Minúsculas estruturas do tamanho de caixas de fósforo, que funcionam como microlaboratórios de análises químicas, estão cotadas para substituir os tradicionais instrumentos utilizados atualmente para exames de sangue. Com uma única gota retirada do dedo do paciente, o médico poderá, no próprio consultório, processar o material e, imediatamente, fazer o diagnóstico e, se for o caso, receitar o tratamento apropriado. Testes feitos em laboratório pelo grupo de pesquisa coordenado pelo professor Claudimir Lucio do Lago, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), mostraram que é possível produzir essas pequenas peças em curto espaço de tempo e com baixo custo, ao contrário de outras técnicas usadas para a produção desses microequipamentos. O preço reduzido de cada dispositivo — que mede 2 por 3 cm2 — gira em torno de US$ 0,02. “Uma única transparência permite produzir cerca de 50 dispositivos em questão de poucas horas”, diz Claudimir. “Já os tradicionais, feitos em vidro ou quartzo, custam entre dezenas e centenas de dólares por unidade, preços cobrados por empresas que fabricam essas microestruturas no exterior.” A nova técnica será útil para a produção de protótipos que servem para avaliar a composição da água de chuva, do álcool combustível, de vinhos e do teor de açúcar em bebidas, entre outras aplicações. Para isso, esses produtos possuem microcanais por onde os fluidos analisados são processados. A novidade do grupo da USP está em construir esses microcanais utilizando apenas materiais encontrados em escritório, como computador, transparências e toner (o pó preto utilizado nas máquinas copiadoras).
Com essa técnica é possível, em apenas uma hora, criar um protótipo e testá-lo, enquanto pelo método usado tradicionalmente são necessárias semanas e até meses para avaliar se a microestrutura planejada realmente funciona. Claudimir ressalta que o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) tem recursos para fabricar peças mais elaboradas, com canais mais profundos, assim como o Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI), da Escola Politécnica de São Paulo, da USP. Mas o processo desenvolvido por esses laboratórios é feito em múltiplas etapas, com segredos tecnológicos e uma limitação: se apenas uma das etapas falhar, é necessário recomeçar todos os testes. “É caro, porque exige uma infra-estrutura realmente pesada, e demorado, em razão das várias etapas”, afirma o pesquisador. “A nossa idéia inicial, de desenvolver um processo que permitisse diluir custos de produção, com a geração rápida de um protótipo, foi atingida com o uso do toner”, comemora Claudimir, que contou com a ajuda de três alunos de doutorado e um de pós-doutorado.
Produto descartável
O novo processo foi patenteado com apoio do Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. A criação dos microcanais começa no computador, com o traçado do percurso feito com o auxílio do programa Corel Draw. A primeira impressão, apenas para testar se o desenho está correto, é feita em papel comum, e a definitiva, em uma folha de plástico transparente. Essa folha é colada a outra em uma laminadora (máquina de plastificar documentos), formando uma espécie de sanduíche de polímero. A espessura da camada de toner, com poucos micrômetros (milésimos de milímetros), determina a altura do canal, enquanto a resolução do processo de impressão e a granulometria do toner respondem pela sua largura. “Devido ao baixo custo da matéria-prima e de fabricação, essas estruturas podem ser úteis na confecção de dispositivos microfabricados descartáveis”, diz Claudimir. Mas, na sua avaliação, para serem produzidas em grande escala, alguns aspectos da construção dos equipamentos e do desenvolvimento de materiais têm de ser aprimorados pela indústria. “Estamos trabalhando com os recursos existentes no laboratório, mas não temos como desenvolver impressora a laser específica para fabricar microdispositivos”, observa o pesquisador. “Sem contar que o tamanho dos grãos do toner foi desenvolvido para impressão normal e sua composição química destina-se apenas a papel e transparência, e não a outros materiais mais apropriados para análises químicas.” Segundo Claudimir, ainda que o produto final seja construído com outra técnica, a prototipagem rápida concebida no Instituto de Química vai despertar interesse porque o processo não gera tantos rejeitos industriais como o método convencional de microfabricação utilizado pelas empresas.
Múltiplos usos
A idéia de utilizar o processo de impressão a laser para fins de microfabricação surgiu em 1999, quando Claudimir estava finalizando um projeto sobre cristais piezelétricos de quartzo, para análise de boro e germânio, publicado na Analytical Chemistry, a principal revista de química analítica do mundo. Uma das partes do projeto versava sobre detecção em eletroforese capilar, técnica analítica que utiliza alta tensão para separar, por meio de um tubo de sílica parecido com um fio de cobre, os compostos químicos e depois quantificá-los. “Esse método foi responsável pelo grande impulso dado aos projetos genomas e está intimamente ligado ao desenvolvimento de técnicas de análise que utilizam dispositivos microfabricados”, relata. Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, França e Japão são os principais mercados para os microlaboratórios. No Brasil, a procura por esses produtos ainda é pequena, mas pode aumentar se os preços não forem proibitivos. Os interessados são empresas da área de análises clínicas, do setor farmacêutico e de controle ambiental. Mas as indústrias de alimentos e bebidas também são candidatas a utilizar esses sistemas miniaturas de controle de qualidade.
O projeto
Processo de microfabricação utilizando toner como material estrutural (nº 01/00881-0); Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPI); Coordenador Claudimir Lucio do Lago — IQ/USP; Investimento R$ 5.000,00