Imprimir PDF Republicar

Zootecnia

Miniporcos no laboratório

Pesquisadores brasileiros já contam com suínos de pequena estatura e baixo peso para experimentos científicos

EDUARDO CESAR“Minipig” filhote: aos 8 meses tem 16 quilos, enquanto o convencional possui 70 quilos aos 4 mesesEDUARDO CESAR

Aos 8 meses de idade, os porquinhos têm aproximadamente 47 centímetros de altura, 88 centímetros de comprimento e pesam 16 quilos, enquanto um membro da mesma espécie criado em granjas para abate já possui 70 quilos com 4 meses de vida. Essa diferença de tamanho foi conquistada há cerca de dois anos pela empresa paulista Minipig Pesquisa e Desenvolvimento. Ela passou a produzir o primeiro suíno brasileiro, com o nome de Minipig Br1, que é selecionado especialmente para ter dimensões adequadas para uso em experimentos científicos em instituições de pesquisa.

Devido à semelhança fisiológica, morfológica e bioquímica entre o suíno e o ser humano, o uso de porcos em pesquisas científicas para testes de medicamentos, por exemplo, não é nenhuma novidade. Na obra do médico belga Andreas Versalius, De humani corporis fabrica, de 1540, já consta a ilustração do porco sendo utilizado em experimentação, uma prática também realizada cerca de mil anos antes pelo médico grego Galeano. Mais próximos do homem que alguns primatas, eles têm o aparelho digestivo, os pulmões e olhos muito parecidos com os dos humanos. O coração também tem características morfológicas idênticas às do homem, assim como sua pele. Aliás, o porco é o único animal que, afora o homem, fica com a pele rosada depois de exposição solar intensa. No entanto, tão antiga quanto o uso do suíno em pesquisas científicas é a dificuldade de manipular o animal de granja, que atinge 1 ano de idade com 250 quilos. Assim, alguns experimentos tornam-se inviáveis.

A primeira tentativa de produzir suínos menores por meio de cruzamento e seleção aconteceu em 1949, no Instituto Homel da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos. Desde então, foram desenvolvidas várias linhagens de minipigs, entre elas a Minnesota, a Yucatan, proveniente do sul do México, a Kangaroo Island, do sul da Austrália, a Goettingen, da Dinamarca, e a também norte-americana Sinclair. Entre 1960 e 2004 foram publicados nada menos que 3.640 trabalhos científicos utilizando miniporcos como modelo experimental, nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia.

Sociedade familiar
Na década de 1960, por meio da revista Scientific American, o médico veterinário Mário Mariano, então professor do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), tomou conhecimento do trabalho dos pesquisadores de Minnesota, que tentavam reduzir o tamanho do suíno para utilizá-lo como modelo experimental. Ele conta que seu interesse em fazer uma experiência semelhante no Brasil partiu dali, mas, depois de algumas tentativas frustradas de realizar o projeto na academia, a idéia esfriou. Foi só em 1999, quando uniu sua experiência científica com os conhecimentos de seu irmão José Roberto Mariano em administração de empresas e desenvolvimento de projetos, e com a colaboração da funcionária Maria Benedita de Albuquerque Pereira, responsável pela manutenção e progressão dos cruzamentos, é que ele conseguiu concretizar a idéia do minipig. Iniciou-se então a seleção de porcos com pequena estatura para procriação em sua propriedade localizada no município de Campina do Monte Alegre, na região oeste do estado de São Paulo. Antes de abrir a empresa a dupla fez ainda uma pesquisa de mercado para verificar a viabilidade econômica do projeto.

“Foi uma luta muito grande, uma experiência de erro e acerto até chegar à estabilização do tamanho adequado nos animais”, recorda Mário, atualmente professor afiliado do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Depois de cinco anos de tentativas sem obter resultados positivos, ele pensava em desistir. Foi quando conseguiram um animal na fazenda que aos 9 meses de idade tinha apenas 50 centímetros de altura, aproximadamente. Quatro anos depois, os irmãos já estavam com o minipig Br1 pronto para comercialização. O preço atual de cada animal é de R$ 800,00, fora o frete. Nos Estados Unidos,  animais semelhantes custam entre US$ 900,00 e US$ 1.200,00.

O porquinho brasileiro possui índices compatíveis com os desenvolvidos nas colônias de minipig de outros países. Aos 11 meses de idade, os animais machos atingem o peso máximo de 35 quilos e as fêmeas, 30 quilos. Desde que o minipig passou a ser produzido no Brasil, há dois anos, foram usados 110 animais para pesquisas científicas e 144 já estão vendidos para os laboratórios.

Uma das primeiras experiências com o minipig no Brasil foi realizada na Faculdade de Odontologia, na unidade da USP de Bauru, que resultou em publicações em periódicos internacionais e uma tese de mestrado. Esses animais também foram usados em vários trabalhos de mestrado e doutorado da Unifesp. Só o grupo de Endoscopia Digestiva daquela universidade já realizou quatro estudos na área com o uso do minipig. Todos foram chefiados pelo professor Ângelo Paulo Ferrari Júnior. Um deles foi o tema do mestrado de Rodrigo Azevedo, com o título Modelo experimental de manometria e efeito do midazolam e propofol no esfíncter de Oddi de Minipig Br1.”A praticidade do pequeno porte do animal e a similaridade com a anatomia do tubo digestivo do ser humano são as grandes vantagens da utilização deste modelo em estudos experimentais”, diz Azevedo. Pesquisadores de outros centros, como o Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, do Instituto de Ciências Avançadas em Otorrinolaringologia (Icao) e da Faculdade de Veterinária da USP já usam ou solicitaram a aquisição de animais.

Pequenas mães
Na seleção que resultou no minipig, os irmãos Mariano selecionaram as matrizes com características de serem “boas mães”, pequenas e com baixo índice de gordura. Todas as matrizes e reprodutores selecionados não chegam aos 40 quilos. Mário enfatiza que a criação desses animais não segue as técnicas de produção industrial de suínos, que costuma mantê-los em gaiolas, mas segue os critérios de bem-estar animal da Organização Mundial da Saúde (OMS). As matrizes parem em baias com cama de capim e os leitões desmamados são transferidos para áreas com piso de 80 centímetros de maravalha de pinho que auxilia na higienização do ambiente. Quando adultos, eles vão para baias abertas com piquetes gramados para o pastoreio.

Os animais são vacinados contra seis tipos de doença e vermifugados para o controle de parasitos. Os dejetos, após tratamento, são utilizados para adubação da pastagem. A manutenção do animal, o transporte para os laboratórios e toda assistência médica nas áreas de anestesiologia, raios X, ultra-sonografia e cirurgia geral também foram facilitados devido a convênios da empresa com hospitais veterinários. A empresa produz e oferece a ração apropriada para os animais e até assistência na elaboração de projetos de pesquisa.

“É bom lembrar que nós só disponibilizamos porcos para projetos científicos aprovados por uma comissão de ética”, enfatiza José Roberto. O uso do suíno para a pesquisa é direcionado para áreas de investigação, como transplante de órgãos, toxicologia, testes pré-clínicos e outras. “O minipig é também um modelo ideal para a realização de testes pré-clínicos com novos medicamentos e para substituir os cachorros nos experimentos.”

Republicar