Utilizar árvores naturais para celebrar o Natal é uma tradição que começou há cerca de 400 anos na Europa, ganhou as américas com os imigrantes e cada vez mais conquista espaço no território brasileiro. Mesmo com o aumento da oferta disponível nos últimos anos, o engenheiro metalurgista Gilberto Sguario da Silva conta que, ao procurar uma árvore natalina em dezembro de 1995, pouco tempo após ter voltado de uma longa temporada nos Estados Unidos, sentiu falta de um produto com algumas características a que estava acostumado. “As árvores do Hemisfério Norte, além de extremamente bonitas, exalam um aroma muito agradável”, descreve.
Essa observação foi o ponto de partida de um estudo que resultou em uma árvore adaptada às condições climáticas do Hemisfério Sul, macia ao tato, com aroma suave, sem perda de folhas, coloração e vigor preservados até 45 dias após o corte. A pesquisa, que utilizou técnicas de clonagem vegetal, foi desenvolvida pelo Laboratório de Fisiologia das Árvores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo, em parceria com a Arboreto Produtos Florestais, da qual Gilberto Silva é sócio, com financiamento do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP.
A parceria com a Esalq teve início em 1996, antes mesmo de o projeto do PIPE ser aprovado em 1999, quando Silva procurou o professor Antônio Natal Gonçalves. O primeiro passo foi selecionar espécies de coníferas adequadas às condições climáticas da região em que seria produzida, no sul do Estado de São Paulo, e com as qualidades exigidas pelas tendências de mercado. “Experimentamos 12 espécies antes de dar início ao projeto”, conta Gonçalves.
Material adequado
A escolha recaiu sobre a Cryptomeria japonica variedade elegans, originária do Japão, pelas suas qualidades e características ideais para o cultivo como árvore de Natal: rápido crescimento tanto in vitro como no campo, forma cônica, o que diminui a freqüência de podas de modelagem da árvore, e resposta satisfatória à adubação. Além disso, essa espécie, chamada de cedrinho japonês, tolera baixas temperaturas, pré-requisito para ser produzida em Itararé, município que fica na fronteira de São Paulo com o Paraná, local escolhido para o plantio.
“O primeiro passo era conseguir um material genético adequado para clonar, fator que influencia na qualidade das árvores”, relata Gonçalves. Foram coletados fragmentos de ponteiros (material localizado na ponta dos galhos) de matrizes selecionadas da Estação Experimental de Itatinga, do Departamento de Ciências Florestais da Esalq. Dessas matrizes saíram novas mudas, produzidas pelo método de micropropagação (cultura de tecidos). Esse método é considerado o mais apropriado para que o material reverta a condição de reprodução, segundo experimentos realizados para a geração de clones de eucaliptos, utilizados por grandes empresas de papel e celulose.
Para resgatar a característica de reprodução por clonagem, os ponteiros têm de ser colocados em um meio de cultura com nutrientes minerais, vitaminas, reguladores de crescimento, açúcar e ágar, um material extraído de algas marinhas, para dar consistência. Depois de 45 dias, essas mudas vão para viveiros e, cerca de seis meses mais tarde, estarão prontas para ser plantadas ou enviadas para o jardim clonal, onde são feitas novas mudas pelo método de estaquia (processo de multiplicação de vegetais em que se utilizam estacas de caules, raízes e folhas). O espaçamento para o plantio entre as árvores fica em torno de 2,20 metros. O tempo para que atinjam a altura ideal para o corte varia de três a quatro anos, segundo o tamanho desejado: 1,50 metro, 1,80, 2 e 2,5 metros.
Alimentação diária
O corte é feito uniformemente, rente ao chão, para que a árvore possa ser encaixada em um suporte de metal, desenvolvido por Gilberto Sguario da Silva, que fundou a Arboreto em sociedade com o irmão, dono da área de 75 hectares em Itararé onde se realizam os testes em campo. O suporte é composto por quatro parafusos, que asseguram a sustentação mecânica da árvore, e um reservatório destinado à alimentação da planta, onde devem ser colocados diariamente de 1 a 2 litros de água.
Segundo o professor Gonçalves, os cortes tradicionais, que arrancam inclusive o torrão de terra junto com parte das raízes, degradam os locais do plantio porque retiram grandes porções de terra, provocando erosão e empobrecimento do solo. Encontrar uma árvore capaz de resistir ao corte foi um dos grandes desafios do projeto. “A tuia, uma das espécies concorrentes que se encontram à venda, não resiste ao corte sem o torrão”, diz Silva. Depois do corte, os galhos são amarrados para facilitar o transporte aos locais de distribuição, que deve sempre ser feito à noite, para evitar a perda de umidade das árvores. O sistema de umidificação da base do tronco, desenvolvido pela empresa, consiste de uma esponja úmida que envolve toda a base do tronco recoberta por um saco plástico. A árvore, que vem acompanhada do suporte, é fácil de ser transportada manualmente, porque seu peso não ultrapassa os 5 quilos.
