O trabalho do escocês Angus Deaton, a quem foi conferido o Prêmio Nobel de Economia na segunda-feira (12), traz uma lição importante para os analistas econômicos, segundo Eduardo Haddad, professor do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). “Deaton mostra que é preciso conhecer bem os dados com que se trabalha e todas as suas vicissitudes”, diz Haddad. “Essa talvez seja a fase mais importante de um trabalho empírico em economia.”
Deaton, de 69 anos, professor da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, é conhecido por estudos sobre consumo, bem-estar e desigualdade. Seu trabalho é considerado responsável por aumentar a precisão de índices econômicos básicos, entre eles os de renda e pobreza, principalmente por criar modelos que analisam dados individuais dos consumidores e das empresas e por aproximar a teoria econômica dos métodos estatísticos nos trabalhos empíricos. De acordo com o comitê que o escolheu, “sua pesquisa tem ajudado a transformar os campos da microeconomia, macroeconomia e economia do desenvolvimento”. A Real Academia de Ciências Sueca explicou com mais detalhes em seu site por que os estudos de Deaton são importantes ao responder três questões.
A primeira dela é: como os consumidores distribuem seus gastos entre diferentes bens? Para isso, é necessário explicar e prever os padrões reais de consumo e avaliar como as reformas políticas e as mudanças nos impostos afetam o bem-estar de diferentes grupos. Nos anos 1980, Deaton desenvolveu um modelo flexível e simples para estimar a demanda por bens. Sua abordagem tornou-se uma ferramenta padrão de análise, tanto no meio acadêmico como na política econômica.
A segunda questão responde à pergunta: como grande parte da renda da sociedade é gasta e o quanto é economizada? Para explicar a formação do capital e as oscilações do consumo na economia, é necessário entender a interação entre renda e consumo ao longo do tempo. Segundo Deaton, a análise de dados individuais dos consumidores é a chave para entender os padrões que costumava ser visto apenas em dados agregados de todos, ricos e pobres (total consumido na economia). Essa visão, desenvolvida nos anos 1990, foi amplamente adotada.
Por fim, a terceira questão é: como ter as melhores medidas de bem-estar e pobreza? Resposta: analisando os níveis de consumo das famílias individualmente e usando, para isso, modelos e ferramentas estatísticas. Essas análises ajudam a discernir os mecanismos por trás do desenvolvimento econômico. Segundo a Academia Sueca, o foco de Deaton em pesquisas domiciliares transformou a economia do desenvolvimento de um campo teórico baseado em dados agregados em um campo empírico baseado em dados individuais detalhados. Para Haddad, economista da FEA-USP, “ele aperfeiçoou e promoveu a conexão entre mensuração e teoria econômica, enfatizando a heterogeneidade dos agentes econômicos”.
Haddad vê relação entre as pesquisas de Deaton e a obra do indiano Amartya Sen (Nobel da Economia de 1998). Ambas tratam “da heterogeneidade entre agentes econômicos e incluem dimensões múltiplas para se aferir o bem-estar do indivíduo, que vão muito além da renda”. Para Haddad, “o trabalho de Deaton permite preencher de conteúdo empírico o arcabouço teórico desenvolvido por Sen”. Ao comentar a premiação, Deaton, que tem cidadania britânica e norte-americana, disse: “As medições que eu faço mostram que as coisas estão melhorando, mas ainda há muito trabalho a ser feito”.
Segundo a revista The Economist o prêmio para o escocês vem num momento em que há um aumento do interesse acadêmico por estudos de desigualdade. Economistas como Anthony Atkinson, da Escola de Economia de Londres, um dos candidatos ao Nobel deste ano, e Thomas Piketty, da Escola de Economia de Paris, têm publicado trabalhos sobre esse tema, que alcançaram grande repercussão nos últimos dois anos.
O último livro de Deaton é The Great Escape: Health, Wealth, and the Origins of Inequality (Princeton University, 2013). Segundo o jornal Financial Times, uma das ideias propostas na obra é criar uma “agenda global de bens públicos”, que garanta que mais ajuda financeira seja gasta em problemas duradouros como doenças, mesmo que isso signifique financiar mais pesquisas no mundo rico.
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