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Engenharia biomédica

Microbateria verde

Pesquisadores da USP e de Harvard desenvolvem protótipo feito com gelatina vegetal para aplicações médicas

Dispositivo poderá ser usado em microchips, cápsulas de endoscopia e pílulas inteligentes

Henrique Fontes / IQSC-USP

Na corrida para criar baterias de nova geração sustentáveis e orgânicas, uma equipe do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC-USP), em parceria com cientistas da Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, conseguiu um avanço importante. Eles criaram uma microbateria à base de gelatina vegetal com uso potencial em dispositivos médicos implantáveis, como microchips, ou empregados em exames, entre eles pílulas inteligentes e cápsulas de endoscopia.

O detalhamento da pesquisa que resultou no protótipo do dispositivo foi publicado pela revista britânica Journal of Materials Chemistry A. “Não há produto comercial com o mesmo perfil. Nossa microbateria mostrou-se eficiente e mais segura do que as disponíveis no mercado, e é composta por elementos abundantes na natureza”, diz a química Graziela Cristina Sedenho, do grupo da USP.

Pelo trabalho, Sedenho e seu orientador de doutorado, o químico Frank Nelson Crespilho, ganharam o Prêmio Kurt Politzer de Tecnologia, conferido pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), na categoria Pesquisador. Coordenador do Grupo de Bio-eletroquímica e Interfaces do IQSC-USP, Crespilho se dedica há algum tempo ao desenvolvimento de sistemas orgânicos e bioinspirados de conversão de energia, como biocélulas a combustível e baterias orgânicas (ver Pesquisa FAPESP no 205).

Menor do que a ponta do dedo indicador – mede 1,5 centímetro (cm) de comprimento por 1,5 cm de largura e 4 milímetros (mm) de espessura – e pesando apenas 0,50 grama, o protótipo é menos tóxico do que as baterias tradicionais usadas no meio médico, que têm em sua composição prata ou lítio. Crespilho explica que as microbaterias convencionais são geralmente compostas por eletrólitos corrosivos ou inflamáveis ao contato com ar ou água, o que torna arriscado seu uso na medicina – eletrólitos são substâncias condutoras de eletricidade. “Há vários tipos de microbateria no mercado. Elas são eficientes, mas o problema é a segurança. Se uma dessas baterias contendo lítio ou prata romper e entrar em contato com o organismo do paciente pode até causar a morte”, destaca o pesquisador.

No dispositivo desenvolvido pelos cientistas da USP e de Harvard, a matriz para suporte dos eletrólitos é composta por hidrogel de agarose, popularmente conhecido como gelatina vegetal (ver infográfico abaixo). Biopolímero constituído de açúcar extraído de algas marinhas, a agarose é uma substância amplamente disponível e de baixo custo. Para a geração de corrente elétrica, foram incorporados no gel dois tipos de moléculas sintetizadas em Harvard, que possibilitam que a microbateria funcione com eletrólito aquoso e não corrosivo.

A inspiração para uma dessas moléculas veio das quinonas, grupo de substâncias orgânicas presentes em galhos, folhas e raízes de plantas. O cientista Michael J. Aziz, da Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas de Harvard, que participou da pesquisa, já trabalhava com essas moléculas no desenvolvimento de baterias estacionárias de grande porte, com a finalidade de serem acopladas a conversores de energia eólica e solar.

Foi da equipe de Crespilho a ideia de utilizar como matriz o hidrogel de agarose e aproveitar moléculas orgânicas e organometálicas na elaboração das microbaterias. O grupo de São Carlos tem experiência na construção de sistemas bio-eletroquímicos para conversão de energia elétrica utilizando moléculas orgânicas e biológicas, que operam em condições compatíveis com a do corpo humano.

A composição da bateria permite que ela seja descartada sem causar prejuízo ao ambiente, fazendo com que se encaixe na categoria de produtos verdes. Além disso, a matéria-prima usada em sua produção é renovável, ao contrário do lítio, uma commodity cujas reservas são finitas e cujo preço apresenta oscilações no mercado internacional.

As baterias foram desenvolvidas para uso em microdispositivos por enquanto pouco conhecidos e empregados no país. “Embora a cápsula de endoscopia, usada para imagear o aparelho digestivo, já seja comercial, ainda é pouco difundida no Brasil”, diz Crespilho. Inovação ainda mais recente, as pílulas inteligentes são dotadas de sensores capazes de detectar bactérias, sangramentos e outros problemas no sistema gastrointestinal.

A físico-química Susana Inés Córdoba de Torresi, coordenadora do Laboratório de Materiais Eletroativos do Instituto de Química da USP, na capital paulista, considera original e promissora a iniciativa de se construir uma microbateria a partir de gel de agarose. “A ideia é excelente. Precisamos ver como vai funcionar na prática, quando forem feitos os ensaios clínicos”, afirma. A microbateria ainda não foi testada em um dispositivo médico de uso humano ou animal. Segundo Torresi, as únicas preocupações referem-se à estabilidade – não física, mas relativa ao funcionamento do dispositivo – e sua biocompatibilidade.

Torresi destaca que microbaterias usadas na área médica em geral não precisam ter alta voltagem, já que os microdispositivos onde serão usadas não demandam muita energia. Ressalta também que a aplicação delas se torna mais fácil quando empregadas em dispositivos como cápsulas de endoscopia – usadas uma única vez, por pouco tempo –, ao contrário de microchips, que são implantados e ficam no organismo por um longo período.

Para os pesquisadores da USP, a tecnologia poderá ser utilizada no futuro próximo em uma gama maior de dispositivos, como marcapassos, que regulam os batimentos cardíacos de pacientes cardiopatas. “Para isso, é preciso aperfeiçoar nosso projeto, já que marcapassos requerem mais energia e uma bateria de longa duração”, informa Sedenho. Ela ressalta, no entanto, que, para os usos propostos para o estudo, a tecnologia já está suficientemente desenvolvida. “Estamos aptos a transferir o conhecimento a uma empresa para que o dispositivo chegue à sociedade.”

Projeto
Bateria de fluxo redox acoplada com biocélula a combustível microbiológica (nº 17/15714-0); Modalidade Bolsa de Doutorado – Exterior; Pesquisador responsável Frank Nelson Crespilho (USP); Bolsista Graziela Sedenho; Investimento R$ 109.838,33.

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