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Obituário

Morre astrofísico João Steiner

Professor da USP tinha 70 anos, era especialista em núcleos ativos das galáxias e trabalhou em prol da melhoria da infraestrutura de pesquisa

Léo Ramos Chaves João Steiner retratado para entrevista concedida em 2013 a Pesquisa FAPESPLéo Ramos Chaves

Aos 70 anos, João Steiner, professor titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP e uma das maiores lideranças da astrofísica nacional, morreu ontem (10/09) pela manhã. Ele se sentiu mal e sofreu um infarto durante um passeio com seu filho mais velho, Renato, no sítio da família em São Martinho, sua cidade natal, em Santa Catarina. Steiner estava na região em isolamento social, há cinco meses, devido à pandemia de Covid-19. Ele foi cremado hoje às 14h no município vizinho de Capivari de Baixo. 

Nascido em uma família de agricultores de origem alemã, Steiner aprendeu português somente aos dez anos. Até essa idade, falava apenas alemão, a língua então corrente em São Martinho. “Meus bisavós vieram do vale do Reno, da Alemanha, e foram para o vale do Capivari, em Santa Catarina. A família do meu pai veio de Koblenz, onde o rio Mosela entra no Reno. A minha mãe é da família Boeing e veio de Bocholt. Ela descendia de dois irmãos que fugiram do serviço militar alemão. O William foi para Seattle e fundou uma companhia que depois passou a fabricar aviões, a Boeing. O Werner foi para Santa Catarina. O ruim dessa história é que nasci no lado pobre da família”, recordou, com bom humor, em entrevista concedida em 2013 a Pesquisa FAPESP.

Steiner se graduou em Física na USP, fez mestrado e doutorado em astronomia no IAG, onde era professor desde 1977. Especialista em astronomia de raios X e núcleos ativos de galáxias, era grande estudioso dos buracos negros. No final dos anos 2000, aprimorou, por exemplo, um método estatístico adotado em outras áreas da ciência (a análise de componentes principais) para analisar a imensa quantidade de dados pela espectroscopia de campo integral, uma técnica de observação astronômica. “Dessa forma, ele descobriu buracos negros em lugares em que ninguém tinha encontrado nada”, conta o astrofísico Augusto Damineli, do IAG, amigo e colega de trabalho de Steiner há 50 anos (fizeram graduação juntos). “Ele exerceu muitos cargos de administração, mas nunca deixou de fazer pesquisa.” Entre outras funções, foi diretor do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA) entre 1997 e 1999, secretário do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) entre 1997 e 2002 e diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP de 2003 a 2007. Também coordenou a implantação do Sistema Paulista de Parques Tecnológicos.

Steiner era hábil gestor da ciência e lutou pela melhoria da infraestrutura para estudos astronômicos no Brasil. “Após um período de pós-doutorado nos EUA [entre 1979 e 1982], onde também passou um tempo como parte do staff do Center for Astrophysics – Harvard & Smithsonian, ele voltou ao Brasil com um profundo sentimento da necessidade e urgência de melhorar a infraestrutura de pesquisa em Astronomia. Desde então, trabalhou incansavelmente com esse objetivo. Podemos dizer, sem sombra de dúvida, que o acesso que nossa comunidade tem hoje a telescópios de médio e grande portes é resultado direto de seus grandes esforços nesta direção”, afirma a astrofísica Claudia Lucia Mendes de Oliveira, professora do instituto, membro da coordenação adjunta da área de ciências exatas da FAPESP e amiga de Steiner. 

Steiner foi o principal defensor e articulador da participação do estado de São Paulo, por meio de financiamento da Fundação, no projeto GMT, um supertelescópio de 24,5 metros em construção no Chile, que deve inaugurar uma nova era de observações do Universo (ver reportagem de Pesquisa FAPESP). Era o representante da FAPESP no comitê de gestão do GMT. “João Steiner foi um cientista brilhante e contribuiu de forma extraordinária para o desenho do sistema de pesquisa no Brasil, tanto no Inpe, como na USP e especialmente no plano nacional, como secretário das unidades de pesquisa do MCTIC, onde implantou várias organizações sociais e ajudou a definir as missões de nossos institutos. Na FAPESP foi também decisivo, coordenando alguns dos maiores projetos da Fundação”, disse, à Agência FAPESP, Carlos Américo Pacheco, diretor do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da Fundação. “O professor Steiner foi um ícone na ciência nacional, com contribuições em inúmeras esferas de atuação. Fica certamente o legado dessa sua apaixonada atuação em prol da ciência”, avaliou Luiz Eugênio Mello, diretor científico da FAPESP. 

A educação e a divulgação científica, em particular da astronomia, era também outra atividade a que se dedicava com vigor. Seus cursos em vídeo, ‘Astronomia: uma visão geral I e II”, voltados para um público não especializado, contabilizam cerca de um milhão de visualizações. Os programas eram as aulas, filmadas, que Steiner ministrava para os alunos do primeiro ano do bacharelado em astrofísica do IAG. Ele também tinha uma coluna semanal na rádio USP, intitulada “Entender Estrelas”. Essas iniciativas despertaram vocações para a carreira de astrofísica. “Quando estava na escola e decidi que queria estudar astronomia; quem me confirmou esse interesse foi o professor, em vídeos no Youtube que tornam um curso de astronomia acessível para qualquer pessoa que tenha interesse e internet. Depois, na faculdade, conheci Steiner pessoalmente nas aulas. Seu fascínio pelo Universo era tão contagiante que, na primeira matéria que fiz no IAG, já estava pedindo para fazer iniciação científica com ele”, diz, em depoimento ao site do IAG, a mestranda Catarina Aydar que era orientada pelo astrofísico.

A edição 296 publicou uma versão estendida desta reportagem

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