologia Mecânica, Elétrica e de Fluidos do IPT. A Instituição é pioneira no campo da metrologia no país.

Um dos desafios permanentes do instituto é aprimorar a confiabilidade na calibração de equipamentos metrológicos. Por exemplo, na calibração dos medidores de gás que são utilizados na tarifação do gás natural transportado, transferido e consumido em residências, indústrias e termelétricas. No Brasil, explica Kawakita, os equipamentos utilizados para medir o gás natural são calibrados em laboratórios em condições próximas do ideal e com ar a baixa pressão.“O problema é que esses medidores trabalham em pressões de operação de gasodutos, que são muito maiores”, explica. A diferença entre as condições ideais e reais pode provocar desempenhos metrológicos diferentes do medidor, gerando erros de medição e, consequentemente, prejuízos financeiros. “Alguém pode estar perdendo muito dinheiro com isso”, afirma. No exterior, já existem normas e regulamentos
que tratam essa questão.

Uma parceria entre o IPT, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), um fabricante de medidores em Itu (SP), cujo nome não é revelado, e companhias interessadas na tecnologia, entre elas a Petrobras e a Comgás, busca criar um protótipo de um novo medidor de gás e um circuito de testes especial para realizar calibrações com gás a alta pressão. “No lugar do gás natural, vamos utilizar o CO2, que, mesmo em uma pressão mais baixa, consegue simular as condições presentes na operação de um gasoduto em uma pressão mais elevada”, conta Kawakita.

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