Dois engenheiros, um agrônomo e outro eletrônico, uniram-se num projeto que protege plantações e o meio ambiente: um equipamento que prevê ataques de fungos e a conseqüente doença das folhas, serve para qualquer cultura tropical e reduz drasticamente o uso de agrotóxicos. Fábio Valadão, em sua pequena empresa de Campinas, a Microdesign Informática, desenvolveu o projeto Equipamento para Previsão de Doenças Fúngicas em Vegetais, e Nilson Villa Nova, professor da Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz (Esalq), de Piracicaba, coordenou o trabalho que é financiado pelo Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP.
O aparelho reduz os gastos com fungicidas para até um terço do total – o que, dependendo da cultura, equivale a até 25% dos custos de produção. Também indica o momento adequado de pulverizar a lavoura e o número de aplicações. Além de tudo, o uso do defensivo na medida certa evita excessos na contaminação das plantas, do meio ambiente, bem como da pessoa que faz a aplicação do veneno e dos consumidores do produto.
Os pesquisadores explicam que o potencial de infestação de doenças fúngicas é diretamente proporcional ao número de horas que a água fica sobre as folhas. E está sempre associado a temperaturas elevadas, e a índices altos de umidade relativa do ar e de chuvas, que contribuem para manter as plantações molhadas.Em geral, o agricultor resolve pulverizar as plantas simplesmente porque nota que elas ficam molhadas por muito tempo. O equipamento, que opera como uma estação de alerta sanitário, evita essa tomada de decisão sem critério científico. Para isso, é dotado de um sistema de previsão da ocorrência de fungos numa cultura, que funciona por meio do processamento de dados meteorológicos.
Painel solar
Chamado de Equipamento de Previsão de Doenças Fúngicas (EPF System), ele tem raio de ação variável, dependendo da topografia do terreno. Nas áreas planas, a amplitude de monitoração pode atingir 10 hectares. Em qualquer situação, ele dispensa a energia elétrica. O EPF é alimentado por meio de baterias de 6 volts, que são carregadas por um painel solar.
Todas as informações são coletadas pelo aparelho por meio de um conjunto de sensores acoplados a um microprocessador, que processa e indica em um visor oupor um tipo de interface de coleta (rádio ou coletores eletrônicos) a possibilidade de infestação da doença e do grau de severidade esperado. Os sensores medem as temperaturas máxima, mínima e média de um período, a umidade relativa do ar, o índice de chuvas, além da intensidade e a duração do período de molhamento foliar.
A arquitetura do equipamento, por meio de suas interfaces, permite que as informações dos sensores agrometeorológicos possam ser coletadas em até 30 pontos diferentes. Além da coleta ser disponibilizada por um sistema de rádio de forma automática, existe ainda uma pulseira com um botão metálico que necessita apenas ser encostado no EPF para a coleta dos dados. Depois, todas as informações são armazenadas e processadas num computador do agricultor, de onde é possível elaborar um relatório que serve para analisar e programar, com facilidade, os momentos mais adequados para a pulverização.
Existem no país outros equipamentos de previsão de doenças vegetais, na maioria importados. São caros – as configurações básicas custam de US$ 3 a US$ 5 mil nos países de origem e chegam ao Brasil pelo dobro -, não contam com assistência técnica aqui e sua manutenção é difícil.
“Esses aparelhos”, acrescenta Valadão, “também não fornecem ao usuário comum uma informação simples e clara que o ajude a decidir, porque são destinados mais ao uso na área científica. Não possuem display gráfico e, como os dados são registrados de forma ‘empilhada’, exigem prévio conhecimento das grandezas monitoradas e de seu peso no resultado final, o que dificulta o manuseio pelo agricultor.”
Tecnologia nacional
Já o equipamento da Microdesign, segundo Valadão “está adaptado às condições tropicais e à realidade agrícola brasileira”. Ele revela que só três componentes do equipamento – transdutor de umidade relativa (capta as informações e transforma em grandeza elétrica), pluviômetro (mede a quantidade de chuva) e caixa do abrigo do termohigrômetro (mede a umidade relativa do ar e temperatura) – são importados, porque são produzidos em escala mundial, com preços compatíveis e boa qualidade. O restante é fruto da tecnologia nacional.
A equipe da Microdesign desenvolveu os circuitos eletrônicos utilizados nos sensores do molhamento foliar e os do termohigrômetro, pois os convencionais existentes no mercado não atendiam às especificações do projeto – alta precisão, repetibilidade, confiabilidade, custo baixo e possibilidade de conexão em rede. A empresa também desenvolveu o software embutido no microprocessador (firmware), onde todos os processamentos de sinais matemáticos foram incorporados.
