Há 10 anos, um grupo de biólogos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) ficou intrigado com a variação no número de morcegos-das-costas-peladas (Pteronotus gymnonotus) em uma caverna do Parque Nacional do Catimbau, a cerca de 290 quilômetros (km) de Recife. Se em um dia 120 mil animais estavam ali, em outro eram pouco mais de 200. Com a ajuda de um sensor térmico e um software que registram o entra e sai dos bichos, eles monitoraram outras cavernas da região Nordeste do país e perceberam que o fenômeno se repetia. “Sabíamos que não era mortandade. Eles estavam indo para algum lugar”, observa Enrico Bernard, coordenador do grupo.
Com base na análise do material genético de morcegos de nove dessas cavernas, os pesquisadores encontraram pistas para a charada: os dados sugerem que os animais formam uma população grande e conectada, com proximidade genética entre colônias que vivem em cavernas distantes até 700 km entre os estados de Sergipe e Ceará. “Os dados sugerem que esses animais podem estar se deslocando por longas distâncias”, explica Bernard. Anteriormente, a distância máxima registrada entre populações conectadas era de 150 km. As análises indicaram dois aglomerados genéticos conectados. “Isso indica que, apesar de existirem grupos distintos, há encontros reprodutivos entre colônias”, diz o biólogo.
“Esses morcegos estão usando uma rede de cavernas e isso implica não olhá-las mais de forma isolada”, observa a bióloga Fernanda Ito, primeira autora de um artigo que apresenta esses dados, publicado em outubro na revista Frontiers in Ecology and Evolution. Ela conduziu as análises genéticas durante o doutorado no Programa de Pós-graduação em Biologia Animal da UFPE, concluído recentemente sob orientação de Bernard, coautor do artigo escrito também em parceria com dois pesquisadores da Universidade de Helsinque, na Finlândia. Foi na universidade europeia, durante uma bolsa sanduíche, que Ito fez o sequenciamento genético de amostras de 93 fêmeas e 84 machos dessa espécie, que têm pelagem marrom-avermelhada e cujo comprimento pode chegar a 7 centímetros (cm). Suas asas se juntam na linha dorsal, o que causa a impressão de que eles não têm pelos nas costas.
Ainda se sabe pouco sobre o deslocamento de morcegos no Brasil, já que não há para esses animais um programa específico de monitoramento como o Sistema Nacional de Anilhamento de Aves Silvestres (SNA), por meio do qual é possível entender as rotas e as áreas por onde passam as aves. Apesar disso, dados de pesquisas internacionais indicaram que outros morcegos, como o magueyero-menor (Leptonycteris yerbabuenae) e o morceguinho-das-casas (Tadarida brasiliensis), estariam se deslocando entre cavernas dos Estados Unidos e do México, com a primeira espécie percorrendo cerca de 1,6 mil km e a segunda 2,5 mil km. Na Europa e na África também há registros de morcegos que se deslocam por mais de 2 mil km.
E por que os morcegos brasileiros voariam tão longe? “Ainda precisamos descobrir a razão”, diz Bernard. Mas Ito e ele têm suas hipóteses: os costas-peladas talvez usem a rede de cavernas na busca por parceiros reprodutivos. Os pesquisadores desconfiam de uma segregação temporal entre os sexos nessa espécie, já que ora encontram mais machos nas chamadas cavernas-satélite, ora machos e fêmeas estão juntos – nesses momentos, os locais seriam usados para a cópula. Segundo o pesquisador, as fêmeas passam mais tempo nas cavernas-berçário, onde há câmaras quentes em que podem dar à luz. Nelas, o grupo já encontrou alguns machos, mas com mais frequência quem está lá são fêmeas com filhotes que nascem nessas câmaras e ficam ali por até quatro meses. “As cavernas-berçário costumam estar cheias durante todo o ano, de forma regular; as satélites apresentam mais flutuação”, descreve Bernard. “Precisamos investigar mais essas variações para entender o comportamento reprodutivo.”