Um dado importante passou quase despercebido na mais recente lista dos 6,8 mil cientistas altamente citados de todas as áreas do conhecimento, divulgada em novembro de 2023 pela empresa Clarivate Analytics: todos os nomes da área de matemática foram excluídos da relação. A Clarivate não deu detalhes sobre o que houve e apenas informou que, como a comunidade de pesquisadores em matemática é relativamente pequena, aumentos ligeiros em publicações e citações podem causar distorções na análise do campo inteiro.
Uma reportagem publicada na revista Science no final de janeiro trouxe à tona uma possível explicação para a desclassificação em massa. O matemático Domingo Docampo, da Universidade de Vigo, na Espanha, um especialista em rankings acadêmicos, havia levantado dados das últimas 15 edições da Clarivate e encontrado evidências de manipulação de citações na matemática capazes de comprometer a confiança em seus resultados. “Achei indivíduos que publicavam em revistas que nenhum matemático sério lê, cujos trabalhos eram citados em artigos que nenhum matemático sério leria e que estavam em instituições que ninguém conhece na área da matemática”, disse ele à Science.
Docampo constatou que houve uma mudança no perfil dos papers da área de matemática entre o 1% dos artigos que receberam maior número de citações. Entre 2008 e 2010, a Universidade da Califórnia, Los Angeles (Ucla), produziu o maior número de artigos da área de matemática entre o 1% com maior número de citações. Foram 28 papers. Em segundo lugar, aparecia a Universidade Stanford, com 27. Já entre os anos de 2021 e 2023, uma instituição com pouca tradição na matemática, Universidade Médica da China, em Taiwan, liderava com 95 artigos entre os mais citados, seguida por instituições como a Universidade King AbdulAziz, na Arábia Saudita, com 66.
O pesquisador aprofundou sua análise e encontrou indícios da existência de cartéis de citação: as referências aos artigos das instituições no topo da lista vinham, muitas vezes, de pesquisadores vinculados a elas próprias e com certa frequência os papers eram publicados em revistas com práticas predatórias, aquelas que aceitam divulgar artigos em troca de dinheiro sem fazer uma revisão por pares genuína.
Yueh-Sheng Chen, secretário-chefe da Universidade Médica da China, negou que sua instituição tenha se envolvido em práticas irregulares. “Não sabemos nada sobre citações direcionadas e não estamos envolvidos nesse tipo de manipulação”, disse ele à Science. Chen afirma que a instituição tem especialistas de renome em matemática aplicada que apoiam a abordagem interdisciplinar que a universidade dá à medicina. Já a Universidade King AbdulAziz preferiu não fazer comentários. Docampo informou que está trabalhando no desenvolvimento de indicadores mais refinados, capazes de relacionar as citações com a qualidade dos periódicos e das instituições a que os autores estão vinculados.
O problema não é restrito à matemática. Todos os anos, a Clarivate exclui pesquisadores de todas as áreas do conhecimento da relação dos altamente citados porque cometeram irregularidades para ingressar na lista. Na relação publicada em 2022, 550 nomes foram removidos (ver Pesquisa FAPESP nº 323). A matemática alemã Ilka Agricola, presidente do Comitê de Informação Eletrônica e Comunicação da União Matemática Internacional, criticou a Clarivate por excluir todos os matemáticos da lista. Ela considera que a desclassificação pode passar a impressão de que a disciplina está infiltrada por “cientistas fraudulentos”. “Lamentamos muito que nenhuma outra opção tenha sido considerada a não ser deixar de listar a matemática”, afirmou.
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