O programa de comercialização das árvores foi desenvolvido pela Arboreto em parceria com consultores do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de São Paulo. Nele constam detalhes de como as árvores devem ser acondicionadas no depósito da empresa, cuidados no transporte, melhor data para venda e locais para divulgá-las.
Produto aceito
A primeira experiência de vendas foi feita em 2001, em Alphaville, bairro do município de Barueri, na Grande São Paulo. Os moradores e empresários do condomínio fechado compraram 200 árvores. Em julho de 2002, a Arboreto, que cadastrou todos os compradores, fez uma pesquisa pós-venda para avaliar o nível de aceitação do novo produto em relação aos concorrentes. O resultado agradou bastante à empresa. “Dos clientes residenciais, 100% ficaram satisfeitos e pretendem repetir a compra este ano”, conta Silva. “Esse índice caiu para 70% entre os clientes comerciais.” Na avaliação do empresário, eles não seguiram as instruções, dadas por escrito aos compradores, de dar água diariamente para a árvore. “Esse é o segredo para manter preservados o viço, a cor e outras características por 45 dias”, ressalta o empresário.
Neste ano, a empresa trouxe cerca de 500 árvores a São Paulo para serem vendidas em um ponto comercial que alugou no Morumbi e em uma floricultura localizada na ponte Cidade Jardim, perto do Jóquei Clube. O preço para o varejo está estimado entre R$ 100 e R$ 160, dependendo do tamanho da árvore. “Queremos vender inicialmente em São Paulo, para avaliar a reação do consumidor. Depois iremos para Campinas, Curitiba e outras cidades”, relata Silva. A estimativa de venda para o ano que vem gira em torno de, no mínimo, mil árvores. “Em dois ou três anos estaremos vendendo 2.500, a cota máxima permitida pelo terreno no regime de rotatividade”, diz o sócio-proprietário da empresa.
Os estudos e testes em campo realizados até agora demonstram que a espécie escolhida, a Cryptomeria japonica, atende aos pré-requisitos propostos no início do projeto. Na atual fase, os experimentos estão voltados para o melhoramento do método de adubação, época de podas e irrigação. Além disso, duas outras espécies, ainda não estudadas no projeto, serão avaliadas: o Pinus virginiana, originária dos Estados Unidos, e o Pinus eldarica, do Afeganistão. Elas foram escolhidas após consultas à associação norte-americana de produtores de árvores de Natal, National Christmas Tree Association, e testes preliminares de propagação e comportamento das espécies no campo e no laboratório. Também serão realizados estudos de sobrevida das espécies após o corte, com o uso de substâncias antitranspirantes e conservantes que podem ser diluídas na água.
Novos plantadores
Segundo o professor Gonçalves, desde que o projeto começou a ser divulgado, a Esalq já recebeu várias consultas de interessados em trabalhar com árvores de Natal. Mas ele ressalta que tem observado uma mudança no perfil das pessoas que procuram a universidade, localizada em Piracicaba. “Temos recebido consultas principalmente de aposentados que querem começar uma nova atividade no interior.”
O repasse da tecnologia para pequenos e médios proprietários é um dos objetivos do projeto. Ao mesmo tempo que os experimentos continuam no laboratório e em campo, Gonçalves vislumbra a possibilidade de que a região de Itararé se torne um pólo produtor de árvores de Natal com a tecnologia desenvolvida pela Esalq. “O investimento é baixo e traz um bom retorno”, avalia. O produtor poderá formar lotes do mesmo padrão e classificar as árvores de acordo com a qualidade.
Mas não está descartada a possibilidade de a venda ser feita individualmente, inclusive com a abertura das propriedades dos produtores para que os compradores escolham e reservem sua árvore ainda no campo, como ocorre nos Estados Unidos e Canadá. Para Gonçalves, mesmo com a transferência de tecnologia para outros produtores, a grande vantagem da Arboreto é que ela saiu na frente.
O Projeto
Desenvolvimento de Árvores Naturais de Natal para o Brasil (nº 99/06186-0); Modalidade Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE); Coordenador Antônio Natal Gonçalves – Esalq/Arboreto; Investimento R$ 251.400,00 e US$ 8.853,30