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Memória

No tempo da maxambomba

Há 140 anos era inaugurada no Recife a primeira ferrovia urbana do país

COLEÇÃO MUSEU DA CIDADE DO RECIF A maxambomba na estação ponte d`Uchoa: progresso sobre trilhosCOLEÇÃO MUSEU DA CIDADE DO RECIF

O apelido “Veneza brasileira” sempre pareceu cair muito bem para o Recife. Cortada pelos rios Capibaribe e Beberibe, essa cidade-ilha, como a chamou o escritor Gilberto Freyre, tinha as canoas como principal meio de transporte de pessoas e cargas para chegar até Olinda e alcançar povoados que se formavam às margens dos rios. Até os anos 1860, o uso de cavalos e carruagens que poderiam transpor os caminhos alagadiços era muito caro para a maioria dos mais de 75 mil habitantes. A população da capital pernambucana exigia serviços e benfeitorias como saneamento, água potável e iluminação.

A cidade já era um importante centro financeiro e comercial da época, com potencial exportador concentrado na cana-de-açúcar e no algodão, mas faltavam condições que impulsionassem seu desenvolvimento. A solução veio sob a forma de uma ferrovia urbana, percorrida por uma locomotiva mirim que puxava vagões de passageiros. A maxambomba –  corruptela da expressão inglesa machine pump (bomba mecânica) -, como acabou popularmente batizada,  foi o primeiro sistema de transporte urbano sobre trilhos do país, inaugurado em janeiro de 1867.

A concessão foi dada pelo governo provincial  em 1863 à firma inglesa Brazilian Street Railway Company Limited, com sede em Londres, composta por brasileiros e ingleses – embora, na prática, os três principais cargos da direção pertencessem aos britânicos. Os sócios pernambucanos eram o Barão do Livramento, José Bernardo Galvão Alcoforado e Antônio Luiz dos Santos. “Foram abertas três linhas singulares para lugares onde o acesso era difícil aos recifenses: Apipucos, Ramal dos Aflitos e Várzeas”, conta o historiador José Lins Duarte, autor de dissertação sobre o tema, defendida na Universidade Federal de Pernambuco. Para construir a estrada de ferro a cidade se modernizou, com a construção de duas grandes pontes de ferro e serviços de infra-estrutura.

“A princípio, a ferrovia foi muito útil para a elite local porque chegava às áreas de engenho.” Com o tempo, os engenhos foram desativados e as terras loteadas para construção de casas, o que beneficiou os mais pobres. Os preços caíram para todos: uma carruagem podia custar mil-réis para qualquer distância. O trem cobrava 400 réis na segunda classe e os valores eram diferenciados, dependendo do destino. As locomotivas começaram com três carros, mas chegaram a puxar 17 deles. Até 1890, cada um carregava 28 pessoas – depois disso foi desenvolvido um novo modelo que dobrou a capacidade de passageiros.

As máquinas eram feitas na Inglaterra – no total, havia 14 locomotivas no Brasil. “Era preciso fazer reparos constantes e os artífices mecânicos, carpinteiros e caldeireiros brasileiros começaram a reproduzir e substituir peças que vinham do exterior”, diz Duarte. “Em uma das visitas de inspeção, os ingleses elogiaram esse trabalho como sendo de excelente qualidade.”

O sucesso da maxambomba estimulou a concorrência de outras companhias de trilhos urbanos em rotas diferentes dentro do Recife e arredores e mexeu com o comércio. Antes de 1867 as lojas fechavam às 18 horas. Com o sol forte durante a maior parte do dia, as sinhazinhas preferiam fazer compras mais tarde e o comércio passou a fechar às 21 horas, último horário em que a ferrovia funcionava. Com 22 quilômetros de trilhos e 20 estações, a maxambomba durou até 1914 – em alguns ramais ela só foi aposentada em 1919. Em seu lugar entraram os bondes elétricos.

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