O desafio de produzir ventiladores pulmonares em quantidade suficiente para atender as pessoas hospitalizadas com Covid-19 trouxe à tona o empenho do anestesiologista paulistano Kentaro Takaoka (1919-2010) na década de 1950. Numa época em que os equipamentos eram poucos, grandes e caros, ele desenvolveu um ventilador pulmonar mecânico e portátil, que não precisava de eletricidade. Foi usado pelos profissionais dessa área nas quatro décadas seguintes.
“O aparelho do dr. Takaoka era muito usado para manter a ventilação pulmonar do paciente durante as cirurgias, porque os anestésicos deprimem a respiração”, diz o anestesiologista José Luiz Gomes do Amaral, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A respiração artificial era – e ainda é – indicada também para pessoas em unidades de terapia intensiva para manter os pulmões funcionando. “Foi a salvação de muita gente, no Brasil e em outros países.” Amaral usou o aparelho em seus primeiros tempos de médico em hospitais e em sala de aula, já que “cabia na palma da mão”, como ele diz, para ensinar os princípios da ventilação mecânica.
O takaokinha, como era chamado, era essencialmente um cilindro com cerca de 8 centímetros (cm) de diâmetro por 6 cm de altura que injetava oxigênio e facilitava a saída de gás carbônico do pulmão dos pacientes. Tinha duas conexões, uma com o tubo de oxigênio preso à parede dos hospitais e outra com a cânula, colocada na traqueia, que leva ar aos pulmões. No interior do aparelho, “quando a pressão do oxigênio aumenta, uma membrana, o diafragma, fecha a entrada, gera uma pressão negativa e ajuda o paciente a exalar o gás carbônico dos pulmões”, explica Masachi Munechika, anestesiologista no Hospital Nipo-Brasileiro e professor da Unifesp que conheceu Takaoka na década de 1980, quando era médico residente. “O ventilador do dr. Takaoka era o sonho de consumo de todo anestesiologista”, diz ele. Um dos detalhes que o impressionava é que a membrana era regulada por dois ímãs circulares de alumínio, níquel e cobalto, elaborados no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo (ver diagrama).
“Anestesiologistas da América do Norte e da Europa que visitavam o dr. Takaoka ganhavam um respirador para testar e viam que era fácil de usar e fornecia uma ventilação pulmonar adequada, com ajustes mínimos”, comentou o anestesiologista Allen Bobkin, do Upstate Medical Center, em Siracusa, nos Estados Unidos, em um artigo publicado na Canadian Anaesthetists’ Society Journal em 1961. O aparelho era mecânico e de funcionamento manual, enquanto os atuais respiradores eletrônicos, regulados por microprocessadores, permitem ajustes mais precisos do tempo de inspiração e expiração, do volume, do fluxo e da pressão do oxigênio, além de mostrar o funcionamento do pulmão em um monitor.
“O dr. Takaoka é uma pessoa despretensiosa, simples, extremamente simpática e um pouco tímida. Não gosta de falar de si mesmo, mas se expande em pormenores quando se trata de discutir seu assunto predileto: a anestesiologia”, relatou um jornalista em uma reportagem publicada em junho de 1964 na revista O médico moderno. Embora quisesse ser engenheiro, Takaoka, por ser o filho mais velho, como era tradição na família, teve de seguir a profissão do pai, Sentaro, médico clínico e fundador do Hospital Santa Cruz, ligado à comunidade japonesa. Ele entrou no curso da Universidade de São Paulo (USP) e, ainda como estudante de medicina, formou-se fresador mecânico no Serviço Nacional da Indústria (Senai).
Primeiros equipamentos
Nessa época, final da década de 1930, a ventilação mecânica começava a se desenvolver. Em 1928, dois norte-americanos, o engenheiro Phillipe Drinker (1894-1972) e o médico Louis Agassiz Shaw Jr. (1886-1940), tinham feito o pulmão de aço, um cilindro com dois motores de aspirador de pó que cobria o corpo, deixando de fora apenas a cabeça, bastante usado para tratar pacientes com a forma mais grave de poliomielite.
Em 1950, os suecos Clarence Crawford (1899-1984), cirurgião, e Olle Friberg (1912-1979), anestesiologista, visitaram o atual Hospital dos Servidores do Estado, no Rio de Janeiro, para promover a ventilação pulmonar controlada. Com base na apresentação e nos aparelhos europeus, o médico José Joaquim Cabral de Almeida (1900-1983) fez o pulmoventilador, com respiração controlada, testado no Hospital Beneficência Portuguesa, no Rio de Janeiro, em 1951. Foi um sucesso: a mortalidade nas cirurgias pulmonares caiu de 70% para 3,3%, mas os aparelhos ainda eram grandes, pesados e caros. No Hospital das Clínicas da USP havia apenas um desses aparelhos de respiração, enorme, com dois cilindros de oxigênio e uma máscara, que tinha de ser transportado entre os andares e não atendia a todos os médicos que o requisitavam. Em uma sala do nono andar do hospital que transformou em oficina, Takaoka decidiu fazer ele mesmo algo mais prático.
Ele terminou o protótipo de um aparelho portátil em 1951, apresentou-o no ano seguinte no congresso anual da Sociedade Brasileira de Anestesiologia, em São Paulo, e testou-o em cães durante quatro anos até iniciar o uso em pessoas, em 1955. “Meu pai fazia tudo, peça por peça”, comenta o anestesiologista Flávio Takaoka, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Nascido em 1952, ele se lembra do pai trabalhando na oficina no quarto dos fundos e depois na fábrica que ele criou em 1957, a K. Takaoka Indústria e Comércio, a poucas quadras de onde moravam, para produzir o respirador em larga escala para o mercado nacional e externo.
Inventor profícuo
Ao completar 55 anos, em 1974, Takaoka decidiu deixar seu trabalho no Hospital das Clínicas e se dedicar apenas à empresa, que viveu uma fase de expansão contínua até a década de 1990, quando a abertura às importações de ventiladores eletrônicos abateu o ritmo de crescimento de aparelhos mecânicos como o dele. “Havia um momento do dia em que ele parava a conversa e ia para bancada dos engenheiros discutir projetos”, observou Amaral, da Unifesp, quando visitava a fábrica.
Renomeada para KTK, a empresa hoje produz ventiladores com microprocessadores e monitores, cujas primeiras versões ele lançou na década de 1990. Em 2005, Takaoka ganhou o prêmio Inventor Inovador da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Foi um inventor profícuo, que patenteou cerca de 60 aparelhos médicos, como vaporizadores e umidificadores, no Brasil e nos Estados Unidos. Um de seus filhos, Nelson, cuida da empresa, que continua fabricando tanto os modelos mais simples quanto os eletrônicos. A KTK está envolvida no esforço para aumentar a produção para atender a encomenda dos hospitais em razão da pandemia de Covid-19.
Uma das versões do aparelho de Takaoka inspirou um respirador portátil que poderia ser feito por impressão 3D. O projeto Breath4Life é coordenado por duas startups incubadas no Hospital Israelita Albert Einstein.
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