O equipamento está em fase de acabamento. Depois de testados os sensores e o sistema de aquisição dos dados, começaram os testes de campo. Valadão revela: “Estamos encaminhando 20 protótipos para centros de pesquisa como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), a Esalq e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal, que farão testes de fitopatologia para verificar o desempenho do equipamento e particularmente dos sensores, para saber se há necessidade ou não de alguma modificação no modo de operação deles, para adequá-los a alguma condição mais específica, como a maneira de integração dos sinais, ou mesmo para otimizar ou tornar mais prática a aplicação de campo e, assim, aperfeiçoar o uso do aparelho”.
Participação científica
Para Valadão, os convênios entre sua empresa e a área científica são fundamentais para o estabelecimento dos parâmetros confiáveis nos algoritmos (conjunto de regras bem definidas para solução de problemas com número finito de etapas) de prevenção específicos para cada cultura. Isso é importante porque os algoritmos variam conforme a cultura. “No nosso projeto”, acrescenta Villa Nova, “o algoritmo de alerta tem uma fórmula específica para cada cultura, que relaciona a temperatura, a umidade e dá o grau de severidade de ataque da doença. Se em determinada cultura a planta fica molhada 20 horas, por exemplo, a uma temperatura média de 18 graus centígrados, ela estará sujeita a uma infestação fúngica grave.”
O equipamento na concepção atual, com quatro tipos de sensores e destinado a funcionar numa área plana, tem o seu custo estimado entre R$ 3,5 mil e R$ 4 mil (ou de US$ 1,8 a US$ 2 mil), pode monitorar 10 hectares e ser usado para qualquer cultura, desde que configurado com o software correspondente. A forma de leitura das informações também vai influir no preço do aparelho. A simples visualização das informações no visor do equipamento ou a captação por meio da pulseira com botão vai deixar o EPF System mais barato. Já com a adaptação para um sistema de radiotransmissor, que leva as informações diretamente ao computador do agricultor, haverá um aumento de R$ 2,5 mil nos custos.
O equipamento processa e prepara as informações agrometeorológicas, faz os cálculos baseados nos algoritmos instalados e responde se haverá ou não ocorrência de doenças, bem como o grau de severidade da infestação. A partir daí, o agricultor calcula a dosagem da pulverização, conforme critérios definidos por um fitopatologista.
Valadão pretende patentear o equipamento antifungo e calcula que ele estará disponível até o início de 2001. O agricultor poderá comprá-lo numa rede de revendas autorizadas, que terão técnicos treinados para instalar e fazer a manutenção. Poderá ser adquirido em operações de leasing, via Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal: o usuário paga uma prestação mensal, recebe assistência técnica e ao fim de 24 meses fica com o aparelho. Além disso, paga o software de cada cultura, no valor de cerca de R$ 500.
O financiamento da Fapesp já foi empregado no desenvolvimento da mecânica, na compra de instrumentos de laboratório e na montagem dos protótipos que vão para os centros de pesquisa, onde devem ficar em testes por seis meses. Esses centros receberão royalties pelo trabalho que levar ao aperfeiçoamento das soluções necessárias para cada cultura.
Subprodutos
O projeto não se esgotou no equipamento para previsão de doenças fúngicas: teve como subprodutos uma série de aparelhos controladores para serem usados em estufas, ambientes internos, filtros de lavagem (retrolavagem e lavagem em irrigação localizada), mesas-balanças de viveiros (indicam os períodos corretos de irrigação) e conjuntos bomba-válvula (permitem sincronizar motobomba e válvulas de controle hidráulico).
Esses aparelhos foram lançados no mercado e já estão à venda. Trata-se de uma receita importante para o faturamento médio mensal de R$ 20 mil da Microdesign, uma empresa com apenas três empregados que produz e vende 12 produtos.Fundada em 1984, a empresa concentrou-se em informática e aparelhos eletrônicos de uso agrícola. Valadão desenvolveu, por exemplo, um sistema de automação, por controle remoto, de pivôs centrais de irrigação e um sensor para monitoramento de passagem de grãos em plantadeiras, com o qual conquistou o Prêmio Governador do Estado no 18º Concurso Nacional do Invento Brasileiro, em 1990. Em 1994, um produtor de tomate lhe falou dos problemas que tinha com a pulverização da plantação e queixou-se de gastar muito dinheiro com veneno, muitas vezes, desperdiçado quanto aplicado antes das chuvas. Então o engenheiro começou a pesquisar seu novo invento.
Perfis
Nilson Augusto Villa Nova, 67 anos, é engenheiro agrônomo formado na Esalq, de Piracicaba, onde também fez doutorado em Agrometeorologia. É professor associado da Universidade de São Paulo (USP) na Esalq.
Fábio Taveira Valadão, 47 anos, formou-se em Engenheira Eletrônica e de Telecomunicações na Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O Projeto
Equipamento para Previsão de Doenças Fúngicas em Vegetais (nº 97/07351-9); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas – PIPE; Coordenador Nilson Augusto Villa Nova; Investimento: R$ 98.277,20